Um bando de criminosos protegido pelo foro privilegiado tenta parir às pressas o programa Bolsa Deputado
Todos os jornalistas de todas as redações deveriam oferecer a quem os lê, ouve ou vê mais mais informações consistentes e menos análises tão profundas que a formiguinha de Nelson Rodrigues poderia atravessá-las com água pelas canelas. Mais notícias amparadas em investigações cuidadosas e menos palpites que apenas traem as preferências políticas ou ideológicas de profissionais que, desprovidos do sentimento da vergonha, tratam leitores, ouvintes e espectadores como se lidassem com um bando de idiotas.
Se o conteúdo do noticiário é de doer, a forma (Nelson Rodrigues, de novo) é de fazer quem preza a língua portuguesa sentar-se no meio fio e chorar lágrimas de esguicho. Não vale a pena perder tempo com os modismos, tão pedantes quanto desnecessários, que o rebanho de colunistas adota tão logo um candidato a sinuelo lança a novidade da estação. Todas têm vida curta.
O velho e bom resistente, por exemplo, vai retomando o lugar de onde foi desterrado há dois ou três anos por um esquisito resiliente (que acabo de escrever pela primeira vez). Embora o S e o T que sumiram sejam bem menos franzinos que o I e o L, alguém decidiu que a coisa ficava mais forte com a troca de uma vogal e uma consoante. Tampouco vai demorar o retorno da simpática versão, aposentada há quase dois anos pela hoje onipresente narrativa — que voltará a significar o que sempre significou.
O que precisa ser banido de todos os textos é o uso de expressões que não existem, ou debocham do mundo real, ou agridem os fatos — ou tudo isso ao mesmo tempo. A legislação brasileira, por exemplo, não menciona em nenhum artigo, parágrafo ou inciso a agora popularíssima delação premiada. O que a lei premia é a colaboração com a Justiça. Os jornalistas preferiram a expressão inexistente porque remete à figura do delator, invariavelmente estigmatizada pela História.
Chamar as coisas pelo nome certo, eis aí um dever ignorado por 99 em cada 100 profissionais das redações. Se todos contassem o caso como o caso foi, ninguém ousaria informar, por exemplo, que “a maioria dos deputados pretende criar um Fundo Especial de Financiamento da Democracia”. Isso mesmo: em maiúsculas. Haja deboche. O que os brasileiros merecem ler ou ouvir é a verdade repugnante: um bando de criminosos com imunidade parlamentar e protegidos pelo foro privilegiado tenta parir às pressas o Programa Bolsa Deputado.
É tão simples e prático quanto obsceno. Os pagadores de impostos bancam a conta bilionária, eles se reelegem e, assim que surge a chance, aumentam de novo a carta tributária. O que está em curso na Câmara não é uma reforma política. É uma sucessão de bofetadas na cara da nação. É um assalto aos bolsos dos brasileiros tramado pelo clube dos cafajestes impunes. É coisa de ladrão.
18 de agosto de 2017
Augusto Nunes, VEJA
Final da votação do processo contra o presidente Michel Temer, na Câmara dos Deputados, em Brasília (Evaristo Sa/AFP) |
Todos os jornalistas de todas as redações deveriam oferecer a quem os lê, ouve ou vê mais mais informações consistentes e menos análises tão profundas que a formiguinha de Nelson Rodrigues poderia atravessá-las com água pelas canelas. Mais notícias amparadas em investigações cuidadosas e menos palpites que apenas traem as preferências políticas ou ideológicas de profissionais que, desprovidos do sentimento da vergonha, tratam leitores, ouvintes e espectadores como se lidassem com um bando de idiotas.
Se o conteúdo do noticiário é de doer, a forma (Nelson Rodrigues, de novo) é de fazer quem preza a língua portuguesa sentar-se no meio fio e chorar lágrimas de esguicho. Não vale a pena perder tempo com os modismos, tão pedantes quanto desnecessários, que o rebanho de colunistas adota tão logo um candidato a sinuelo lança a novidade da estação. Todas têm vida curta.
O velho e bom resistente, por exemplo, vai retomando o lugar de onde foi desterrado há dois ou três anos por um esquisito resiliente (que acabo de escrever pela primeira vez). Embora o S e o T que sumiram sejam bem menos franzinos que o I e o L, alguém decidiu que a coisa ficava mais forte com a troca de uma vogal e uma consoante. Tampouco vai demorar o retorno da simpática versão, aposentada há quase dois anos pela hoje onipresente narrativa — que voltará a significar o que sempre significou.
O que precisa ser banido de todos os textos é o uso de expressões que não existem, ou debocham do mundo real, ou agridem os fatos — ou tudo isso ao mesmo tempo. A legislação brasileira, por exemplo, não menciona em nenhum artigo, parágrafo ou inciso a agora popularíssima delação premiada. O que a lei premia é a colaboração com a Justiça. Os jornalistas preferiram a expressão inexistente porque remete à figura do delator, invariavelmente estigmatizada pela História.
Chamar as coisas pelo nome certo, eis aí um dever ignorado por 99 em cada 100 profissionais das redações. Se todos contassem o caso como o caso foi, ninguém ousaria informar, por exemplo, que “a maioria dos deputados pretende criar um Fundo Especial de Financiamento da Democracia”. Isso mesmo: em maiúsculas. Haja deboche. O que os brasileiros merecem ler ou ouvir é a verdade repugnante: um bando de criminosos com imunidade parlamentar e protegidos pelo foro privilegiado tenta parir às pressas o Programa Bolsa Deputado.
É tão simples e prático quanto obsceno. Os pagadores de impostos bancam a conta bilionária, eles se reelegem e, assim que surge a chance, aumentam de novo a carta tributária. O que está em curso na Câmara não é uma reforma política. É uma sucessão de bofetadas na cara da nação. É um assalto aos bolsos dos brasileiros tramado pelo clube dos cafajestes impunes. É coisa de ladrão.
18 de agosto de 2017
Augusto Nunes, VEJA
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