A trajetória do Brasil como nação nos coloca diante de inúmeras e surpreendentes peculiaridades.
Acontecimentos, ações e pensamentos que deram e dão o tom da nossa vida política e cultural não são encontrados em outras nações, e o Brasil é mestre em colecionar particularidades incomuns em outros países do resto do mundo.
O nascimento do Brasil já é singular per si: quem proclama a independência da colônia é o herdeiro da coroa metropolitana. Dom Pedro I era o sucessor natural do trono português, e ainda assim decidiu separar os destinos de Brasil e Portugal em definitivo. Comparando com os casos dos nossos vizinhos latinos, onde a independência foi feita de forma abrupta da Espanha e daí surgiram repúblicas caudilhistas sem a menor conexão com o legado espanhol, é de uma surpresa incrível.
Nossa primeira Constituição também é digna de nota: foi a única da época a determinar quatro poderes. Geralmente as que então surgiram apresentavam os três típicos das democracias liberais: Executivo, Legislativo e Judiciário. O caso brasileiro adicionava um quarto: o Poder Moderador, idealizado pelo teórico suíço Benjamin Constant, que via nele a chave para a garantia da estabilidade política em qualquer regime democrático. A existência do Poder Moderador fez do Brasil uma monarquia constitucional e estável, características jamais vistas no continente latino-americano.
A queda da monarquia brasileira é explicável justamente pelo Poder Moderador – no caso, a ausência dele. O imperador Dom Pedro II estava doente e muito fragilizado, o que deu ao Conselho de Ministros – o Poder Executivo da época – um poder maior que o estabelecido na Constituição. Com isso, o gabinete liberal defensor da implantação da República conseguiu certo apoio político e em certas classes sociais descontentes com os rumos do país para protagonizar o golpe republicano de 1889. A fraqueza de um dos poderes fez cair por terra o único regime de governo que garantiu ao Brasil estabilidade política.
Uma vez extinto com a Constituição de 1891, o Poder Moderador virou uma espécie de sombra durante a nossa trajetória republicana. Mas não exercido informalmente pelo presidente ou por qualquer entidade parecida. Foram os militares que assumiram o papel desse poder, que era o de evitar excessos dos outros três poderes e ficar do lado da lei e da ordem.
Com o advento da Revolução de 1930, de que lado ficaram os militares? De Vargas e da ‘’aliança liberal’’. E por um motivo extremamente simples: uma permanência de Washington Luís na presidência iria gerar mais caos e instabilidade política e social. Coube aos militares dar o tiro de misericórdia e ajudar Vargas a sentar na cadeira de presidente, com a expectativa do fim de todas as tormentas de então.
Os militares entraram em ação novamente no fatídico ano de 1964. O então presidente João Goulart fazia um governo conturbado, promovia greves em sua defesa e possuía ligações muito estranhas com o movimento comunista e com a guerrilha de esquerda armada. Setores da sociedade civil foram às ruas e em alto e bom tom mostraram a sua insatisfação com Jango. O que fizeram os militares? Entraram em ação para assumir a responsabilidade de pacificar o país, botar água no Chopp dos comunistas e devolver o país estabilizado e com representantes civis eleitos – isso já depois de o Congresso cassar Jango. O que aconteceu depois é outra história, mas a princípio os militares ligados ao então presidente Castelo Branco representavam tais anseios.
Se voltarmos mais no tempo e analisar o período monárquico, veremos essa mesma linha de pensamento presente nas forças armadas: agir quando há risco de anarquia e ruptura legal. Foi assim na pacificação das revoltas do período regencial, foi assim na Guerra do Paraguai. A letra da lei deve ser defendida, e se o regime a cumpre, a defesa dele é justificável. Se ele a desrespeita, merece ser retirado para que se evite caos e instabilidades.
Há tal peculiaridade na nossa história: os militares sempre entram em cena em períodos conturbados. As Forças Armadas acham ter por direito a obrigação de deporem ou protegerem o chefe do Executivo em momentos de risco iminente para o Brasil. Evitar a anarquia e o desrespeito a lei é objetivo dos militares quando as instabilidades aparecem, objetivo esse que cabia ao imperador quando da existência do Poder Moderador. É nisso que as Forças Armadas se converteram: em Poder Moderador permanente.
18 de setembro de 2019
Carlos Junior
Acontecimentos, ações e pensamentos que deram e dão o tom da nossa vida política e cultural não são encontrados em outras nações, e o Brasil é mestre em colecionar particularidades incomuns em outros países do resto do mundo.
O nascimento do Brasil já é singular per si: quem proclama a independência da colônia é o herdeiro da coroa metropolitana. Dom Pedro I era o sucessor natural do trono português, e ainda assim decidiu separar os destinos de Brasil e Portugal em definitivo. Comparando com os casos dos nossos vizinhos latinos, onde a independência foi feita de forma abrupta da Espanha e daí surgiram repúblicas caudilhistas sem a menor conexão com o legado espanhol, é de uma surpresa incrível.
Nossa primeira Constituição também é digna de nota: foi a única da época a determinar quatro poderes. Geralmente as que então surgiram apresentavam os três típicos das democracias liberais: Executivo, Legislativo e Judiciário. O caso brasileiro adicionava um quarto: o Poder Moderador, idealizado pelo teórico suíço Benjamin Constant, que via nele a chave para a garantia da estabilidade política em qualquer regime democrático. A existência do Poder Moderador fez do Brasil uma monarquia constitucional e estável, características jamais vistas no continente latino-americano.
A queda da monarquia brasileira é explicável justamente pelo Poder Moderador – no caso, a ausência dele. O imperador Dom Pedro II estava doente e muito fragilizado, o que deu ao Conselho de Ministros – o Poder Executivo da época – um poder maior que o estabelecido na Constituição. Com isso, o gabinete liberal defensor da implantação da República conseguiu certo apoio político e em certas classes sociais descontentes com os rumos do país para protagonizar o golpe republicano de 1889. A fraqueza de um dos poderes fez cair por terra o único regime de governo que garantiu ao Brasil estabilidade política.
Uma vez extinto com a Constituição de 1891, o Poder Moderador virou uma espécie de sombra durante a nossa trajetória republicana. Mas não exercido informalmente pelo presidente ou por qualquer entidade parecida. Foram os militares que assumiram o papel desse poder, que era o de evitar excessos dos outros três poderes e ficar do lado da lei e da ordem.
Com o advento da Revolução de 1930, de que lado ficaram os militares? De Vargas e da ‘’aliança liberal’’. E por um motivo extremamente simples: uma permanência de Washington Luís na presidência iria gerar mais caos e instabilidade política e social. Coube aos militares dar o tiro de misericórdia e ajudar Vargas a sentar na cadeira de presidente, com a expectativa do fim de todas as tormentas de então.
Os militares entraram em ação novamente no fatídico ano de 1964. O então presidente João Goulart fazia um governo conturbado, promovia greves em sua defesa e possuía ligações muito estranhas com o movimento comunista e com a guerrilha de esquerda armada. Setores da sociedade civil foram às ruas e em alto e bom tom mostraram a sua insatisfação com Jango. O que fizeram os militares? Entraram em ação para assumir a responsabilidade de pacificar o país, botar água no Chopp dos comunistas e devolver o país estabilizado e com representantes civis eleitos – isso já depois de o Congresso cassar Jango. O que aconteceu depois é outra história, mas a princípio os militares ligados ao então presidente Castelo Branco representavam tais anseios.
Se voltarmos mais no tempo e analisar o período monárquico, veremos essa mesma linha de pensamento presente nas forças armadas: agir quando há risco de anarquia e ruptura legal. Foi assim na pacificação das revoltas do período regencial, foi assim na Guerra do Paraguai. A letra da lei deve ser defendida, e se o regime a cumpre, a defesa dele é justificável. Se ele a desrespeita, merece ser retirado para que se evite caos e instabilidades.
Há tal peculiaridade na nossa história: os militares sempre entram em cena em períodos conturbados. As Forças Armadas acham ter por direito a obrigação de deporem ou protegerem o chefe do Executivo em momentos de risco iminente para o Brasil. Evitar a anarquia e o desrespeito a lei é objetivo dos militares quando as instabilidades aparecem, objetivo esse que cabia ao imperador quando da existência do Poder Moderador. É nisso que as Forças Armadas se converteram: em Poder Moderador permanente.
18 de setembro de 2019
Carlos Junior
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