Turismo engavetou contratos irregulares de R$ 44 milhões. Pente-fino identificou falhas em 160 convênios firmados desde 2002
O Ministério do Turismo constatou irregularidades na aplicação de R$ 44 milhões repassados a prefeituras, governos estaduais e entidades privadas. O dinheiro foi transferido em 160 convênios cujas prestações de contas estavam engavetadas, parte delas à espera de providências burocráticas, como a anexação dos comprovantes de que gestores acusados de desvios foram notificados pelo correio. Na última segunda-feira, o ministério criou uma força-tarefa para concluir a análise de 2,8 mil processos nessa situação.
A maior parte das 160 prestações de contas já examinadas diz respeito a shows, festas e eventos bancados pelo Ministério do Turismo, desde 2002. A primeira análise desses convênios tinha detectado indícios de fraudes. Havia até recomendação de abertura de tomada de contas especial, que é o procedimento de controle interno destinado a aferir o tamanho do desvio e identificar os responsáveis. Mas até agora essa investigação não tinha sido deflagrada.
De acordo com o ministério, os 160 convênios foram firmados com oito governos estaduais, 82 prefeituras e 52 entidades privadas, muitas delas organizações não governamentais.
— Eram processos que estavam rodando em ‘loop’. Agora colocamos tudo numa linha de montagem — diz o secretário-executivo da pasta, Sergio Braune, que está à frente da equipe.
Foram detectados problemas variados. Uma das prestações de contas contém foto que, segundo o ministério, teria sido adulterada para simular a existência de um telão. O ministério desconfia que o referido evento não contou com telão no palco, apesar do repasse para aluguel desse tipo de equipamento. Banheiros químicos em número menor do que o previsto e venda de ingressos — o que é proibido em festas custeadas pelo governo — foram outras irregularidades constatadas. Outro caso que chamou a atenção foi uma festividade cuja verba de divulgação prévia teria sido gasta somente na data do evento.
Um dos obstáculos para a conclusão das análises é a falta do chamado AR (aviso de recebimento) — um pedaço de papel emitido pelos Correios para confirmar que o destinatário da intimação recebeu a carta. Braune lembra que as prestações de contas não podem ser encerradas se não tiverem os devidos ARs.
A força-tarefa reúne 12 servidores e tem prazo de 90 dias para concluir o pente-fino. Casos com indícios de desvios darão origem a tomadas de contas, podendo seguir para o Tribunal de Contas da União e o Ministério Público. Processos sem irregularidades serão arquivados em caráter definitivo.
O grupo trabalha em duas salas de reunião, onde pilhas de processos são examinadas e agrupadas.
O ministro Gastão Vieira diz que o objetivo é zerar o arquivo, reduzindo os prazos de análise de novas prestações. Ele conta que pôs fim aos repasses para contratação de artistas no ano passado. ONGs e entidades do gênero também não recebem mais verbas nesse tipo de convênio.
— Cortei o mal pela raiz. Não tinha critério. O cantor fazia show numa cidade por R$ 20 mil, noutra por R$ 60 mi e numa terceira por R$ 2 mil — diz o ministro.
Segundo ele, a pasta está agora mais seletiva nos convênios para eventos, priorizando obras de infraestrutura e restringindo os repasses a festas juninas e eventos religiosos.
— Hoje fazemos chamada pública. O ministério diz que tem tantos milhões de reais para apoiar eventos e quem quiser se inscreve. Isso diminuiu em quase 90% os recursos que vão para esse tipo de atividade — diz Vieira.
No início do ano que vem, o Ministério do Turismo deverá realizar concursos para 44 servidores de nível superior. Vieira considera que a falta de pessoal está por trás da demora nas análises de contas. Em 2012, 55 servidores deixaram a pasta. Em 2013, mais 35.
— Como temos pouca gente, há uma lentidão enorme. É uma coisa que não posso sair daqui sem resolver — diz o ministro, que deixará o governo até abril do ano que vem para disputar as eleições de 2014.
05 de outubro de 2013
Demétrio Weber - O Globo
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