Segundo a prefeitura, 60% da economia do município vem da mineradora. Rompimento de barragem já deixou 60 mortos, e ainda há 300 desaparecidos
EQUIPE DE RESGATE EM BRUMADINHO: a dependência financeira e o medo de não ter como comprar comida às vezes falam mais alto que a dor da perda de um parente / REUTERS/Adriano Machado (/)
Brumadinho – A cidade de Brumadinho (MG) vive uma relação de dependência e revolta com a mineradora Vale. A companhia é o emprego dos sonhos e a única fonte de renda para muitos. É também sinônimo de descaso com a população e ao meio ambiente. Uma barragem da companhia se rompeu na sexta-feira (25), soterrando centenas de pessoas. Até agora, são 60 mortos confirmados e 292 desaparecidos.
O Ministério público do Trabalho estima que este seja o mais grave evento de violação às normas de segurança do trabalho na história da mineração no Brasil. No entanto, além da dor pela perda de parentes e amigos, moradores se angustiam com a falta de perspectivas para o futuro e defendem a companhia na esperança de que ela continue garantindo o sustento da cidade. Segundo a prefeitura, 60% da economia do município vem da companhia.
“A cidade é muito dependente da Vale. É o emprego mais cobiçado aqui, as pessoas sonham em trabalhar lá”, diz o microempresário João Marcos, morador de Brumadinho e voluntário na ajuda às vítimas do desastre. Ele cita que a companhia financia atividades culturais e cursos para os moradores. Por outro lado, lembra a revolta de quem perdeu familiares e os custos da atividade da companhia ao meio ambiente. “As famílias que tiveram parentes mortos estão revoltadas. E, antes da tragédia, também tinha a questão ambiental. Aqui se você sai na rua volta sempre com o pé preto de minério”.
“É uma relação de amor e ódio”, resume a professora Ana Emília Coelho Diniz, de 52 anos.
Em 2016, o salário médio mensal na cidade era de 2,4 salários mínimos e a proporção de pessoas ocupadas em relação à população total era de 22,9%, segundo o IBGE.
Nos bairros mais pobres, a dependência financeira e o medo de não ter como comprar comida às vezes falam mais alto que a dor da perda de um parente. “Eu não condeno a Vale porque é de lá que sai o pão de cada dia. Isso é coisa que Deus põe nas nossas vidas. Errou, errou, qual é o ser humano que não erra? De onde vamos tirar o sustento agora? ”, afirma a viúva Isabel Nunes Vieira de Oliveira, de 55 anos, que tem três familiares desaparecidos na lama e passou mal preocupada com a filha e os netos que vivem perto do rio, no bairro de parque da Cachoeira. “Tem três cadáveres no quintal da casa dela”.
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Moradora do bairro Tejuco, Aparecida Domingos, de 52 anos, é outra que faz questão de defender a companhia. “A culpada é a prefeitura. A Vale mata a fome de quantas pessoas aqui?”, questiona. Ela tem um primo na lista de desaparecidos. “Minha tia está dopada, angustiada pelo filho, minha prima desmaiou, meu outro primo é diabético e precisou de atendimento médico. Mesmo assim eu não vou falar mal da Vale.”
A fidelidade, claro, não é unânime. “É uma empresa que só visa o lucro. Tenho amigas grávidas que perderam os maridos. Gente que está em estado de choque porque perdeu o filho. Estamos estarrecidos”, diz a assistente administrativa Vivian Queiroz, de 35 anos. Há ainda quem critique a companhia, mas, por depender do emprego, tem medo de represálias.
A revolta toma conta de quem tem parentes desaparecidos. “Meu cunhado estava lá. Ele conseguiu fazer contato e disse que estava dentro de uma caminhonete debaixo da lama. Isso foi na sexta à noite e até agora nada. A Vale nunca foi de ajudar. Nunca vi a Vale como grande coisa, nem agora e nem antes”, desabafa a estudante Kathleen Vitória Pereira de Jesus, de 15 anos.
Já a assistente administrativa Lilian Oliveira de Barros orienta seus vizinhos a não assinarem papeis da companhia. “Eu não confio em ninguém de lá. Trabalhei lá, tenho amigos enterrados. Estamos aqui num cemitério a céu aberto. Tantas vezes pedimos para a Vale cuidar do nosso rio e eles não estavam nem aí.”
28 de janeiro de 2019
Revista Exame
Brumadinho – A cidade de Brumadinho (MG) vive uma relação de dependência e revolta com a mineradora Vale. A companhia é o emprego dos sonhos e a única fonte de renda para muitos. É também sinônimo de descaso com a população e ao meio ambiente. Uma barragem da companhia se rompeu na sexta-feira (25), soterrando centenas de pessoas. Até agora, são 60 mortos confirmados e 292 desaparecidos.
O Ministério público do Trabalho estima que este seja o mais grave evento de violação às normas de segurança do trabalho na história da mineração no Brasil. No entanto, além da dor pela perda de parentes e amigos, moradores se angustiam com a falta de perspectivas para o futuro e defendem a companhia na esperança de que ela continue garantindo o sustento da cidade. Segundo a prefeitura, 60% da economia do município vem da companhia.
“A cidade é muito dependente da Vale. É o emprego mais cobiçado aqui, as pessoas sonham em trabalhar lá”, diz o microempresário João Marcos, morador de Brumadinho e voluntário na ajuda às vítimas do desastre. Ele cita que a companhia financia atividades culturais e cursos para os moradores. Por outro lado, lembra a revolta de quem perdeu familiares e os custos da atividade da companhia ao meio ambiente. “As famílias que tiveram parentes mortos estão revoltadas. E, antes da tragédia, também tinha a questão ambiental. Aqui se você sai na rua volta sempre com o pé preto de minério”.
“É uma relação de amor e ódio”, resume a professora Ana Emília Coelho Diniz, de 52 anos.
Em 2016, o salário médio mensal na cidade era de 2,4 salários mínimos e a proporção de pessoas ocupadas em relação à população total era de 22,9%, segundo o IBGE.
Nos bairros mais pobres, a dependência financeira e o medo de não ter como comprar comida às vezes falam mais alto que a dor da perda de um parente. “Eu não condeno a Vale porque é de lá que sai o pão de cada dia. Isso é coisa que Deus põe nas nossas vidas. Errou, errou, qual é o ser humano que não erra? De onde vamos tirar o sustento agora? ”, afirma a viúva Isabel Nunes Vieira de Oliveira, de 55 anos, que tem três familiares desaparecidos na lama e passou mal preocupada com a filha e os netos que vivem perto do rio, no bairro de parque da Cachoeira. “Tem três cadáveres no quintal da casa dela”.
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Moradora do bairro Tejuco, Aparecida Domingos, de 52 anos, é outra que faz questão de defender a companhia. “A culpada é a prefeitura. A Vale mata a fome de quantas pessoas aqui?”, questiona. Ela tem um primo na lista de desaparecidos. “Minha tia está dopada, angustiada pelo filho, minha prima desmaiou, meu outro primo é diabético e precisou de atendimento médico. Mesmo assim eu não vou falar mal da Vale.”
A fidelidade, claro, não é unânime. “É uma empresa que só visa o lucro. Tenho amigas grávidas que perderam os maridos. Gente que está em estado de choque porque perdeu o filho. Estamos estarrecidos”, diz a assistente administrativa Vivian Queiroz, de 35 anos. Há ainda quem critique a companhia, mas, por depender do emprego, tem medo de represálias.
A revolta toma conta de quem tem parentes desaparecidos. “Meu cunhado estava lá. Ele conseguiu fazer contato e disse que estava dentro de uma caminhonete debaixo da lama. Isso foi na sexta à noite e até agora nada. A Vale nunca foi de ajudar. Nunca vi a Vale como grande coisa, nem agora e nem antes”, desabafa a estudante Kathleen Vitória Pereira de Jesus, de 15 anos.
Já a assistente administrativa Lilian Oliveira de Barros orienta seus vizinhos a não assinarem papeis da companhia. “Eu não confio em ninguém de lá. Trabalhei lá, tenho amigos enterrados. Estamos aqui num cemitério a céu aberto. Tantas vezes pedimos para a Vale cuidar do nosso rio e eles não estavam nem aí.”
28 de janeiro de 2019
Revista Exame
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