Diante da morosidade do Judiciário, uma associação de juízes decidiu ingressar como assistente de acusação em dois processos criminais movidos contra magistrados ex-presidentes da própria entidade. Eles são suspeitos de arquitetar a maior fraude da história da Justiça Federal. Entre 2000 e 2009, a Associação dos Juízes Federais da 1ª Região (Ajufer) obteve empréstimos da Fundação Habitacional do Exército por meio de contratos fictícios, usando dados cadastrais de juízes e desembargadores federais que desconheciam o ardil.
A atual Diretoria da Ajufer contratou, por R$ 50 mil, o escritório do advogado Jorge Amaury Nunes, de Brasília, para ingressar como assistente de acusação em duas ações penais que tramitam vagarosamente no Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que engloba o Distrito Federal e 13 Estados. Nunes, que é professor da Universidade de Brasília e ex-procurador do Banco Central, acompanhará todos os processos cíveis, criminais e administrativos sobre o caso.
Em carta aos associados, em setembro, o presidente da Ajufer, Leonardo Paupério, afirmou que, “para superar o gosto amargo desse passado, não há outro remédio senão apurar as responsabilidades e clamar por Justiça”. Com recursos obtidos em sucessivos contratos fictícios, a associação rolou mensalmente empréstimos não quitados; parte do dinheiro era desviado ou depositado em contas de laranjas. Na época da fraude, alguns membros da atual Diretoria da Ajufer ainda não eram juízes. Outros foram vítimas. Paupério, por exemplo, teve seu nome usado indevidamente em dois empréstimos fictícios.
IMPUNIDADE – “Passados sete anos desde a descoberta daquela década de fraudes, os fatos ainda não foram suficientemente esclarecidos e os responsáveis permanecem impunes”, diz Paupério. Ele lembra que “mais de R$ 20 milhões teriam sido desviados de maneira fraudulenta e criminosa”. Até hoje não se sabe o destino do dinheiro. Foram denunciados no TRF-1 os ex-presidentes da Ajufer Moacir Ramos, Solange Salgado da Silva Ramos de Vasconcelos, Hamilton de Sá Dantas e Charles Renaud Frazão de Moraes. Foi decretada a extinção da punibilidade, por prescrição, de Dantas.
Também são réus o ex-diretor da FHE José de Melo, e Cezário Braga e Nilson Freitas Carvalho, apontados como agiotas e doleiros. Segundo os autos, o juiz Moacir Ramos –apontado como mentor do esquema– indicava à Fundação Habitacional do Exército os supostos beneficiários dos empréstimos, sacava a quantia para pagar prestações em curso e transferia para contas pessoais e de doleiros a diferença. No mês seguinte, ele “firmava” novos empréstimos em valores superiores e repetia o desvio de recursos.
A denúncia foi oferecida ao TRF-1 pelo Ministério Público Federal em dezembro de 2014. Só foi recebida em maio de 2016. Até agora, segundo a Ajufer, os réus não foram citados. A Fundação Habitacional do Exército não comenta a decisão da Associação dos Juízes Federais da 1ª Região de contratar o escritório do advogado Jorge Amaury Nunes para ingressar como assistente de acusação em duas ações penais que tramitam no TRF-1.
CONFIDENCIALIDADE – “Não cabe à FHE avaliar nem se manifestar sobre os profissionais contratados pela Ajufer”, informa. Sobre a decisão do Tribunal de Contas da União, que citou ex-dirigentes e funcionários da FHE como responsáveis solidários, a fundação informa que “se trata de processo classificado, pelo TCU, com confidencialidade restrita, sobre o qual não vai se pronunciar”. O advogado Jonas Modesto da Cruz, que defende o juiz federal Moacir Ramos, considerado o principal responsável pela fraude nos financiamentos, diz que só se manifesta nos autos.
Ramos afirmou à corregedoria que a Fundação do Exército “tinha conhecimento de todos os contratos e os assinava sem opor qualquer resistência”. Moraes afirmou à Corregedoria “não ter consciência da dimensão dos fatos em apuração, devido à confiança que depositava no diretor-financeiro, Moacir Ramos”.
###NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Com o suposto esquema, mais de cem juízes, vítimas da fraude, mesmo sem terem firmado contrato, passaram a ser devedores na Fundação Habitacional do Exército. Dívidas altíssimas. A entidade teria assinado 810 contratos, cerca de 700 fraudados, muitos em nome de fantasmas. A pirâmide financeira foi descoberta pela FHE durante uma auditoria em 2009. No ano seguinte, a fundação moveu uma ação de cobrança contra a Ajufer pedindo a condenação e o pagamento de mais de R$ 30 milhões correspondentes ao saldo devedor de empréstimos. (M.C.)
05 de janeiro de 2018
Frederico Vasconcelos
Deu na Folha
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