Na cidade do Rio de Janeiro, os assaltos são sucessivos, não se tem garantia de nada, mata-se por qualquer bobagem. A droga comanda as ações desses celerados. Sob as vistas complacentes das autoridades e até mesmo de muita gente fina da nossa melhor sociedade, que acha tudo isso natural numa democracia.
Vivemos num país com enormes desigualdades sociais (desigualmente desiguais), com altos índices de desemprego e não se espere que não tenhamos um preço a pagar por isso.
Não pode haver indiferença do Estado, enquanto cresce essa lamentável criminalidade. Uma das realidades mais tristes do nosso país é a verificação de que se trata mesmo de uma nação de muitos contrastes. Cidades desenvolvidas e com um nível de vida apreciável convivem com outras, totalmente desassistidas, onde a pobreza, a ignorância, a violência e a miséria fazem parte de seu cotidiano.
Se o cidadão fica responsável pela sua própria defesa, fazendo justiça por conta própria, com a privatização do poder de polícia, corremos o risco de uma guerra civil.
Ninguém pode condenar a idéia de se ter penitenciárias com o rigor desejado, nesse eufemismo da "segurança máxima". O que pleiteiam os educadores e os homens de bom senso é a solução de base, ou seja, escola para todos - educação máxima - a fim de que não se tenha de chorar a impiedosa ação dos marginais, hoje os verdadeiros donos das ruas e favelas das nossas grandes metrópoles.
Psicólogos, Psiquiatras, Psicanalistas Religiosos, Políticos, Policiais e os “analistas” de tudo tentam emplacar uma “explicação”. Enfim, uma parafernália de “explicações”, profundamente inócuas, haja vista, o mundo é real e jamais virtual, porque no mundo midiático, digital, instantâneo, a informação é cada vez mais estilizada, pasteurizada, e os fatos recortados da realidade sem nexo, sem contexto, sem passado, sem história, sem memória, numa destruição clara da temporalidade, como se o mundo fosse um eterno videoclipe. Dessa forma, mais confunde do que esclarece e mais deforma do que forma.
Uma das realidades mais tristes do Rio de Janeiro é a verificação de que se trata mesmo de um Estado de muitos contrastes caleidoscópico, que se apresenta em forma de mosaico sem nexo, que vive transfigurando e refigurando o espetáculo da vida como se o confundisse com um reality show.
O máximo da violência moderna é o terrorismo, que ainda tem um sentido político. Mas a pós-moderna não tem sentido nem político nem psicológico. É um ato de ruptura, de um nonsense absoluto, uma explosão cega. É um “sair de si”, na linguagem da psicanálise.
Aceitar que a violência possa ser naturalizada é uma tentativa de diluir o terror que ela provoca, de se submeter aos seus efeitos, e de não se implicar com as possibilidades, mesmo pequenas, de sua transformação.
Aceitar que a violência possa ser banalizada e naturalizada é uma tentativa de diluir o seu impacto, seu terror; de se evadir de seus efeitos, de não se implicar com a existência de suas manifestações e com as possibilidades, por pequenas que sejam, de sua transformação. Esta banalização da violência é, talvez, um dos aliados mais fortes de sua perpetuação.
Resignado à ideia, inculcada pela repetição do jargão de que somos ‘instintivamente violentos, o homem curva-se ao destino e acaba por admitir a existência da violência, como admite a certeza da morte.
A virulência deste hábito mental é tão daninha e potente que, quem quer que se insurja contra este preconceito, arrisca-se a ser estigmatizado de “idealista”, “otimista ingênuo” ou “bobo alegre”.
Que e a violência aterrorize e que diante de uma cena assim todos pareçam dizer: “já que não é comigo não vou me meter”, que a solidariedade desapareça por um risco de se expor a própria vida, a isso já nos acostumamos! O selvagem, como o animal, é cruel, mas não tem a maldade do homem civilizado.
O sujeito que sente medo no sonho não o vive como coisa própria, mas no episódio onírico haverá um outro personagem que viverá um estado de medo. Na realidade, o que se produz é um deslocamento da carga psíquica do sujeito para o objeto. Na paranóia, a pessoa projeta sua agressividade, mas também o faz com outros afetos, sem se dar conta de que a essência de tudo está nela. Um exemplo é o caso do menino que, diante da jaula dos leões no zoológico, diz: “Vamos embora, vovô, por que você está com medo.”
Freud considera a agressividade como um impulso inato no homem, em consequência do qual "o próximo não representa para ele somente um auxiliar e objeto sexual, mas também uma tentação para libertar suas tendências agressivas contra ele".
Como ação específica de uma pulsão, a agressividade não é somente uma busca de destruição do objeto (atacar), mas também a mobilização com vista a realizar uma tarefa, sem matiz de destruição (atacar um problema). Nos últimos escritos de Freud, a agressão é derivada do instinto de morte, em oposição ao instinto sexual ou instinto de vida, Eros.
O desenvolvimento de Eros neutralizaria a agressão.
A maldade é a vingança do homem contra a sociedade, pelas restrições que ela impõe.
As mais desagradáveis características do homem são geradas por esse ajustamento precário a uma civilização complicada. É o resultado do conflito entre nossos instintos e nossa cultura. Muito mais desagradáveis são as emoções simples e diretas de um cão, ao balançar a cauda, ou ao latir expressando seu desprazer.
As emoções do cão, acrescentou Freud pensativamente, lembram-nos os heróis da Antiguidade. Talvez seja essa a razão porque inconscientemente damos aos nossos cães nomes de heróis antigos, como Aquiles e Heitor.
Alguma coisa muito errada, maligna, se esconde nas entranhas da sociedade brasileira. Quando vem à tona, todo o mundo se pergunta como é possível que horrores assim ocorram num país como o Brasil.
Como sobrevivemos nós a um cotidiano tão ameaçador para a vida? Que custo isso nos traz? Estes que morrem nas ruas, nas chacinas, nos assaltos, não são nossos parceiros de guerra?
O previsível, porém, é que gente muito desajustada no Brasil, sempre consegue acesso desimpedido às armas de fogo. Prefiro fazer uma previsão tristemente óbvia: "Há um grande número de outros “fora da lei” por aí que estão acumulando ressentimentos dentro de si, e fora do nosso alcance". Ou seja: vai acontecer de novo.
Os próprios governantes brasileiros reconhecem que, em virtude da incidência de muitos crimes, os governos são obrigados a dedicar grandes somas às polícia e ao sistema judiciário. Melhor fariam, é claro, se pudessem colocar esses recursos para melhorar o atendimento educacional, oferecendo uma solução de raiz, que falta ao Brasil.
Enquanto as rãs coaxam, assiste-se à discussão pública em segurança em torno da implantação de penitenciárias de segurança máxima, em vários pontos do país. Enquanto se pensa na segurança máxima, a preocupação com a educação é mínima, reduzida a questões burocráticas.
Ninguém pode condenar a ideia de se ter penitenciárias com o rigor desejado, nesse eufemismo da “segurança máxima”. O que pleiteiam os educadores e os homens de bom senso é a solução de base, ou seja, escola para todos – educação máxima – a fim de que não se tenha de chorar a impiedosa ação dos marginais, hoje os verdadeiros donos das ruas e favelas das nossas grandes metrópoles.
Está na hora de mudar isso. A educação é o caminho, antes que o país afunde de vez na ignorância, miséria e violência.
27 de julho de 2017
Nelson Valente é professor universitário, jornalista e escritor.
Vivemos num país com enormes desigualdades sociais (desigualmente desiguais), com altos índices de desemprego e não se espere que não tenhamos um preço a pagar por isso.
Não pode haver indiferença do Estado, enquanto cresce essa lamentável criminalidade. Uma das realidades mais tristes do nosso país é a verificação de que se trata mesmo de uma nação de muitos contrastes. Cidades desenvolvidas e com um nível de vida apreciável convivem com outras, totalmente desassistidas, onde a pobreza, a ignorância, a violência e a miséria fazem parte de seu cotidiano.
Se o cidadão fica responsável pela sua própria defesa, fazendo justiça por conta própria, com a privatização do poder de polícia, corremos o risco de uma guerra civil.
Ninguém pode condenar a idéia de se ter penitenciárias com o rigor desejado, nesse eufemismo da "segurança máxima". O que pleiteiam os educadores e os homens de bom senso é a solução de base, ou seja, escola para todos - educação máxima - a fim de que não se tenha de chorar a impiedosa ação dos marginais, hoje os verdadeiros donos das ruas e favelas das nossas grandes metrópoles.
Psicólogos, Psiquiatras, Psicanalistas Religiosos, Políticos, Policiais e os “analistas” de tudo tentam emplacar uma “explicação”. Enfim, uma parafernália de “explicações”, profundamente inócuas, haja vista, o mundo é real e jamais virtual, porque no mundo midiático, digital, instantâneo, a informação é cada vez mais estilizada, pasteurizada, e os fatos recortados da realidade sem nexo, sem contexto, sem passado, sem história, sem memória, numa destruição clara da temporalidade, como se o mundo fosse um eterno videoclipe. Dessa forma, mais confunde do que esclarece e mais deforma do que forma.
Uma das realidades mais tristes do Rio de Janeiro é a verificação de que se trata mesmo de um Estado de muitos contrastes caleidoscópico, que se apresenta em forma de mosaico sem nexo, que vive transfigurando e refigurando o espetáculo da vida como se o confundisse com um reality show.
O máximo da violência moderna é o terrorismo, que ainda tem um sentido político. Mas a pós-moderna não tem sentido nem político nem psicológico. É um ato de ruptura, de um nonsense absoluto, uma explosão cega. É um “sair de si”, na linguagem da psicanálise.
Aceitar que a violência possa ser naturalizada é uma tentativa de diluir o terror que ela provoca, de se submeter aos seus efeitos, e de não se implicar com as possibilidades, mesmo pequenas, de sua transformação.
Aceitar que a violência possa ser banalizada e naturalizada é uma tentativa de diluir o seu impacto, seu terror; de se evadir de seus efeitos, de não se implicar com a existência de suas manifestações e com as possibilidades, por pequenas que sejam, de sua transformação. Esta banalização da violência é, talvez, um dos aliados mais fortes de sua perpetuação.
Resignado à ideia, inculcada pela repetição do jargão de que somos ‘instintivamente violentos, o homem curva-se ao destino e acaba por admitir a existência da violência, como admite a certeza da morte.
A virulência deste hábito mental é tão daninha e potente que, quem quer que se insurja contra este preconceito, arrisca-se a ser estigmatizado de “idealista”, “otimista ingênuo” ou “bobo alegre”.
Que e a violência aterrorize e que diante de uma cena assim todos pareçam dizer: “já que não é comigo não vou me meter”, que a solidariedade desapareça por um risco de se expor a própria vida, a isso já nos acostumamos! O selvagem, como o animal, é cruel, mas não tem a maldade do homem civilizado.
O sujeito que sente medo no sonho não o vive como coisa própria, mas no episódio onírico haverá um outro personagem que viverá um estado de medo. Na realidade, o que se produz é um deslocamento da carga psíquica do sujeito para o objeto. Na paranóia, a pessoa projeta sua agressividade, mas também o faz com outros afetos, sem se dar conta de que a essência de tudo está nela. Um exemplo é o caso do menino que, diante da jaula dos leões no zoológico, diz: “Vamos embora, vovô, por que você está com medo.”
Freud considera a agressividade como um impulso inato no homem, em consequência do qual "o próximo não representa para ele somente um auxiliar e objeto sexual, mas também uma tentação para libertar suas tendências agressivas contra ele".
Como ação específica de uma pulsão, a agressividade não é somente uma busca de destruição do objeto (atacar), mas também a mobilização com vista a realizar uma tarefa, sem matiz de destruição (atacar um problema). Nos últimos escritos de Freud, a agressão é derivada do instinto de morte, em oposição ao instinto sexual ou instinto de vida, Eros.
O desenvolvimento de Eros neutralizaria a agressão.
A maldade é a vingança do homem contra a sociedade, pelas restrições que ela impõe.
As mais desagradáveis características do homem são geradas por esse ajustamento precário a uma civilização complicada. É o resultado do conflito entre nossos instintos e nossa cultura. Muito mais desagradáveis são as emoções simples e diretas de um cão, ao balançar a cauda, ou ao latir expressando seu desprazer.
As emoções do cão, acrescentou Freud pensativamente, lembram-nos os heróis da Antiguidade. Talvez seja essa a razão porque inconscientemente damos aos nossos cães nomes de heróis antigos, como Aquiles e Heitor.
Alguma coisa muito errada, maligna, se esconde nas entranhas da sociedade brasileira. Quando vem à tona, todo o mundo se pergunta como é possível que horrores assim ocorram num país como o Brasil.
Como sobrevivemos nós a um cotidiano tão ameaçador para a vida? Que custo isso nos traz? Estes que morrem nas ruas, nas chacinas, nos assaltos, não são nossos parceiros de guerra?
O previsível, porém, é que gente muito desajustada no Brasil, sempre consegue acesso desimpedido às armas de fogo. Prefiro fazer uma previsão tristemente óbvia: "Há um grande número de outros “fora da lei” por aí que estão acumulando ressentimentos dentro de si, e fora do nosso alcance". Ou seja: vai acontecer de novo.
Os próprios governantes brasileiros reconhecem que, em virtude da incidência de muitos crimes, os governos são obrigados a dedicar grandes somas às polícia e ao sistema judiciário. Melhor fariam, é claro, se pudessem colocar esses recursos para melhorar o atendimento educacional, oferecendo uma solução de raiz, que falta ao Brasil.
Enquanto as rãs coaxam, assiste-se à discussão pública em segurança em torno da implantação de penitenciárias de segurança máxima, em vários pontos do país. Enquanto se pensa na segurança máxima, a preocupação com a educação é mínima, reduzida a questões burocráticas.
Ninguém pode condenar a ideia de se ter penitenciárias com o rigor desejado, nesse eufemismo da “segurança máxima”. O que pleiteiam os educadores e os homens de bom senso é a solução de base, ou seja, escola para todos – educação máxima – a fim de que não se tenha de chorar a impiedosa ação dos marginais, hoje os verdadeiros donos das ruas e favelas das nossas grandes metrópoles.
Está na hora de mudar isso. A educação é o caminho, antes que o país afunde de vez na ignorância, miséria e violência.
27 de julho de 2017
Nelson Valente é professor universitário, jornalista e escritor.
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