"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sábado, 5 de outubro de 2013

"FESTIVAL DE INSENSATEZ"

O que causa mesmo inveja a um carioca são a segurança e a ordem nas ruas de Manhattan

  
Nova York não é meu sonho de cidade, talvez por falta de intimidade com a língua e com a paisagem, que me lembra Tom Jobim implicando com a altura dos prédios: “NY é para ser vista de maca”. Como cantou o grande Cole Porter, “I love Paris” — na primavera, no outono, no inverno, em “qualquer momento” (menos no verão, quando as duas ficam insuportáveis).
 
Mas reconheço que nenhuma outra metrópole dispõe de tanta oferta cultural quanto a capital do mundo (dizem que perde para Londres, que conheço pouco). Atualmente, há cerca de 30 espetáculos em cartaz na Broadway, ou seja, pode-se ver um por noite durante um mês. Na terra do fast-food, mais do que musicais, concertos, peças, óperas e exposições, só mesmo comida. Em cada quarteirão um bar, uma lanchonete, um restaurante.
 
Come-se dentro, mas também do lado de fora. O nova-iorquino ou está com a boca cheia ou falando ao celular — às vezes as duas coisas ao mesmo tempo. Come-se até sentado na fonte do Lincoln Center, enquanto se espera, por exemplo, a Filarmônica de NY acompanhar Yefim Bronfman ao piano no Concerto nº 1, de Tchaikovsky. Isso, por si só, valeu a viagem. Aliás, em termos de “valeu a viagem”, há também a magnífica mostra de Edward Hopper, sem falar na nova montagem de “Pippin”, cujas riquezas da coreografia e da expressão corporal dispensam o resto. Não é preciso entender, basta ver para se deslumbrar.
 
Mas o que causa mesmo inveja a um carioca são a segurança e a ordem da cidade. Andando nas últimas semanas pelas ruas de Manhattan, não tive um sobressalto, uma ameaça, não vi um avanço de sinal, não ouvi uma freada brusca, um buzinaço estridente. Isso deve acontecer, claro, mas como exceção. A comparação é tanto mais chocante quando você volta e encontra a Cinelândia, palco de eventos cívicos memoráveis, transformada em campo de batalha.
 
De um lado, a polícia usando todo tipo de truculência contra professores. Uma professora de História repete por e-mail o que ouviu dos policiais: “Vamos acabar com esses filhos da puta (...). O corpo estremecendo, os olhos lacrimejando e os ouvidos zunindo, já surda, deixei o cenário.
 
Cenário de guerra, arapuca de arame.” A vereadora Teresa Bergher (PSDB), indignada com a violência policial, resumiu: “Um dia negro para a democracia.” De outro lado, vândalos depredando e saqueando bens públicos e até bares tradicionais como o Amarelinho e o Vermelhinho. E, se não bastasse, xingando artistas na entrada de um festival de cinema. O próximo ato deve ser queimar livros em praça pública.
 
De parte a parte, uma marcha de insensatez que, pelo visto, deve continuar.

05 de outubro de 2013
zuenir ventura, O Globo

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