Ao longo da última semana, a presidente Dilma Rousseff declarou ao menos três vezes que seu governo está cumprindo os “cinco pactos” que ela propôs durante as manifestações de junho passado. Não é, portanto, algo casual. Dilma quer fazer o eleitor acreditar que o Brasil, graças à varinha mágica de seu governo, está hoje muito melhor do que há quatro meses.
Em uma das declarações, Dilma sublinhou que sua avaliação é “absolutamente baseada em fatos, em dados, objetiva”. A ênfase da presidente na solidez de sua argumentação parece ter a intenção de desmentir o fato, notório, de que seu governo habitualmente fantasia sobre suas ações e tortura números para que eles reflitam o cenário idealizado.
Mas a realidade, como sempre, desmente a ficção criada pelos marqueteiros do Planalto. O primeiro “pacto” que Dilma disse estar “sistematicamente” cumprindo é o da responsabilidade fiscal, que ela classificou como “a mãe dos outros pactos”. A presidente voltou ao assunto diversas vezes, afirmando que “é impossível fazer pactos e ao mesmo tempo quebrar o controle da inflação, a estabilidade fiscal e o montante de reservas”.
Dilma tem razão quando diz que todos os compromissos que ela assumiu dependem, em primeiro lugar, da responsabilidade fiscal. Trata-se de uma grande conquista do País, após décadas de gastança desenfreada e perda de credibilidade internacional. Aliás, foi justamente graças ao equilíbrio das contas públicas, obrigatório por lei a partir do ano 2000, que os governos petistas puderam incrementar os programas de transferência de renda que tanta popularidade lhes trouxeram.
Para provar que está cumprindo o “pacto” pela responsabilidade fiscal, Dilma afirmou que a inflação está “sob controle” e que o orçamento está “equilibrado”. Mas não é possível, por nenhum parâmetro razoável, dizer que uma inflação de 6% esteja “sob controle”. Dilma costuma dizer que essa variação de preços está “dentro da meta”, mas a meta é 4,5%, e a inflação está no limite da margem de tolerância – e só não subiu mais porque os combustíveis estão com seus preços represados.
Sobre as contas públicas, falar em “equilíbrio” é zombar da inteligência alheia. A contabilidade criativa da equipe econômica já ganhou fama mundo afora. Além dos truques, são cada vez mais necessários, para fechar as contas e cumprir as metas, os dividendos pagos por estatais e as receitas extraordinárias, como o bônus do leilão do Campo de Libra.
Assim como no caso da responsabilidade fiscal, os demais compromissos assumidos durante as manifestações de junho só estão sendo cumpridos no palanque. Dilma mencionou o “pacto” pela reforma política e tornou a defender a realização de um plebiscito sobre as eventuais mudanças – uma proposta que sua própria base no Congresso já rejeitou.
Outro “pacto” que Dilma disse ter cumprido é a melhoria da saúde. Para provar, citou o Programa Mais Médicos – um remendo eleitoreiro destinado a turbinar a candidatura do ministro Alexandre Padilha (Saúde) ao governo de São Paulo. Enquanto isso, o Ministério da Saúde investiu, até agosto, apenas 26,5% dos R$ 10 bilhões que estavam reservados para equipamentos e obras.
A presidente citou ainda, como compromisso cumprido, a melhoria da mobilidade urbana, algo que afinal estava no centro das reivindicações de junho. Na época, ela anunciou uma injeção de R$ 50 bilhões em projetos de transporte público. Mas seus próprios ministros agora admitem que essa meta não será cumprida, principalmente porque faltam projetos viáveis.
Por fim, Dilma mencionou o “pacto” pela educação e disse que este também está sendo obedecido, porque seu governo conseguiu destinar 75% dos royalties do petróleo para a melhoria desse setor. Um dos problemas é que essa destinação só vale para os contratos novos – e, na melhor das hipóteses, o dinheiro só começará a irrigar as salas de aula na próxima década. No entanto, o maior empecilho, como se sabe, não é a falta de recursos, e sim a má gestão das verbas existentes. E isso não se resolve no gogó.
28 de outubro de 2013
Editorial do Estadão
Em uma das declarações, Dilma sublinhou que sua avaliação é “absolutamente baseada em fatos, em dados, objetiva”. A ênfase da presidente na solidez de sua argumentação parece ter a intenção de desmentir o fato, notório, de que seu governo habitualmente fantasia sobre suas ações e tortura números para que eles reflitam o cenário idealizado.
Mas a realidade, como sempre, desmente a ficção criada pelos marqueteiros do Planalto. O primeiro “pacto” que Dilma disse estar “sistematicamente” cumprindo é o da responsabilidade fiscal, que ela classificou como “a mãe dos outros pactos”. A presidente voltou ao assunto diversas vezes, afirmando que “é impossível fazer pactos e ao mesmo tempo quebrar o controle da inflação, a estabilidade fiscal e o montante de reservas”.
Dilma tem razão quando diz que todos os compromissos que ela assumiu dependem, em primeiro lugar, da responsabilidade fiscal. Trata-se de uma grande conquista do País, após décadas de gastança desenfreada e perda de credibilidade internacional. Aliás, foi justamente graças ao equilíbrio das contas públicas, obrigatório por lei a partir do ano 2000, que os governos petistas puderam incrementar os programas de transferência de renda que tanta popularidade lhes trouxeram.
Para provar que está cumprindo o “pacto” pela responsabilidade fiscal, Dilma afirmou que a inflação está “sob controle” e que o orçamento está “equilibrado”. Mas não é possível, por nenhum parâmetro razoável, dizer que uma inflação de 6% esteja “sob controle”. Dilma costuma dizer que essa variação de preços está “dentro da meta”, mas a meta é 4,5%, e a inflação está no limite da margem de tolerância – e só não subiu mais porque os combustíveis estão com seus preços represados.
Sobre as contas públicas, falar em “equilíbrio” é zombar da inteligência alheia. A contabilidade criativa da equipe econômica já ganhou fama mundo afora. Além dos truques, são cada vez mais necessários, para fechar as contas e cumprir as metas, os dividendos pagos por estatais e as receitas extraordinárias, como o bônus do leilão do Campo de Libra.
Assim como no caso da responsabilidade fiscal, os demais compromissos assumidos durante as manifestações de junho só estão sendo cumpridos no palanque. Dilma mencionou o “pacto” pela reforma política e tornou a defender a realização de um plebiscito sobre as eventuais mudanças – uma proposta que sua própria base no Congresso já rejeitou.
Outro “pacto” que Dilma disse ter cumprido é a melhoria da saúde. Para provar, citou o Programa Mais Médicos – um remendo eleitoreiro destinado a turbinar a candidatura do ministro Alexandre Padilha (Saúde) ao governo de São Paulo. Enquanto isso, o Ministério da Saúde investiu, até agosto, apenas 26,5% dos R$ 10 bilhões que estavam reservados para equipamentos e obras.
A presidente citou ainda, como compromisso cumprido, a melhoria da mobilidade urbana, algo que afinal estava no centro das reivindicações de junho. Na época, ela anunciou uma injeção de R$ 50 bilhões em projetos de transporte público. Mas seus próprios ministros agora admitem que essa meta não será cumprida, principalmente porque faltam projetos viáveis.
Por fim, Dilma mencionou o “pacto” pela educação e disse que este também está sendo obedecido, porque seu governo conseguiu destinar 75% dos royalties do petróleo para a melhoria desse setor. Um dos problemas é que essa destinação só vale para os contratos novos – e, na melhor das hipóteses, o dinheiro só começará a irrigar as salas de aula na próxima década. No entanto, o maior empecilho, como se sabe, não é a falta de recursos, e sim a má gestão das verbas existentes. E isso não se resolve no gogó.
28 de outubro de 2013
Editorial do Estadão
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