"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quinta-feira, 10 de agosto de 2017

SEM VALORES BÁSICOS, O BRASIL ESTÁ CAMINHANDO PARA UM RADICALISMO BIPOLAR

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Charge do Sponholz (sponholz.arq.br)
Em artigo publicado no Estadão, o professor Francisco Ferraz, ex-reitor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, analisa a os conflitos que envolvem os princípios básicos no país. Quando tudo é contestado, observa ele, “o resultado é uma democracia instável”. E adverte que tais democracias “tendem a desembocar no totalitarismo, na ditadura populista ou na cronificação da instabilidade, o que parece ser o caso do Brasil”:
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A CORROSÃO DO CONSENSO BÁSICO
Francisco Ferraz
Vivemos uma crise multifacetada: econômica, política, social jurídica, cultural, ideológica e histórica. Mais grave que os aspectos econômicos, sociológicos ou jurídicos da crise, contudo é seu agravamento político. Estamos num rumo perigoso. No Brasil tudo está em questão. A isso nos levou a confusão cultural, normativa e comportamental que resultou da dilaceração do tecido social.
Qualquer sociedade democrática precisa institucionalizar valores básicos, subscritos por sua população, para assegurar sua estabilidade e um ordenado e legal processo político de mudança. Quando não há consenso em torno desses valores básicos ou quando se instala um conflito radical entre eles, a Nação tende a se dividir em dois blocos radicais e excludentes “qui hurlent de se trouver ensemble”.
É a conhecida situação da curva em U, em que o poder foge do centro e se aloja nos extremos. Caso da guerra civil, o pior dos conflitos, cujo exemplo emblemático é a Guerra Civil Espanhola, que em julho de 1936, mais que dois blocos, deu origem a “duas Espanhas”. Nessa situação, parentes e amigos evitam se encontrar, tal a hostilidade que os valores políticos antagônicos provocam entre eles. A guerra civil é a prova definitiva de que o ódio na política é muito mais forte que o ódio no amor.
EXEMPLO DA VENEZUELA – Não nos encontramos nessa situação. Mas já estivemos muito mais longe dela… Entre a Espanha da guerra civil e o Brasil da crise, a Venezuela bolivariana de Maduro já se encontra muito próxima da guerra civil. Estamos ainda longe da situação espanhola, mas não tão longe da venezuelana. Atente-se para alguns valores essenciais à vida social organizada que se encontram em conflito, contestação e deslegitimação, no Brasil.
Democracia direta para corroer a democracia representativa – A única condenação legítima é pelo voto: implica desqualificação da legislação penal; pressão por convocação de constituintes, plebiscitos, referendos e reformas políticas para substituir competências já definidas do Legislativo e do STF; manifestações com militantes “pagos” para pressionar, e forçar, decisões legislativas ou jurídicas em normal tramitação no Congresso e no STF.
Quebra do consenso, tudo está em questão – Redefinição contra legem da família, do regime jurídico do funcionalismo (greve), da eleição direta de dirigentes de órgãos públicos.
Família: qual sua conformação em termos de gêneros? Malicioso enquadramento da discussão família tradicional x família moderna. Sexo: escolhe-se ou é predeterminado ao nascimento? Uso de sanitários é de livre escolha?
Democracia: qual a verdadeira democracia, a representativa ou a democracia direta? Qual o valor estruturante da democracia, igualdade e liberdade política ou igualdade econômica e social? Liberdade econômica macro: quem deve ocupar-se da atividade econômica: a livre-iniciativa ou os órgãos do Estado?
Propriedade privada é legítima e legalmente protegida ou tem legitimidade discutível e precária? A “invasão” é um delito ou é um direito?
O lucro é uma conquista legítima ou um roubo, sujeito à expropriação? O mercado é necessário ou prejudicial?
A escola deve transmitir conhecimentos ou ideologia? Educação ou doutrinação? É legítimo e legal a censura por deliberada exclusão? É óbvio que, na prática política, ideologia e doutrinação serão eufemisticamente definidas como “espírito crítico”.
O criminoso é responsável por seus atos ou vítima? Liberdade de imprensa é uma garantia de liberdade ou é o abuso dos proprietários? Qual o critério legítimo para a promoção salarial ou na carreira: desempenho (mérito) ou confiança política?
Símbolos religiosos não podem ser expostos em público ou é direito de qualquer religião expor seus símbolos? A vida humana é sagrada ou instrumental?
O que é a legalidade? O Estado Democrático de Direito, suas instituições e normatividade, ou esses são apenas atributos formais, inferiores aos critérios substantivos? O que é golpe de Estado, um conceito jurídico-político ou uma expressão usada na disputa política de significado arbitrário? Como entender esta frase: seguir a virtude prejudica o País (prejuízos e custos da Lava Jato)?
FRAGILIDADE DOS PODERES – Há destruição da dignidade dos Poderes e das funções, com o plenário do Congresso como palco para danças folclóricas, reunião indígena, concentração de minorias organizadas. Ocupação da Mesa do Senado por senadores de um partido. Legisladores usando cartazes, igualando-se a manifestantes. Cenas de pugilato, cuspidas. Obstrução invasiva apoiada por legisladores.
Como se constata, tudo é contestado. E quando tudo é contestado, corrói-se o consenso básico. Não se trata de um consenso absoluto e irreal. Trata-se de um consenso em valores básicos, centrais e de elevada hierarquia, mediante o qual a política e a administração são previsíveis; contêm regras que os cidadãos conhecem, praticam e as instituições protegem; e se consolida numa organização política democrática, unida em torno desses valores e dividida em torno de políticas públicas.
Quando tal não sucede, quando tudo é contestado, quando tudo está sempre aberto a mudanças, o que resulta é uma democracia instável, imprevisível, de precária legitimidade e duração. Tais democracias tendem a desembocar no totalitarismo, na ditadura populista ou na cronificação da instabilidade, o que parece ser o caso do Brasil.
QUESTÕES DIVISIVAS – A listagem apresentada permite identificar, no mínimo, 40 questões intensa e radicalmente divisivas. Considere-se, entretanto, que nenhuma é de importância periférica ou secundária. São todas elas indispensáveis para a configuração política, econômica, social, jurídica e cultural do País e para a qualidade de sua democracial.
A indagação que se impõe é de hierarquia correspondente à gravidade do nosso desafio como nação democrática: como uma nação com tal grau de conflito em seus valores básicos poderá construir e manter uma democracia moderna, autêntica e estável?

10 de agosto de 2017
Francisco Bendl

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