"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quinta-feira, 30 de novembro de 2017

O OUTRO LADO DA MOEDA

O Brasil, de um certo tempo a esta parte, impulsionado pelas ruas, assumiu resoluta faina de faxinagem na cultura da moralidade, e empenha-se na correição de práticas infratoras da ordem social. Cada acontecimento inspira uma ação concreta a atingir o autor da falta, ou marca providências para o concerto de modo a manter imediata e justa condenação aos muitas vezes alegres protagonistas da cena política, (ainda em nossa memória “a farra dos guardanapos”, vivida risonha e festivamente por Sérgio Cabral et caterva, em refinado ambiente parisiense). Por último, o STF, a instância derradeira da justiça nacional, levou a exame mais detido de seus membros a questão tão debatida (mais apedrejada) do foro privilegiado, que mereceu sessão especial para avaliação do instituto e de sua extensão.

É próprio das polêmicas que haja interpretações plúrimas para cada uma delas. É prova das forças vivas da sociedade. As questões jurídicas são, por si sós, controversas, porque predominantemente versam convenções. E as convenções quem as estipulam são nossos interesses, nossos conhecimentos ou nossas experiências dos temas mundanos, do esporte à religião, atravessando a filosofia e a natureza das demais ciências. São aspectos que a linguagem popular traduz como o verso de uma mesma moeda.

Para melhor compreensão da matéria, faz-se necessário informar que diz-se o foro privilegiado porque a expressão encerra uma qualidade não prevista em lei, mas nos comentários a ela. Esta qualidade é, no fundo, não mais que um atributo do cargo de parlamentar, e excepciona outros agentes públicos deste meio de julgamento que se instituiu e se define não como direito, mas como prerrogativa de função. Não se trata, pois, de favorecimento legal a parlamentar, ou de quem o detenha, mas da fixação de competência do órgão julgador dos membros daquelas casas, o STF. Os ministros da Corte se dividiram quanto à conveniência de extensão do foro, tendendo enviar os processos já instaurados para a primeira instância e outros se inclinam a distinguir a natureza do delito, porque entendem que devem escapar ao foro os parlamentares acusados de crimes de quaisquer natureza.

A instituição do foro especial em nosso ordenamento jurídico fez-se pela primeira Constituição republicana de 1891. Sua inspiração remonta à Grécia antiga, e fundou-se com objetivos de proteção do Estado e da sociedade e não de seu detentor. Regimes eclesiásticos, para salvaguarda do próprio credo, também seguiram o modelo (o papa Francisco acaba de criar um órgão especial vinculado à Congregação para a Doutrina da Fé para julgar bispos pelo delito de abuso de poder episcopal). Num país de dimensões continentais, como o Brasil, o juiz da responsabilidade haveria de estar próximo do infrator, onde a autoridade judiciária é ostensiva. Manter o foro especial é mais seguro para o Estado e para a sociedade do que aboli-lo, ganhando a sociedade em eficiência e maior controle sobre os julgamentos, e este resultado é insofismável porque os parlamentares, por exemplo, seguramente receberão mais tolerância ou mesmo maior compreensão nos burgos de onde vieram, em que são socialmente relacionados. Haveria, no mínimo, constrangimento de quem julga sentenciar um conhecido ou um conterrâneo a quem pode ter cedido o voto. Já com foro especial, o julgamento de um denunciado será acompanhado por uma assembleia, que por sua vez opina com veemência, espontaneamente ou por cobrança de seus representados, a quem prestam contas.

É preferível deixar como está
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30 de novembro de 2017
José Maria Couto Moreira é advogado.

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