Ele se alimenta do potencial de riquezas a serem pilhadas, e regressa ao país com furor
Nota do Editor: uma versão mais sucinta deste artigo foi inicialmente publicada no jornal Folha de S. Paulo
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Muitos pensavam que o Chile estivesse imune ao populismo. Afinal, o país tem, ao lado do Uruguai, a maior renda per capita da América do Sul (ajustada pela paridade do poder de compra), e 60% maior que a brasileira.
Além disso, o Chile é, há dez anos, membro da OCDE, grupo de países que implementam as melhores práticas, e ao qual o Brasil sonha se integrar no futuro.
Entre os 34 países da OCDE, o Chile é simplesmente aquele que possui a maior mobilidade social. Segundo os dados da própria OCDE, 23% dos chilenos que nasceram em uma família pobre conseguiram elevar sua renda até se situarem no grupo de população de maior renda.
Gráfico 1: porcentagem de pessoas que nasceram no grupo dos 25% mais pobres da sociedade que conseguiram chegar ao grupo dos 25% mais ricos
Isso significa que a probabilidade do filho de um pai que pertence ao quartil de menor renda permanecer nesse mesmo nível é comparativamente a mais baixa dentre todos os países da OCDE; e que a probabilidade de que suba ao quartil de maior renda é comparativamente alta.
E, segundo uma pesquisa da Pew Research, feita em 2017, 67% das famílias chilenas acreditam que seus filhos conseguirão melhorar sua situação financeira ao longo dos anos. Israel, que é o segundo país com maior nível de otimismo, está quase 20 pontos percentuais atrás.
Gráfico 2: porcentagem de pais que acreditam que seus filhos terão uma melhor situação financeira do que eles próprios
Finalmente, segundo a Bloomberg, o Chile tem o décimo melhor sistema de aposentadoria do mundo.
Ainda sobre este tema, virou lugar-comum a afirmação de que o sistema de capitalização do Chile paga pouco aos seus aposentados, sendo esta uma fonte de insatisfação.
Entretanto, como muito bem resumiu Helio Gurovitz:
"A contribuição do chileno para a aposentadoria é de 10% do salário. No Brasil, são 11% do funcionário, mais 20% do empregador. Se o chileno acumulasse todas essas contribuições numa conta, poderia receber mais que o triplo. A culpa da aposentadoria baixa não é, portanto, do sistema de capitalização, mas do nível de contribuição. [...]
Chilenos recebem menos porque contribuem menos e, mesmo assim, não estão tão distantes do padrão global. [...]
Os chilenos recebem em média 34% do salário de contribuição. [...] é o mesmo patamar de Rússia (34%), Japão (35%), Estados Unidos (38%) ou Alemanha (38%). Está acima de Reino Unido (22%), México (26%) e Austrália (32%)."
Para se aprofundar sobre este assunto, recomenda-se este vídeo, que aborda todos os detalhes do sistema chileno.
O populismo sabe o quer
Mas o populismo, em todo e qualquer lugar, se alimenta do potencial de riquezas a serem pilhadas. Sendo assim, ele acaba de regressar ao Chile, e com furor.
O país, como todo o planeta sabe, está sendo sacudido por uma onda de violentas manifestações. Confira um compêndio no vídeo abaixo.
Nem todos estavam alheios a esse risco. O analista político-econômico chileno Axel Kaiser advertiu em 2007 no livro "El Chile Que Viene" sobre a falsa sensação de segurança após seguidos anos de crescimento e previu a ruptura social que resultaria das péssimas políticas públicas do governo da socialista Michelle Bachelet. (Algo que também foi antecipado pelo Instituto Mises Brasil aqui e aqui).
As angústias da população têm fundamento. As tarifas de serviços de utilidade pública têm subido mais que o aumento de renda, em parte por conta da alta de 10% do dólar desde março. A qualidade dos serviços públicos vem se deteriorando há muito tempo (uma inevitabilidade dos serviços estatais). E, por fim, embora o crescimento seja robusto, estimado em 2,5% em 2019, não é suficiente para dinamizar a renda como outrora.
No entanto, as demandas outrora pacíficas das ruas passaram a ser exploradas por grupos políticos e ideológicos com o intuito de implantar uma nova Constituição, bem ao estilo de Hugo Chávez. Aliás, é um clássico na América Latina a dificuldade da esquerda em aceitar a perda de uma eleição e sua disposição em desestabilizar qualquer governo não alinhado com a suposta superioridade de seus ideais.
Seguindo a cartilha, a extrema esquerda (Frente Ampla e Partido Comunista) se recusa a dialogar e já pede a renúncia do presidente Sebastián Piñera.
Ainda mais grave, tolera os atos generalizados de vandalismo e depredação que já causaram a morte de 18 pessoas, além de dezenas de milhões de dólares de prejuízo patrimonial. Por último, exige que os militares empenhados em restabelecer a ordem saiam das ruas. A violência é uma de suas armas.
A maior parte da população está apreensiva com a segurança de sua família e com a dificuldade de chegar ao trabalho. Muitos devem se dar conta de que serão vítimas da desordem que a esquerda incita. A maioria silenciosa vencerá desta vez? É difícil dizer.
Causa estranheza que os especialistas na mídia ao redor do mundo, inclusive no Brasil, unanimemente apontem a desigualdade de renda como a causa primordial dos protestos, desconsiderando a complexidade dos fatos. No Twitter, chegou ao trending topic #1 no mundo a hashtag "PiñeraDictador". É a prova de que os agitadores de esquerda estão vencendo a batalha de narrativas.
E, ao que tudo indica, estão também triunfando no mudo político e econômico: ainda ontem, o presidente Piñera anunciou um "pacote de bondades" (com o dinheiro alheio):
Renda mínima garantida de 350.000 pesos mensais (1.950 reais) para todos os trabalhadores de jornada completa (quando o salário for inferior a essa cifra, os pagadores de impostos bancarão a diferença).
Aumento de 40% nos impostos para as rendas superiores a 8 milhões de pesos (45.000 reais).
Aumento de 20% nas aposentadorias (a medida, segundo o governo, beneficiará 590 mil aposentados e 945 mil pensionistas)
Criação de um "mecanismo de estabilização" das tarifas elétricas, anulando a recente alta de 9,2%.
Projeto de lei que cria um teto nos gastos com saúde pela famílias chilenas. Os valores que extrapolem o teto serão cobertos pelos pagadores de impostos.
Ampliação do convênio entre o sistema público de saúde (o Fundo Nacional de Saúde - Fonasa) e as farmácias, com o propósito de reduzir o preço dos medicamentos.
O custo total está inicialmente estimado em 1,2 bilhão de dólares (4,9 bilhões de reais).
Conclusão
Ao menos até agora, a esquerda venceu e o seu pacote foi estabelecido. Aos populistas, sabemos, é irrelevante se há ou não dinheiro para tal — pois o "dinheiro do governo" é oriundo da tributação de bens e serviços; mas como a produção de bens e serviços é, por definição, limitada e escassa (ao passo que a demanda por benesses é infinita), então o orçamento do governo sempre será limitado.
A mentalidade marxista segue prevalente na América Latina. Sua face visível é pavorosa como a de um joker. No Brasil, aprendemos muito entre os protestos de 2013 e 2015. Que também no Chile "o triunfo do homem verdadeiro surja das cinzas de seu erro", como dizia o comunista Neruda.
28 de outubro de 2019
Hélio Beltrão
Nota do Editor: uma versão mais sucinta deste artigo foi inicialmente publicada no jornal Folha de S. Paulo
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Muitos pensavam que o Chile estivesse imune ao populismo. Afinal, o país tem, ao lado do Uruguai, a maior renda per capita da América do Sul (ajustada pela paridade do poder de compra), e 60% maior que a brasileira.
Além disso, o Chile é, há dez anos, membro da OCDE, grupo de países que implementam as melhores práticas, e ao qual o Brasil sonha se integrar no futuro.
Entre os 34 países da OCDE, o Chile é simplesmente aquele que possui a maior mobilidade social. Segundo os dados da própria OCDE, 23% dos chilenos que nasceram em uma família pobre conseguiram elevar sua renda até se situarem no grupo de população de maior renda.
Gráfico 1: porcentagem de pessoas que nasceram no grupo dos 25% mais pobres da sociedade que conseguiram chegar ao grupo dos 25% mais ricos
Isso significa que a probabilidade do filho de um pai que pertence ao quartil de menor renda permanecer nesse mesmo nível é comparativamente a mais baixa dentre todos os países da OCDE; e que a probabilidade de que suba ao quartil de maior renda é comparativamente alta.
E, segundo uma pesquisa da Pew Research, feita em 2017, 67% das famílias chilenas acreditam que seus filhos conseguirão melhorar sua situação financeira ao longo dos anos. Israel, que é o segundo país com maior nível de otimismo, está quase 20 pontos percentuais atrás.
Gráfico 2: porcentagem de pais que acreditam que seus filhos terão uma melhor situação financeira do que eles próprios
Finalmente, segundo a Bloomberg, o Chile tem o décimo melhor sistema de aposentadoria do mundo.
Ainda sobre este tema, virou lugar-comum a afirmação de que o sistema de capitalização do Chile paga pouco aos seus aposentados, sendo esta uma fonte de insatisfação.
Entretanto, como muito bem resumiu Helio Gurovitz:
"A contribuição do chileno para a aposentadoria é de 10% do salário. No Brasil, são 11% do funcionário, mais 20% do empregador. Se o chileno acumulasse todas essas contribuições numa conta, poderia receber mais que o triplo. A culpa da aposentadoria baixa não é, portanto, do sistema de capitalização, mas do nível de contribuição. [...]
Chilenos recebem menos porque contribuem menos e, mesmo assim, não estão tão distantes do padrão global. [...]
Os chilenos recebem em média 34% do salário de contribuição. [...] é o mesmo patamar de Rússia (34%), Japão (35%), Estados Unidos (38%) ou Alemanha (38%). Está acima de Reino Unido (22%), México (26%) e Austrália (32%)."
Para se aprofundar sobre este assunto, recomenda-se este vídeo, que aborda todos os detalhes do sistema chileno.
O populismo sabe o quer
Mas o populismo, em todo e qualquer lugar, se alimenta do potencial de riquezas a serem pilhadas. Sendo assim, ele acaba de regressar ao Chile, e com furor.
O país, como todo o planeta sabe, está sendo sacudido por uma onda de violentas manifestações. Confira um compêndio no vídeo abaixo.
Nem todos estavam alheios a esse risco. O analista político-econômico chileno Axel Kaiser advertiu em 2007 no livro "El Chile Que Viene" sobre a falsa sensação de segurança após seguidos anos de crescimento e previu a ruptura social que resultaria das péssimas políticas públicas do governo da socialista Michelle Bachelet. (Algo que também foi antecipado pelo Instituto Mises Brasil aqui e aqui).
As angústias da população têm fundamento. As tarifas de serviços de utilidade pública têm subido mais que o aumento de renda, em parte por conta da alta de 10% do dólar desde março. A qualidade dos serviços públicos vem se deteriorando há muito tempo (uma inevitabilidade dos serviços estatais). E, por fim, embora o crescimento seja robusto, estimado em 2,5% em 2019, não é suficiente para dinamizar a renda como outrora.
No entanto, as demandas outrora pacíficas das ruas passaram a ser exploradas por grupos políticos e ideológicos com o intuito de implantar uma nova Constituição, bem ao estilo de Hugo Chávez. Aliás, é um clássico na América Latina a dificuldade da esquerda em aceitar a perda de uma eleição e sua disposição em desestabilizar qualquer governo não alinhado com a suposta superioridade de seus ideais.
Seguindo a cartilha, a extrema esquerda (Frente Ampla e Partido Comunista) se recusa a dialogar e já pede a renúncia do presidente Sebastián Piñera.
Ainda mais grave, tolera os atos generalizados de vandalismo e depredação que já causaram a morte de 18 pessoas, além de dezenas de milhões de dólares de prejuízo patrimonial. Por último, exige que os militares empenhados em restabelecer a ordem saiam das ruas. A violência é uma de suas armas.
A maior parte da população está apreensiva com a segurança de sua família e com a dificuldade de chegar ao trabalho. Muitos devem se dar conta de que serão vítimas da desordem que a esquerda incita. A maioria silenciosa vencerá desta vez? É difícil dizer.
Causa estranheza que os especialistas na mídia ao redor do mundo, inclusive no Brasil, unanimemente apontem a desigualdade de renda como a causa primordial dos protestos, desconsiderando a complexidade dos fatos. No Twitter, chegou ao trending topic #1 no mundo a hashtag "PiñeraDictador". É a prova de que os agitadores de esquerda estão vencendo a batalha de narrativas.
E, ao que tudo indica, estão também triunfando no mudo político e econômico: ainda ontem, o presidente Piñera anunciou um "pacote de bondades" (com o dinheiro alheio):
Renda mínima garantida de 350.000 pesos mensais (1.950 reais) para todos os trabalhadores de jornada completa (quando o salário for inferior a essa cifra, os pagadores de impostos bancarão a diferença).
Aumento de 40% nos impostos para as rendas superiores a 8 milhões de pesos (45.000 reais).
Aumento de 20% nas aposentadorias (a medida, segundo o governo, beneficiará 590 mil aposentados e 945 mil pensionistas)
Criação de um "mecanismo de estabilização" das tarifas elétricas, anulando a recente alta de 9,2%.
Projeto de lei que cria um teto nos gastos com saúde pela famílias chilenas. Os valores que extrapolem o teto serão cobertos pelos pagadores de impostos.
Ampliação do convênio entre o sistema público de saúde (o Fundo Nacional de Saúde - Fonasa) e as farmácias, com o propósito de reduzir o preço dos medicamentos.
O custo total está inicialmente estimado em 1,2 bilhão de dólares (4,9 bilhões de reais).
Conclusão
Ao menos até agora, a esquerda venceu e o seu pacote foi estabelecido. Aos populistas, sabemos, é irrelevante se há ou não dinheiro para tal — pois o "dinheiro do governo" é oriundo da tributação de bens e serviços; mas como a produção de bens e serviços é, por definição, limitada e escassa (ao passo que a demanda por benesses é infinita), então o orçamento do governo sempre será limitado.
A mentalidade marxista segue prevalente na América Latina. Sua face visível é pavorosa como a de um joker. No Brasil, aprendemos muito entre os protestos de 2013 e 2015. Que também no Chile "o triunfo do homem verdadeiro surja das cinzas de seu erro", como dizia o comunista Neruda.
28 de outubro de 2019
Hélio Beltrão
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