Estudo o fenômeno do Poder Judiciário há décadas.
Reuni uma quantidade robusta de material: doutrina, legislação, artigos, provas de concursos públicos, histórias e mais histórias (que vivi, ouvi e li).
Esse material está sendo lapidado na forma de um livro para contar, com detalhes, o maior problema que o Brasil enfrenta há década: a Corrupção da Inteligência Jurídica. Pretendo publicá-lo em breve.
O ativismo judicial de que tivemos na semana passada o seu mais violento golpe contra a República e os valores constitucionais, é a “ponta-de-lança” de um problema sistêmico muito grave e cujas raízes estão arraigadas no Poder Judiciário desde ao menos os anos 1980.
O que vimos na ADO26 com a revisão do Caso Ellwanger é apenas o primeiro golpe de uma caminhada destrutiva e inconsequente que começou décadas atrás e que agora está lançando os seus primeiros mísseis fatais.
Há nos meios jurídico-acadêmicos opositores do “ativismo judicial” tanto à direta quanto à esquerda. Os opositores à esquerda propõem as medidas mais cretinas possíveis como “estudar Heidegger” ou criar um castelo de cartas com argumentos abstratos tão pesados quanto uma pena de ganso.
À direita, todos, sem exceção, todos os argumentos giram em torno de medidas paliativas ou soluções “ad hoc”.
Vou mencionar aqui dois exemplos: a revogação da PEC da Bengala para reduzir novamente a idade de aposentadoria compulsória de Ministros de cortes superiores e o puro e simples impeachment de alguns Ministros.
Não que alguns Ministros não mereçam passar por uma investigação profunda e um processo sério de impeachment – creio que muitos devam mesmo dar satisfações à sociedade e, se for o caso, tomarem o rumo de casa (ou da cadeia), caso fique absolutamente comprovado que transgrediram.
Mas o que quero chamar atenção do leitor e da leitora é que um ou vários processos de impeachment não resolverão o problema do ativismo e da corrupção da inteligência jurídica.
Ao dar a um problema jurídico uma solução eminentemente pessoal, cometemos o erro de não resolver o problema e dar munição para que, futuramente, se faça o mesmo quando o interesse no Planalto for de outra corrente, ainda que o Ministro em questão seja lá inocente.
Quando buscamos a solução de um problema, temos que atentar para o problema em si e para a origem das ideias – qual seja, temos que entender porque o problema existe e como ele começou; e temos que, em menor intensidade, dar uma atenção meramente colateral para quem está se alimentando do problema atualmente.
É como querer resolver o transtorno de pernilongos noturnos no quarto com uma almofada, caçando muriçoca por muriçoca – não adianta: você acerta uma e em menos de 5 minutos já tem outra zunindo no seu ouvido. Se não colocar um bom repelente para que nenhum pernilongo volte, o problema nunca se resolverá.
Qual seja: fazemos a PEC da Bengala e, bingo! – removemos todos os inconvenientes: amanhã o sistema gera mais três analfabetos funcionais e lá vamos nós de novo ter nos deparar com mais um ativista.
Fazemos assim um, dois, quatro impeachments – voi là! Resolvido? Não: em menos de seis meses o sistema produz um novo ativista; de dentro pra fora, se for necessário.
Tome como exemplo a posição do Ministro Alexandre de Morais na PEC26 – apresentando-se sempre como um jurista moderado e com doses críticas a exageros judiciais antes de seu ingresso no STF, o calvo Ministro me surpreendeu e deu um dos votos mais “lacradores” nesse imbróglio da criação judicial de tipos penais. Foi completamente cooptado pelo sistema, sem qualquer sombra de dúvida.
Não adianta – você tira um, o sistema produz cinco.
O sistema está absolutamente corrompido – do ENEM ao STF.
Não há uma instância sequer que a corrupção da inteligência jurídica não tenha se consolidado de forma hegemônica – o maior traço disso é o Silent Scream (lembrando aqui de uma letra do saudoso Jeff Hanneman sobre aborto) de ideias e uma densa bibliografia conservadoras que são assassinadas no útero das academias.
E se isso não mudar, o ativismo judicial vencerá, dia a dia, sol a sol.
É preciso, em primeiro lugar, que tomemos consciência, qual seja, a consciência de si de que nos fala Lavelle. Temos que admitir o estado de penúria intelectual que o Brasil está mergulhado, sobretudo no Poder Judiciário que conta com mais de 15 mil ativistas (muitos, nem sabem que o são) entre seus mais de 17 mil juízes e, em sua boa parte, uma massa preocupante de analfabetos funcionais no meio desses 15 mil ativistas (nem todos são, mas a maioria realmente tem graves problemas de compreensão de leitura).
Em segundo lugar, trabalhar no debate, na divulgação de ideias, e na refutação de qualquer mecanismo de corrupção intelectual que leve o país a esse estado de descontrole jurídico.
Mas essa segunda medida é trabalho para décadas. Não viverei suficiente até que o último ativista enfie sua cabeça em um buraco, de tanta vergonha. Nesse dia, por favor, lembrem de mim.
Mas até lá, algo também precisa ser feito imediatamente.
E é aqui que chamo a atenção do leitor e da leitora para disparar um debate sistêmico e não um debate ad hoc com soluções paliativas (das quais a solução-líder é a derrubada da PEC da Bengala – ouçam o “Tio Careca”: não vai funcionar, isso se passar, isso se o STF não “melar” a tentativa no meio caminho, isso se a imprensa não fuzilar se algum de seus interesses particulares não estiver contemplado…).
Ao meu ver a melhor saída é uma reforma verdadeira e profunda do Poder Judiciário e do sistema de leis no Brasil.
Precisamos mudar urgentemente os artigos 22 a 24 e 25 a 30 (uma batalha do Deputado Dom Luiz Phillipe de Orleans e Bragança) da nossa Constituição. Precisamos também mudar os artigos 59 a 69 e modernizar o processo legislativo, para criar mecanismo que fulminem com o toma-lá-dá-cá.
Last but not least, os artigos 92 a 132 precisam ser profundamente alterados, em uma reforma constitucional ampla, séria e compreensiva.
O coração dessa reforma deve ter por foco o chamado controle concentrado de constitucionalidade (tema de especialidade do Ministro Barroso, que tem um livro sobre o tema que é usado por todos os concurseiros, qual seja, por todos os juízes, promotores e aspirantes a tais cargos).
O controle concentrado de constitucionalidade, expresso em mecanismos como as ADIs, ADCs e ADOs (ações diretas de inconstitucionalidade, de constitucionalidade e de inconstitucionalidade por omissão) permite que o STF legisle, pois fornece aos ministros material suficiente para que enfrentem questões em tese, abrindo-lhes a oportunidade de debates acadêmicos com falsos ares de ciência, para que preencham lacunas legais conforme bem entenderem, passando por cima do Congresso Nacional e das instâncias representativas.
Defensores dirão que as audiências públicas em que a “sociedade civil” é chamada para opinar sobre o tema supriria esse debate – mentira! É justamente o contrário que ocorre na prática.
As ONGs que participam das audiências públicas são escolhidas a dedo e o debate é quase sempre escamoteado, para que a pauta escolhida seja beneficiada em detrimento de interesses da sociedade como um todo.
Sem acabar com os mecanismos de repercussão geral, de súmula vinculante, de controle concentrado de constitucionalidade e ferramentas afins, a batalha para vencer o ativismo sequer terá começado.
Desta forma, enquanto não atacarmos os problemas verdadeiros do sistema, ficaremos como insones de verão caçando muriçocas toda a noite, sem que o enervante zumbido acabe, se não instalarmos um eficiente repelente de pragas após boas práticas de higiene e dedetização.
18 de setembro de 2019
Evandro F. Pontes
Reuni uma quantidade robusta de material: doutrina, legislação, artigos, provas de concursos públicos, histórias e mais histórias (que vivi, ouvi e li).
Esse material está sendo lapidado na forma de um livro para contar, com detalhes, o maior problema que o Brasil enfrenta há década: a Corrupção da Inteligência Jurídica. Pretendo publicá-lo em breve.
O ativismo judicial de que tivemos na semana passada o seu mais violento golpe contra a República e os valores constitucionais, é a “ponta-de-lança” de um problema sistêmico muito grave e cujas raízes estão arraigadas no Poder Judiciário desde ao menos os anos 1980.
O que vimos na ADO26 com a revisão do Caso Ellwanger é apenas o primeiro golpe de uma caminhada destrutiva e inconsequente que começou décadas atrás e que agora está lançando os seus primeiros mísseis fatais.
Há nos meios jurídico-acadêmicos opositores do “ativismo judicial” tanto à direta quanto à esquerda. Os opositores à esquerda propõem as medidas mais cretinas possíveis como “estudar Heidegger” ou criar um castelo de cartas com argumentos abstratos tão pesados quanto uma pena de ganso.
À direita, todos, sem exceção, todos os argumentos giram em torno de medidas paliativas ou soluções “ad hoc”.
Vou mencionar aqui dois exemplos: a revogação da PEC da Bengala para reduzir novamente a idade de aposentadoria compulsória de Ministros de cortes superiores e o puro e simples impeachment de alguns Ministros.
Não que alguns Ministros não mereçam passar por uma investigação profunda e um processo sério de impeachment – creio que muitos devam mesmo dar satisfações à sociedade e, se for o caso, tomarem o rumo de casa (ou da cadeia), caso fique absolutamente comprovado que transgrediram.
Mas o que quero chamar atenção do leitor e da leitora é que um ou vários processos de impeachment não resolverão o problema do ativismo e da corrupção da inteligência jurídica.
Ao dar a um problema jurídico uma solução eminentemente pessoal, cometemos o erro de não resolver o problema e dar munição para que, futuramente, se faça o mesmo quando o interesse no Planalto for de outra corrente, ainda que o Ministro em questão seja lá inocente.
Quando buscamos a solução de um problema, temos que atentar para o problema em si e para a origem das ideias – qual seja, temos que entender porque o problema existe e como ele começou; e temos que, em menor intensidade, dar uma atenção meramente colateral para quem está se alimentando do problema atualmente.
É como querer resolver o transtorno de pernilongos noturnos no quarto com uma almofada, caçando muriçoca por muriçoca – não adianta: você acerta uma e em menos de 5 minutos já tem outra zunindo no seu ouvido. Se não colocar um bom repelente para que nenhum pernilongo volte, o problema nunca se resolverá.
Qual seja: fazemos a PEC da Bengala e, bingo! – removemos todos os inconvenientes: amanhã o sistema gera mais três analfabetos funcionais e lá vamos nós de novo ter nos deparar com mais um ativista.
Fazemos assim um, dois, quatro impeachments – voi là! Resolvido? Não: em menos de seis meses o sistema produz um novo ativista; de dentro pra fora, se for necessário.
Tome como exemplo a posição do Ministro Alexandre de Morais na PEC26 – apresentando-se sempre como um jurista moderado e com doses críticas a exageros judiciais antes de seu ingresso no STF, o calvo Ministro me surpreendeu e deu um dos votos mais “lacradores” nesse imbróglio da criação judicial de tipos penais. Foi completamente cooptado pelo sistema, sem qualquer sombra de dúvida.
Não adianta – você tira um, o sistema produz cinco.
O sistema está absolutamente corrompido – do ENEM ao STF.
Não há uma instância sequer que a corrupção da inteligência jurídica não tenha se consolidado de forma hegemônica – o maior traço disso é o Silent Scream (lembrando aqui de uma letra do saudoso Jeff Hanneman sobre aborto) de ideias e uma densa bibliografia conservadoras que são assassinadas no útero das academias.
E se isso não mudar, o ativismo judicial vencerá, dia a dia, sol a sol.
É preciso, em primeiro lugar, que tomemos consciência, qual seja, a consciência de si de que nos fala Lavelle. Temos que admitir o estado de penúria intelectual que o Brasil está mergulhado, sobretudo no Poder Judiciário que conta com mais de 15 mil ativistas (muitos, nem sabem que o são) entre seus mais de 17 mil juízes e, em sua boa parte, uma massa preocupante de analfabetos funcionais no meio desses 15 mil ativistas (nem todos são, mas a maioria realmente tem graves problemas de compreensão de leitura).
Em segundo lugar, trabalhar no debate, na divulgação de ideias, e na refutação de qualquer mecanismo de corrupção intelectual que leve o país a esse estado de descontrole jurídico.
Mas essa segunda medida é trabalho para décadas. Não viverei suficiente até que o último ativista enfie sua cabeça em um buraco, de tanta vergonha. Nesse dia, por favor, lembrem de mim.
Mas até lá, algo também precisa ser feito imediatamente.
E é aqui que chamo a atenção do leitor e da leitora para disparar um debate sistêmico e não um debate ad hoc com soluções paliativas (das quais a solução-líder é a derrubada da PEC da Bengala – ouçam o “Tio Careca”: não vai funcionar, isso se passar, isso se o STF não “melar” a tentativa no meio caminho, isso se a imprensa não fuzilar se algum de seus interesses particulares não estiver contemplado…).
Ao meu ver a melhor saída é uma reforma verdadeira e profunda do Poder Judiciário e do sistema de leis no Brasil.
Precisamos mudar urgentemente os artigos 22 a 24 e 25 a 30 (uma batalha do Deputado Dom Luiz Phillipe de Orleans e Bragança) da nossa Constituição. Precisamos também mudar os artigos 59 a 69 e modernizar o processo legislativo, para criar mecanismo que fulminem com o toma-lá-dá-cá.
Last but not least, os artigos 92 a 132 precisam ser profundamente alterados, em uma reforma constitucional ampla, séria e compreensiva.
O coração dessa reforma deve ter por foco o chamado controle concentrado de constitucionalidade (tema de especialidade do Ministro Barroso, que tem um livro sobre o tema que é usado por todos os concurseiros, qual seja, por todos os juízes, promotores e aspirantes a tais cargos).
O controle concentrado de constitucionalidade, expresso em mecanismos como as ADIs, ADCs e ADOs (ações diretas de inconstitucionalidade, de constitucionalidade e de inconstitucionalidade por omissão) permite que o STF legisle, pois fornece aos ministros material suficiente para que enfrentem questões em tese, abrindo-lhes a oportunidade de debates acadêmicos com falsos ares de ciência, para que preencham lacunas legais conforme bem entenderem, passando por cima do Congresso Nacional e das instâncias representativas.
Defensores dirão que as audiências públicas em que a “sociedade civil” é chamada para opinar sobre o tema supriria esse debate – mentira! É justamente o contrário que ocorre na prática.
As ONGs que participam das audiências públicas são escolhidas a dedo e o debate é quase sempre escamoteado, para que a pauta escolhida seja beneficiada em detrimento de interesses da sociedade como um todo.
Sem acabar com os mecanismos de repercussão geral, de súmula vinculante, de controle concentrado de constitucionalidade e ferramentas afins, a batalha para vencer o ativismo sequer terá começado.
Desta forma, enquanto não atacarmos os problemas verdadeiros do sistema, ficaremos como insones de verão caçando muriçocas toda a noite, sem que o enervante zumbido acabe, se não instalarmos um eficiente repelente de pragas após boas práticas de higiene e dedetização.
18 de setembro de 2019
Evandro F. Pontes
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