Os juízes não negam que o auxílio-moradia é uma espécie de salário indireto, mas alegam que precisam ganhar bem porque não podem exercer outras funções nem ficar expostos às pressões daqueles que contrariam em suas sentenças
Por não terem fundamentos jurídicos sólidos para sustentar no Supremo Tribunal Federal (STF) a legalidade do pagamento do auxílio-moradia a toda a magistratura, no valor de R$ 4,3 mil mensais, juízes federais estão tentando impedir que a presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia, inclua na pauta de março o julgamento da Ação Originária 1.773, que questiona a constitucionalidade desse benefício. Originariamente, a Lei Orgânica da Magistratura (Loman) previa a concessão do auxílio-moradia apenas nos casos em que os juízes têm de trabalhar durante algum tempo fora das cidades onde residem.
Contudo, por meio de interpretações extensivas dos tribunais, o alcance desse benefício foi sendo alargado de tal forma, que hoje é pago indistintamente a todos os juízes, inclusive aos que têm casa própria nas comarcas onde trabalham. Os juízes não negam que o auxílio-moradia é uma espécie de salário indireto, mas alegam que precisam ganhar bem porque não podem exercer outras funções nem ficar expostos às pressões daqueles que contrariam em suas sentenças.
É por causa da interpretação extensiva usada em larga escala pelos tribunais que as entidades da magistratura alegam que o pagamento do auxílio-moradia é “legal”. E a Ação Originária 1.773 questiona, justamente, essa pretensão de legalidade. Em 2012, o então relator do caso, ministro Ayres Britto, votou contra os interesses dessas entidades. Ao classificar como inconstitucional a extensão do auxílio-moradia a todos os juízes, ele pôs por terra o argumento da legalidade invocado pela corporação.
Mas, quando tudo indicava que o relatório de Ayres Britto seria aprovado, em 2014, o ministro Luiz Fux entrou com pedido de vista e concedeu duas liminares, determinando o pagamento do auxílio-moradia – a título de verba remuneratória, que não é levada em conta para cálculo do teto salarial do funcionalismo público – aos integrantes das Justiças Estadual, Federal, Trabalhista e Militar. Também reteve o processo em seu gabinete por três anos, liberando-o para julgamento, sem alarde, no final de 2017.
É justamente esse julgamento que juízes federais querem evitar que ocorra. O grupo imaginava que o atraso na devolução do processo, por parte de Fux, acabaria permitindo a criação de um fato consumado. Em outras palavras, pensavam que, com o engavetamento do processo, o pagamento do auxílio-moradia se tornaria irreversível. As críticas da opinião pública, contudo, mostraram que eles estavam equivocados. E agora, diante da probabilidade de vários ministros do STF acompanharem o voto de Ayres Britto, ameaçam apelar para estratégias protelatórias.
Uma dessas estratégias é alegar que o processo não estaria em condições de ser apreciado e julgado porque associações recreativas de juízes não teriam apresentado as razões finais após as manifestações da Advocacia-Geral da União (AGU) e da Procuradoria-Geral da República (PGR). “Pedimos que a matéria seja retirada de pauta para que seja promovida a intimação para apresentarmos réplica à contestação e contrarrazões”, afirma a direção da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe). Segundo a entidade, “salvo melhor juízo” o Código de Processo Civil prevê essa manifestação. Outra estratégia é pedir a perda de objeto da ação, sob a alegação de que após as liminares concedidas por Fux o Conselho Nacional de Justiça baixou uma resolução regulamentando o tema. O mesmo foi feito pelo Conselho Nacional do Ministério Público, sob a justificativa de assegurar “a simetria existente entre as carreiras jurídicas, estruturadas com um eminente nexo nacional”. A argumentação não tem lógica, pois, se o STF derrubar as liminares concedidas por Fux, as duas resoluções ficarão sem base legal que assegure sua eficácia.
Portanto, se adotar recursos protelatórios para tentar evitar um julgamento em que poderão sair derrotados, os clubes de juízes estarão apenas praticando chicana, recurso que põe em risco, assim, a credibilidade e a autoridade da Justiça.
20 de fevereiro de 2018
Editorial Estadão
Por não terem fundamentos jurídicos sólidos para sustentar no Supremo Tribunal Federal (STF) a legalidade do pagamento do auxílio-moradia a toda a magistratura, no valor de R$ 4,3 mil mensais, juízes federais estão tentando impedir que a presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia, inclua na pauta de março o julgamento da Ação Originária 1.773, que questiona a constitucionalidade desse benefício. Originariamente, a Lei Orgânica da Magistratura (Loman) previa a concessão do auxílio-moradia apenas nos casos em que os juízes têm de trabalhar durante algum tempo fora das cidades onde residem.
Contudo, por meio de interpretações extensivas dos tribunais, o alcance desse benefício foi sendo alargado de tal forma, que hoje é pago indistintamente a todos os juízes, inclusive aos que têm casa própria nas comarcas onde trabalham. Os juízes não negam que o auxílio-moradia é uma espécie de salário indireto, mas alegam que precisam ganhar bem porque não podem exercer outras funções nem ficar expostos às pressões daqueles que contrariam em suas sentenças.
É por causa da interpretação extensiva usada em larga escala pelos tribunais que as entidades da magistratura alegam que o pagamento do auxílio-moradia é “legal”. E a Ação Originária 1.773 questiona, justamente, essa pretensão de legalidade. Em 2012, o então relator do caso, ministro Ayres Britto, votou contra os interesses dessas entidades. Ao classificar como inconstitucional a extensão do auxílio-moradia a todos os juízes, ele pôs por terra o argumento da legalidade invocado pela corporação.
Mas, quando tudo indicava que o relatório de Ayres Britto seria aprovado, em 2014, o ministro Luiz Fux entrou com pedido de vista e concedeu duas liminares, determinando o pagamento do auxílio-moradia – a título de verba remuneratória, que não é levada em conta para cálculo do teto salarial do funcionalismo público – aos integrantes das Justiças Estadual, Federal, Trabalhista e Militar. Também reteve o processo em seu gabinete por três anos, liberando-o para julgamento, sem alarde, no final de 2017.
É justamente esse julgamento que juízes federais querem evitar que ocorra. O grupo imaginava que o atraso na devolução do processo, por parte de Fux, acabaria permitindo a criação de um fato consumado. Em outras palavras, pensavam que, com o engavetamento do processo, o pagamento do auxílio-moradia se tornaria irreversível. As críticas da opinião pública, contudo, mostraram que eles estavam equivocados. E agora, diante da probabilidade de vários ministros do STF acompanharem o voto de Ayres Britto, ameaçam apelar para estratégias protelatórias.
Uma dessas estratégias é alegar que o processo não estaria em condições de ser apreciado e julgado porque associações recreativas de juízes não teriam apresentado as razões finais após as manifestações da Advocacia-Geral da União (AGU) e da Procuradoria-Geral da República (PGR). “Pedimos que a matéria seja retirada de pauta para que seja promovida a intimação para apresentarmos réplica à contestação e contrarrazões”, afirma a direção da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe). Segundo a entidade, “salvo melhor juízo” o Código de Processo Civil prevê essa manifestação. Outra estratégia é pedir a perda de objeto da ação, sob a alegação de que após as liminares concedidas por Fux o Conselho Nacional de Justiça baixou uma resolução regulamentando o tema. O mesmo foi feito pelo Conselho Nacional do Ministério Público, sob a justificativa de assegurar “a simetria existente entre as carreiras jurídicas, estruturadas com um eminente nexo nacional”. A argumentação não tem lógica, pois, se o STF derrubar as liminares concedidas por Fux, as duas resoluções ficarão sem base legal que assegure sua eficácia.
Portanto, se adotar recursos protelatórios para tentar evitar um julgamento em que poderão sair derrotados, os clubes de juízes estarão apenas praticando chicana, recurso que põe em risco, assim, a credibilidade e a autoridade da Justiça.
20 de fevereiro de 2018
Editorial Estadão
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