Um ativista do PSOL chamado Michel Gherman escreveu no blog de Guga Chacra que o nazismo é "sem dúvida" de direita. Seu argumento? Ele diz que é.
Sobre o textículo do militante do PSOL Michel Gherman, que meu amigo Guga Chacra publicou para afirmar que “o nazismo é de direita”, é sintomático que a desculpa de toda a esquerda para afirmar que o nazismo seja de direita não passe de uma repetição ad nauseam de umas três ou quatro táticas surradas, que nunca são trocadas.
Como a direita conservadora, que recentemente, graças sobretudo à internet, teve acesso ao pensamento conservador, censurado velada e abertamente nas faculdades de Humanas do Brasil, e percebeu que conservadorismo não tem nada a ver com o que a esquerda diz que o conservadorismo é (natürlich), a incipiente direita brasileira lembrou ao mundo que o nacional-socialismo é uma forma de socialismo (…!), e não de conservadorismo ou capitalismo.
O nazismo, que sempre se apresentou como uma terceira via, pega elementos do socialismo (sobretudo as antigas teses germânicas sobre socialismo), do trabalhismo e do sindicalismo político.
O sindicalismo, aliado ao islamismo, já havia realizado o primeiro genocídio da história a superar 1 milhão de mortos: o grupo Jovens Turcos (Jön Türkler), que se opunha à monarquia do Abdülhamid II no Império Otomano (atual Turquia), buscando uma homogeneização cultural com laços com a Revolução Russa, promoveu o genocídio de cristãos armênios em 1915, durante a Primeira Guerra. A Armênia foi, provavelmente, o primeiro lugar do mundo a se converter ao cristianismo.
Não custa lembrar que a Alemanha era aliada do Império Otomano na Primeira Guerra, que os jovens turcos e sua homogeneização cultural também odiavam judeus e que o Estado Islâmico, o “califado” atual, busca reconstruir justamente o Império Otomano. Adolf Hitler culpou os judeus pela derrota alemã na Primeira Guerra, mas nunca foi contra os muçulmanos, o califado ou o Império Otomano. Pelo contrário: como já explicamos aqui, até recebeu com honras Amin al-Husseini, o principal nome da invenção de um suposto “país” chamado Palestina, com o único objetivo de destruir o sionismo (o Estado judeu) e tomar o território do “povo sem pátria” para muçulmanos que nunca tiveram histórico naquele lugar habitado por judeus há cerca de 3 milênios.
A esquerda acha que foi Karl Marx quem inventou o socialismo, e que não houve nenhum socialismo anterior – de Saint-Simon e Fourier a Robert Owen e Babeuf, tudo é completamente desconhecido pela esquerda universitária que só lê Marx e marxistas. Em seu reducionismo simplificador, é um passo para acreditar que qualquer oposição a Marx significa oposição ao socialismo (como se, por exemplo, Bakunin, Proudhon e todos os que se opuseram a Marx na Primeira Internacional se tornassem “anti-socialistas”).
O Terceiro Reich tem este nome por se considerar o terceiro grande império sagrado: o primeiro sendo o Sacro Império Romano Germânico e o segundo o de Bismark (correção de nosso leitor LaercioMeneses).
Unindo um nacionalismo alemão derivado do romantismo (a Alemanha ainda não era um país até quase a eclosão da Primeira guerra) ao desejo de se tornar uma grande potência, misturando tanto uma mistificação do passado romano com uma visão romantizada das tribos germânicas que começavam a ser estudadas a sério, criaram o conceito de nacional-socialismo: não o socialismo da Internacional Socialista, mas uma visão grandiloqüente de uma Alemanha para os trabalhadores alemães, expulsando capitalistas e especuladores (internacionalistas por si, e ninguém pode ser mais internacionalista do que um especulador judeu) e com o mesmo Estado dirigista dos socialistas – mas sem que a Alemanha, como a Ucrânia, a Checoslováquia, a Hungria ou os países do Leste, se tornasse um país-satélite da União Soviética (trágica ironia que os alemães orientais conheceriam).
O socialismo germânico recuperaria o caráter da política das tribos germânicas primitivas – não mais consideradas “bárbaras”, mas um espírito germânico poderoso. As decisões seriam determinadas por um dirigente (Führer) central, mas, bem ao contrário da visão da historiografia marxista sobre o nazismo, representariam decisões tribais em assembléias repetidas (vide a série Vikings, que retrata bem o modelo de assembléia germânica original).
É o modelo plebiscitário, tão denunciado por Eric Voegelin em Hitler e os Alemães: com mini-Führers locais, decisões eram feitas em nome “do povo” (völkisch) em micro-detalhes – de quanto se produziria numa fábrica mecânica aos livros que poderiam ser lidos. Ao contrário do que se pensa, havia eleições no nazismo, mas era o modelo de “democracia alemã” direta: não com leis (nunca houve uma “lei” nazista sobre câmaras de gás), mas com decisões diretas, conduzidas (durchgeführt) por líderes locais do partido. É o Estado da burocracia total. O socialismo soviético e, hoje, a “democracia” de Nicolás Maduro, neste aspecto, são praticamente idênticos (quantos plebiscitos a Venezuela faz por semana?).
Há inúmeros discursos de Hitler explicando sua visão sobre o socialismo e a democracia (que só não poderia virar uma “democracia liberal”, e todas as decisões deveriam ser apenas germânicas), embora a maioria só se encontre em alemão. O Rechtstaat como conceito puramente germânico, que geraria a permissibilidade para o mal no nazismo, são analisados tanto por uma liberal-democrata como Hannah Arendt quanto por um conservador como Eric Voegelin, ambos fugidos do nacional-socialismo.
Isto, é claro, é informação até razoavelmente básica, a qual qualquer estudioso solitário chegaria rapidamente em alguns anos de pesquisa. Não é, nitidamente, o que ocorre com os estudantes lobotomizados por uma historiografia reducionista feita por marxistas, que tomaram o departamento de História para ignorar tudo isso e enxergar a História tendo como motor a luta de classes.
Sem entender de onde o Terceiro Reich tirou suas idéias, seu modelo, como o aplicou, por que usava tais nomes, tais símbolos, o que significam palavras que tanto usamos sem auscultar-lhes o significado (de Terceiro Reich a Führer), resta tão somente fazer comparações com regimes que não são o nazismo, tão somente com o fito de fazer adversários políticos que detestam o nazismo parecerem meio nazistas.
É o que faz o professor de História esquerdista Michel Gherman, militante do PSOL, com empáfia enfastiada de professor de História esquerdista, no blog do meu amigo Guga Chacra. Lendo suas palavras, é fácil perceber uma arrogância profunda (“oh, só a direita xucra brasileira para não acreditar que o nazismo é de direita…”), mal conjugada com uma profundidíssima ignorância histórica. Não é preciso ler muito para notar que Michel Gherman nem faz idéia do que vai acima.
Sem explicar nada do que acabamos de demonstrar, Gherman prefere fugir das explicações e apelar para os cacoetes que a esquerda sempre tem à mão quando precisa lidar com o problema do nacional-socialismo, a saber:
Dizer que Hitler perseguiu a esquerda, o sendo que Stalin também matou Trotsky, e nem por isso algum dos dois se torna “de direita” (numa disputa por eleições primárias no PSDB, alguém não se torna petista simplesmente por criticar, e mesmo odiar, outro tucano).
Definir o nazismo por características externas comungadas com outros movimentos, justamente retirando seu caráter particular. Assim, o nazismo é definido pela classe social que o apoiou, pela religião de um eleitorado ou por ser “nacionalista” (o que esquerda, direita, monarquistas, democratas, centristas, militares, civis e simplesmente qualquer movimento político do mundo também ter defendido em algum momento).
Imputar ao nazismo elementos exteriores aos próprios nazistas, entre os mais comuns dizer que o nazismo é profundamente “conservador” (como se nazistas defendessem a moral judaico-cristã), ou afirmar que eles são de “extrema-direita”, sem nunca mostrar uma única fala de um único nazista considerando-se como parte da direita, da extrema-direita ou de qualquer forma de “conservadorismo”.
E, por fim, afirmar categoricamente que o nazismo é de direita, porque meu professor de História de esquerda assim disse que é. Quer prova maior?
No texto de Michel Gherman, começamos a ver os cacoetes repetidos ad nauseam aplicados pari passu:
“Sua intenção [de Hitler] era criar um partidos de massas, radicalmente antissemita e anti-comunista. Hitler e os nazistas eram nacionalistas extremistas. Acreditavam na construção de um Estado alemão baseado na raça ariana. Assim, quaisquer perspectiva de classes ou internacionalistas eram consideradas posições inimigas e deviam ser derrotadas. Dessa forma, Hitler percebe o socialismo, o marxismo e o judaísmo como inimigos. Os dois primeiros por falar em luta de classe e internacionalismo, o segundo por ser, segundo ele, cosmopolita.”
Apesar de haver conservadores razoavelmente autoritários, numa ânsia de aniquilar pela força a esquerda, nenhum deles propôs um movimento de massa (um dos maiores direitistas do século XX, Ortega y Gasset, intitula seu magnum opus justamente de A Rebelião das Massas, já com críticas ao espírito fascista antes de eles assumirem o poder).
É simplesmente ridículo definir nazistas como “nacionalistas extremistas”: há algo particular no nazismo. Do PT do “Fora FHC e o FMI!” ao regime militar (que inaugurou uma política anti-americana no Brasil), de Nelson Mandela ao “nacionalismo palestino”, todos estes já flertaram com o “nacionalismo extremo”, sem que nunca houvesse algo parecido com o nazismo se consubstanciado dessas políticas. Aliás, com a exceção do nacionalismo palestino: justamente o que a esquerda defende.
É de uma burrice exemplar dizer que o nazismo, do Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães, considerava qualquer posição de classe como inimiga. Por que o Partido teria sido baseado com esse nome? Por que todo discurso de Hitler fala em “trabalhadores”? Por que até a entrada de Auschwitz ostenta um cruel „Arbeit macht frei”? Por que os trabalhadores alemães são considerados a classe produtiva do país, e os especuladores judeus, usurpadores não-nacionais e de sangue impuro? Só na cabeça de Michel Gherman. Ou melhor: de todo marxista tentando salvar o socialismo: Michel Gherman sozinho nunca teria conseguido inventar algo muito maior do que ele.
A última frase é um festival de retardismo. Hitler odiava os socialistas, mas fazia parte de um partido com “socialismo” no nome? A única fonte para isso são socialistas falando sobre Hitler. Não há uma única referência sobre qualquer aversão de nazistas pelo socialismo, a não ser vinda de socialistas. Pelo contrário: há trocentas referências de Adolf Hitler contra capitalistas e conservadores.
Isto dá azo o suficiente para o cidadão vociferar:
“Não há dúvida, o nacional –socialismo se consolida como movimento de extrema direita, anti- marxista e antissemita.”
Que salto é permitido para a cabeça de Michel Gherman definir, graças à sua própria interpretação, que “não há dúvida” de que o nazismo é de “extrema-direita” – expressão criada ad hoc por esquerdistas querendo salvar o socialismo marxista, mas nunca dita por nazista nenhum?
Ora, se tudo o que é anti-marxista é “extrema-direita”, todo o mundo livre é de extrema-direita. Essa direita é ainda melhor do que nós havíamos propagado, hein?
Claro, não há dúvida para o reducionismo de Michel Gherman, que não prova, não cita uma única fonte, não argumenta nada a favor da tal “extrema-direita” além de “eu estou dizendo que é”. Feliz em sua ignorância completa do nazismo, paciente de um profundo Efeito de Dunning-Kruger, Gherman “não tem dúvida” de que o nazismo é de direita – e extremamente de direita – enquanto quem conhece o que vai acima só tem dúvidas sobre a capacidade pesquisadora de de Michel Gherman.
“Para além de ser antissemita e anti-comunista, o nazismo sempre fora anti-liberal. Assim, ele não acreditava em políticas universalistas e descentralizadas. O Estado Nazista, contrário a luta de classes, se aproximava de grandes empresas, tinha um discurso anti especulativo e tinha como objetivo a expansão racial, militar e territorial.”
O manual de redação do Senso Incomum lembra que qualquer um dizendo “para além de” está bem aquém do que pretende proferir. Tampouco é possível entender o que alguém quer dizer ao definir que o nazismo não acreditava em “políticas universalistas e descentralizadas” ao mesmo tempo (ou um, ou outro, tertium non datur).
O Estado nazista rejeitava a idéia de luta de classes como motor da História, mas acreditava numa profundíssima luta entre a classe dos trabalhadores alemães e dos exploradores judeus. Será preciso ser gênio para saber disso? Só na cabeça de esquerdistas também “se aproximou de grandes empresas”: o Terceiro Reich, como já explicamos, controlou as fábricas (a propriedade privada dos meios de produção) através de sub-Führers, como o Betriebsführer, o “dirigente de negócios”, que definia o lucro permitido pelo povo.
Como a esquerda é nominalista, acreditando em nomes, e não na realidade (mesmo que o nome seja inventado a posteriori, como “extrema-direita”), basta dizer “se aproximava de grandes empresas” para dar a impressão de que o nazismo era o verdadeiro Estado mínimo, quase um Tea Party, a própria Constituição Americana. Sem saber de como o nacional-socialismo controlava as empresas via sindicatos, e posteriormente, via Partido (ver a assustadora análise de John T. Flynn, em As We Go Marching), o marxista tenta pintar o nacional-socialismo como um… anti-socialismo. Até mesmo “capitalista”.
“Mais uma vez, ao contrário de perspectivas socail-democratas, socialistas ou marxstas, a centralização estatal não tinha intenções distributivas, não pretendia combater a desigualdade econômica ou diferenças sociais. Ao contrário, a razão de existência do Estado era manter as diferenças, diferenças raciais. Estabelecer um estado racialmente hegemônico, escravizar e eliminar raças inferiores. Combater e exterminar a oposição que falava em classes sociais.”
O ativista do PSOL Michel Gherman novamente diz algo baseando-se tão somente no que ele próprio acha que o nazismo é. Até mesmo racionamento de comida, roupas e produção industrial o nazismo fez, igualzinho em Cuba. Como isso não está nos livrinhos de Eric Hobsbawm e Theodor Adorno chamando o nazismo de “direita”, no manjado ad ignorantiam, para Gherman, o PSOL e a esquerda o fato simplesmente não existe.
“O nazismo, ao contrário do socialismo, não intencionava a abolição da propriedade privada e nem a coletivização dos meios de produção. O nazismo gostaria de garantir a arianização da econimia, buscava ter alianças com grandes empresas verdadeiramente alemães e buscaba construir um estado corporativo. O nazismo constituía-se assim, como modelo de capitalismo excludente e estatal. Nada mais distante do que qualquer posição a esquerda.”
Para quem conhece o modelo de gestão do nazismo, é fácil notar que todo o “capitalismo excludente” de Michel Gherman só existiu em sua própria cabeça (vide o que citamos acima, lembrando do livro As Seis Lições, de Ludwig von Mises). Nesta língua muito parecida com o português na qual Gherman escreve, um “capitalismo estatal” não poderia estar mais distante de “qualquer posição a esquerda”, sem crase. O que torna praticamente toda a esquerda não-marxista do mundo rigorosamente de extrema-direita.
“Mas não se enganem, nada mais distante, também, de qualquer posição de deireita liberal. O nazismo era um movimento de extrema –direita, o que em sua natureza é distinto da direita liberal e democrática.”
Novamente, a fonte para o nazismo ser de extrema-direita, tão “provada” pelo historiador, é o próprio historiador. Se alguém oferecer um milhão de dólares para Michel Gherman citar uma frase de Hitler ou de qualquer nazista se auto-declarando de direita ou extrema-direita, o ativista do PSOL vai permanecer pobre.
“Por fim, gostaria de afirmar o vínculo do nazismo com teorias conspirativas da história. O complô judaico-marxista era constantemente denunciado por Adolf Hitler em discursos e textos. Não havia, nesse sentido, espaço para o livre pensar.”
Quando alguém quiser inventar uma teoria da conspiração, aí está a receita: basta chamar de teoria da conspiração quem discorda da sua teoria. Aqui, muito atrelada à ignorância: o “complô judaico” (que não era marxista, Hitler separa com frieza os dois) de que Hitler acusava, literalmente, Deus e o mundo, foi baseado no livreto O Protocolo dos Sábios de Sião, criado justamente por russos denunciando o sionismo liberal, capitalista e elitista dos judeus. Mas, afinal, pesquisar algo que descobrimos em 2 minutos no Google vai além da capacidade “historiográfica” de militante do PSOL.
Claro, alguém pode cair nessa conversinha mole, que é fácil de ser deglutida por quem é lobotomizado desde a sexta série com aulas de História que só falam em teorias marxistas, sem apresentar um único historiador que fuja do cânone dos “permitidos”.
Assim, tudo fica fácil: nacional-socialismo só tem socialismo no nome por azar, Hitler era capitalista (!), até meio especulador financeiro, e Hitler odiava os judeus porque… bem, porque acordou um dia de mau humor. Entender o nazismo conforme o acima exposto, por outro lado, explica à perfeição todo o contexto histórico pré-nazismo, o que alimentou o nazismo, por que o nazismo era totalitarismo (e não capitalismo e propriedade privada, o que impede o totalitarismo), e até mesmo por que a esquerda, hoje, tem como inimigos justamente os mesmos inimigos do nazismo (Israel é só o exemplo óbvio).
Óbvio que há sempre o contra-argumento “meu professor de História de esquerda disse que é de direita, e o professor de História de esquerda do meu professor de História também disse que o nazismo é de direita”. O que só revela algo sobre como são as faculdades de História atoladas de marxistas, e não sobre a realidade de fatos históricos mais complexos do que sua lutinha de classes.
17 de agosto de 2017
flávio morgenstern
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