O final de sua vida ocorreu às 23 horas de sexta-feira, mas a notícia me chegou na tarde de ontem, sábado, através da Globonews: morreu Carlos Heitor Cony, fato que me levou a uma sensação de perda. Como alguém disse na morte de Hitchcock, tão ruim quanto seu falecimento é saber que nunca mais haverá filmes de Hitchcock. A mesma frase aplico a Cony: tão ruim quanto sua morte é ter a certeza de que nunca mais haverá artigos e livros do jornalista que em 1964, no Correio da Manhã, enfrentou a ditadura militar. Sua viagem para a eternidade levou uma nova luz à memória brasileira e também a intelectuais que cada qual a sua maneira, escreveram obras tão marcantes quanto as suas. Reparem os leitores que, no título, recorri a uma imagem legada por Guimarães Rosa.
As pessoas não morrem, ficam encantadas, dizia Rosa. E isso, digo eu, se aplica aos artistas que encantam e iluminam as nossas vidas, nossas percepções, nossas consciências. É o caso de Carlos Heitor Cony, cujo último artigo, se feito até a tarde de sexta-feira, será o último de sua vida no espaço que ocupava aos domingos na Folha de São Paulo. As obras que produziu, ao longo do tempo, transformam-se agora em seu legado para gerações de hoje e aquelas que vierem depois de nós.
GRANDES OBRAS – Lembro-me, agora, de alguns de seus títulos. “Ballet Branco”, “Informação ao Crucificado”, “O Ato e O Fato”, livro que o levou a prisão, “Quase Memória”. Aliás “Quase Memória” poderá ser completado a partir de hoje, consolidando a trajetória luminosa do autor, o mesmo que escreveu no domingo, 31, um artigo belíssimo na FSP sobre Natal.
Um estilo pessoal e característico viverá para sempre nos textos que produziu, incluindo comentários sempre belos e precisos a respeito das manifestações de arte e da obra de grandes artistas.
O autor que ele mais admirava era Marcel Proust, no qual votou numa pesquisa internacional feita sobre as maiores obras da literatura da antiguidade aos dias de hoje, quando o escritor francês perdeu apenas para James Joyce. Mas esta é outra questão. O que dominou o legado de Carlos Heitor Cony foi uma sentimento de profunda revolta contra as injustiças que atravessam os séculos e até os milênios. Mas isso não em tom agressivo, pois suas teclas eram acionadas por um humor, ao mesmo tempo sarcástico, mas atingindo o fundo das questões e contradições humanas.
ADEUS, AMIGO – Nesse adeus que hoje envio ao meu amigo que sai de cena, substituído pelos seus personagens, relembro os tempos de trabalho no Correio da Manhã, na redação da Gomes Freire, de onde ele partiu para outras obras e a partir de sexta-feira para a eternidade. Lá deve se encontrar com Proust, a quem tanto admirava, com Antonio Houaiss, com Antonio Calado com o próprio Guimarães Rosa e com Carlos Drummond de Andrade, além de com Nelson Rodrigues e Otto Maria Carpeaux.
Cony seguiu no caminho de Swan, buscando o tempo perdido, à sombra das raparigas em flor e, finalmente, o tempo encontrado. São obras de Marcel Proust, espelho e admiração maior de Carlos Heitor Cony.
Nesse adeus que, emocionado, dirijo ao grande autor que ele foi, vai muito de emoção e de lembranças do passado, as quais agora ficam em todos os tempos. Os artistas são tanto do presente, do passado e do futuro. Reside aí o maior legado dos que produzem arte, e parte de si, para todos.
07 de janeiro de 2017
Pedro do Coutto
Nenhum comentário:
Postar um comentário