Critica-se muito o Congresso, mas é preciso reconhecer que os 594 constituintes fizeram um excelente trabalho, ao coibir a existência de servidores e aposentados marajás no serviço público. Liderados por Ulysses Guimarães, um político de verdade e de conduta inatacável, professor de Direito Constitucional, os congressistas cumpriram sem dever e redigiram uma Constituição que defendia os interesses nacionais.
DESFIGURAÇÃO – Somente depois, no governo do trêfego Fernando Henrique Cardoso, é que a Constituição viria a ser desfigurada, a partir do decisão de que qualquer empresa multinacional teria de ser reconhecida como brasileira, fazendo com que nosso país caminhasse na contramão da História, sem imitar os Estados Unidos no que eles têm de mais salutar, o “Buy American Act”, uma lei que dá preferência à compra de produtos fabricados nos EUA, desde 1933 já sofreu modificações, porém jamais foi revogada.
Voltando ao caso dos salários dos servidores, reconheça-se que os constituintes procederam com total correção. Em dois dispositivos (inciso XI do artigo 37 e artigo 17 das Disposições Transitórias), os parlamentares deixaram claro que o serviço público passaria a estar submetido a um rigoroso teto salarial – os vencimentos dos ministros do Supremo.
SUPREMO ABUSOU – Anos depois, agindo em causa própria e na defesa do corporativismo do Judiciário, o Supremo Tribunal Federal acabou demolindo as determinações constitucionais, deu um jeitinho brasileiro de driblá-las, passando a aprovar os mais criativos penduricalhos, que elevaram abusivamente os salários dos desembargadores e juízes e acabaram contaminando os três Poderes da República.
Como a economia ia bem, houve pouca pressão, embora a mídia estivesse frequentemente denunciando pagamentos indevidos a magistrados. Mas ninguém dava atenção. Devido à impunidade, o corporativismo foi crescendo e chegou a tal ponto que, ao preparar o anteprojeto da nova Lei Orgânica da Magistratura (Loman) em 2015, o Supremo não somente decidiu institucionalizar todos os penduricalhos existentes, como criar muitos outros mais.
ASSALTO AO ERÁRIO – Sob a presidência do ministro Ricardo Lewandowski, o céu passou a ser o limite. Entre outros benefícios, a proposta dele prevê auxílio-transporte quando não existir veículo oficial à disposição do juiz, adicional de deslocamento, ajuda de custo para mudança, indenização para transporte de bagagem, auxílio alimentação, ajuda de custo para despesas com moradia em valor igual a 20% do salário, auxílio-creche e auxílio educação, auxílio funeral e auxílio plano de saúde, incluindo reembolso de despesas com médicos e odontologistas que não forem cobertas.
Além disso, os magistrados passariam a receber mais 10% do salário, se fizerem cursos de especialização no Brasil, e a 20% do subsídio, quando cursarem aperfeiçoamento no exterior. E o adicional por especialização será pago por cada título obtido (como mestrado, doutorado e pós doutorado, por exemplo), podendo chegar a 50% do salário. Nada mal.
AUTONOMIA SALARIAL – No embalo, o ministro Luiz Fux propôs que a aprovação de reajuste salarial do Supremo deixe de ser competência do Congresso e passe para a própria Corte, tendo como parâmetro do aumento as perdas inflacionárias, a estimativa da inflação para o ano seguinte, o crescimento do PIB e a “necessidade de valorização institucional da magistratura”.
Dias Toffoli também aproveitou a onda e pediu que os dois advogados que atuam temporariamente como ministros do Tribunal Superior Eleitoral passassem a receber a mesma remuneração do Supremo. Foi um verdadeiro festival.
Mas é claro que uma insanidade de tal ordem causaria forte reação, e as redes sociais responderam à altura. A repercussão foi tão negativa que os ministros colocaram o pé no freio. Suspenderam o julgamento do projeto da Loman, enquanto o ministro-relator Fux concedia uma liminar mantendo todos os penduricalhos salariais, até o julgamento final.
CAIU A FICHA – A partir daí, com o agravamento da crise econômica, a ficha foi caindo e os próprios ministros perceberam a inconveniência do furor uterino com que tentavam gerar mais privilégios salariais para o Supremo e o Judiciário em geral. Aos poucos, foram se conscientizando de que estavam a defender graves distorções, em meio a um corporativismo exacerbado.
Na última reunião em que se discutiu o assunto em plenário, ficou patente o desconforto dos ministros com a situação de privilégios odiosos que o próprio Supremo criou em gestões passadas e que agora eles estavam prestes a agravar.
Isso mostra que nem tudo está perdido. A composição atual do Supremo pode cair na real, respeitar o “livrinho” do presidente Eurico Dutra e acabar com os abusos salariais no três Poderes. A maioria dos ministros já parece disposta a rever os erros do passado e obedecer o que determina a Constituição. Mas é preciso que as redes sociais deem uma empurradinha, fazendo pressão para que cumpram a lei e prestem esse inestimável serviço à nação. Aliás, é para isso que os ministros são pagos pelo povo
Carlos Newton
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