Esta é a tragédia: Lula, a âncora do sistema, variável em função da qual todos se orientam, é também, por artifício próprio, o forasteiro
A ansiedade é normal. E é preciso entender a aflição juvenil de um Fernando Henrique Cardoso. Não se pode cobrar maturidade de quem governou o país por oito anos. Nem responsabilidade. Nem que tenha aprendido algo com os fracassos eleitorais recentes. Nem que desça do pedestal para, em vez de aventar candidaturas com base em laços familiares de afeto, enxergar o tabuleiro político brasileiro em 2018 e perceber que o tal lugar do outsider já foi ocupado por estratégia de quem outsider não é: Lula — aquele que, por método, judicializou o processo eleitoral e impôs à Justiça que respondesse com política.
Esta é a tragédia: Lula, a âncora do sistema, variável em função da qual todos se orientam, é também — por artifício próprio — o forasteiro. Ou há outra definição para quem disputará a eleição nos tribunais, talvez até preso (não creio), e que ainda assim tem — terá — lugar, ele próprio ou aquele que o representar, no segundo turno? Lula é o outsider de dentro; e, contra esse estado de anomia, garanto, a resposta aventureira é atalho para a derrota.
Acorda, professor!
Sou um homem da tradição. Vivemos mesmo, eu sei, o período das pequenas traições — aquele, clássico, em que, por exemplo, o PSDB se boicota. É espantosa a valentia da covardia dos frouxos entre si. Mas, pergunto: que tal cultivar os costumes com moderação? Sim. É tempo dos balões de ensaio; época pré-eleitoral em que atores — competitivos ou não — inflam a própria estatura, até como postulantes (de assessoria de imprensa) ao Planalto, tudo para afinal costurarem a aliança que garantirá ao partido um candidato a vice. É o caso do estadista de jornal Rodrigo Maia, em busca de tirar o DEM da irrelevância. Funciona assim mesmo. E, tudo bem, há lugar para uma ou outra extravagância. As candidaturas de Dr. Rey e Fernando Collor, por exemplo.
Excentricidade nenhuma, porém, encobre — não por muito tempo — o fundamento constrangedor do que é e sempre foi, sem descartar hipóteses combinadas, oportunismo, burrice ou delírio. Chego ao ponto. Há uma óbvia explicação para a fantasia “Luciano Huck presidente”; mas, se quiserem entender a prosperidade dessa quimera, os encantados pelo desvario precisarão admitir a própria compreensão infantil do que seja atividade política, o paraíso dos arrivistas.
A Lava-Jato, como símbolo de um país que se revoluciona (ou que assim se ilude), ensejou o fetiche segundo o qual, criminalizada a política, haveria uma janela de oportunidade a tal renovação, mesmo apesar de o mundo real informar diariamente sobre a reafirmação do establishment e o esmagamento de brechas para eleitos que não os de sempre. O sonho será — já está — frustrado. Mas: como descartá-lo? Como, se houve o impeachment (conquista, claro, das ruas, e não de Eduardo Cunha), se há grande empreiteiro preso (e solto) e se um ex-presidente estaria em vias de? Ora: neste cenário de Walt Disney, o novo (que já foi Doria), na figura de um outsider (que ainda será Flavio Rocha), seria inevitável; a política sem político, o porvir incontornável. É onde a resiliência Huck entra: o Macron brasileiro (porque se prefere ignorar quem é o presidente francês e qual a sua origem); Peter Pan a fazer acreditar na Terra do Nunca — a mais importante candidatura da história entre as nunca levadas a sério pelos jogadores com acesso à mesa.
Ou terá algum partido grande (ou médio) se mobilizado por ele ou lhe aberto portas, ou dirigido seu planejamento em função de o apresentador ser ou não candidato? Aliás: quererá a abstração “eleitor”, ainda que cansada de políticos, alguém de fora da política ou um nome que, de dentro ou de fora, apresente-se como capaz de lhe resolver o problema?
O anseio por um outsider — supostamente indicado em pesquisas — é ficção de cientista político que vende o que o cliente quer comprar. Huck só foi uma possibilidade presidencial onde nada se resolve (FHC não tem a mais mínima influência no PSDB); onde há busca por garoto-propaganda que fizesse publicidade gratuita para movimentos antipolíticos como os tais Agora! e RenovaBR; e para quem, sem ter o que perder, poderia especular, certo de que terá lugar no esquema profissional, uma vaga na coligação de sempre, quando chegar a hora de sair do parquinho: o PPS de Roberto Freire, antigo Partido Comunista Brasileiro e atual satélite tucano. O mesmo serve para Henrique Meirelles, o fantoche por meio do qual Gilberto Kassab negociará — a subir o preço — o apoio certo a Alckmin. E para o tal namoro entre Joaquim Barbosa e PSB — um partido que, cindido talvez em quatro, nem para se vender como conjunto prestará; o que dizer de lançar candidato à Presidência?
Luciano Huck chegou até aqui — mesmo sem nunca haver tido existência eleitoral senão para a sobrevida de políticos sem voto ou na bolha em que vivem os empresários culpados pela própria riqueza — como espécie de acomodação da fé renovadora, como muleta da novidade que envelhece sem vir, como encarnação do adiamento por meio do qual o Brasil que voa de jatinho (financiado pelo BNDES) atrasa o quanto pode o contato com o Brasil de verdade; esse no qual Huck aderirá ao Aécio da vez; se muito rebelde, à Marina de turno.
21 de fevereiro de 2018
Carlos Andreazza é editor de livros
O Globo
A ansiedade é normal. E é preciso entender a aflição juvenil de um Fernando Henrique Cardoso. Não se pode cobrar maturidade de quem governou o país por oito anos. Nem responsabilidade. Nem que tenha aprendido algo com os fracassos eleitorais recentes. Nem que desça do pedestal para, em vez de aventar candidaturas com base em laços familiares de afeto, enxergar o tabuleiro político brasileiro em 2018 e perceber que o tal lugar do outsider já foi ocupado por estratégia de quem outsider não é: Lula — aquele que, por método, judicializou o processo eleitoral e impôs à Justiça que respondesse com política.
Esta é a tragédia: Lula, a âncora do sistema, variável em função da qual todos se orientam, é também — por artifício próprio — o forasteiro. Ou há outra definição para quem disputará a eleição nos tribunais, talvez até preso (não creio), e que ainda assim tem — terá — lugar, ele próprio ou aquele que o representar, no segundo turno? Lula é o outsider de dentro; e, contra esse estado de anomia, garanto, a resposta aventureira é atalho para a derrota.
Acorda, professor!
Sou um homem da tradição. Vivemos mesmo, eu sei, o período das pequenas traições — aquele, clássico, em que, por exemplo, o PSDB se boicota. É espantosa a valentia da covardia dos frouxos entre si. Mas, pergunto: que tal cultivar os costumes com moderação? Sim. É tempo dos balões de ensaio; época pré-eleitoral em que atores — competitivos ou não — inflam a própria estatura, até como postulantes (de assessoria de imprensa) ao Planalto, tudo para afinal costurarem a aliança que garantirá ao partido um candidato a vice. É o caso do estadista de jornal Rodrigo Maia, em busca de tirar o DEM da irrelevância. Funciona assim mesmo. E, tudo bem, há lugar para uma ou outra extravagância. As candidaturas de Dr. Rey e Fernando Collor, por exemplo.
Excentricidade nenhuma, porém, encobre — não por muito tempo — o fundamento constrangedor do que é e sempre foi, sem descartar hipóteses combinadas, oportunismo, burrice ou delírio. Chego ao ponto. Há uma óbvia explicação para a fantasia “Luciano Huck presidente”; mas, se quiserem entender a prosperidade dessa quimera, os encantados pelo desvario precisarão admitir a própria compreensão infantil do que seja atividade política, o paraíso dos arrivistas.
A Lava-Jato, como símbolo de um país que se revoluciona (ou que assim se ilude), ensejou o fetiche segundo o qual, criminalizada a política, haveria uma janela de oportunidade a tal renovação, mesmo apesar de o mundo real informar diariamente sobre a reafirmação do establishment e o esmagamento de brechas para eleitos que não os de sempre. O sonho será — já está — frustrado. Mas: como descartá-lo? Como, se houve o impeachment (conquista, claro, das ruas, e não de Eduardo Cunha), se há grande empreiteiro preso (e solto) e se um ex-presidente estaria em vias de? Ora: neste cenário de Walt Disney, o novo (que já foi Doria), na figura de um outsider (que ainda será Flavio Rocha), seria inevitável; a política sem político, o porvir incontornável. É onde a resiliência Huck entra: o Macron brasileiro (porque se prefere ignorar quem é o presidente francês e qual a sua origem); Peter Pan a fazer acreditar na Terra do Nunca — a mais importante candidatura da história entre as nunca levadas a sério pelos jogadores com acesso à mesa.
Ou terá algum partido grande (ou médio) se mobilizado por ele ou lhe aberto portas, ou dirigido seu planejamento em função de o apresentador ser ou não candidato? Aliás: quererá a abstração “eleitor”, ainda que cansada de políticos, alguém de fora da política ou um nome que, de dentro ou de fora, apresente-se como capaz de lhe resolver o problema?
O anseio por um outsider — supostamente indicado em pesquisas — é ficção de cientista político que vende o que o cliente quer comprar. Huck só foi uma possibilidade presidencial onde nada se resolve (FHC não tem a mais mínima influência no PSDB); onde há busca por garoto-propaganda que fizesse publicidade gratuita para movimentos antipolíticos como os tais Agora! e RenovaBR; e para quem, sem ter o que perder, poderia especular, certo de que terá lugar no esquema profissional, uma vaga na coligação de sempre, quando chegar a hora de sair do parquinho: o PPS de Roberto Freire, antigo Partido Comunista Brasileiro e atual satélite tucano. O mesmo serve para Henrique Meirelles, o fantoche por meio do qual Gilberto Kassab negociará — a subir o preço — o apoio certo a Alckmin. E para o tal namoro entre Joaquim Barbosa e PSB — um partido que, cindido talvez em quatro, nem para se vender como conjunto prestará; o que dizer de lançar candidato à Presidência?
Luciano Huck chegou até aqui — mesmo sem nunca haver tido existência eleitoral senão para a sobrevida de políticos sem voto ou na bolha em que vivem os empresários culpados pela própria riqueza — como espécie de acomodação da fé renovadora, como muleta da novidade que envelhece sem vir, como encarnação do adiamento por meio do qual o Brasil que voa de jatinho (financiado pelo BNDES) atrasa o quanto pode o contato com o Brasil de verdade; esse no qual Huck aderirá ao Aécio da vez; se muito rebelde, à Marina de turno.
21 de fevereiro de 2018
Carlos Andreazza é editor de livros
O Globo
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