Prisão se cumpre na cadeia, nos presídios, cárceres e penitenciárias. Progressão de pena, regime fechado, semiaberto, saídas temporárias, liberdade provisória, tornozeleiras eletrônicas e outras tantas concessões previstas nas leis são benesses, são “arranjos” que premiam o réu e castigam ainda mais sua(s) vítima(s) e toda a sociedade. Essa tal de “prisão domiciliar”, por exemplo, é uma tremenda ficção. É um presente e tanto que o réu recebe sem merecer.
Na prática, é a sua libertação. Ele logo deixa o cárcere (e muitas das vezes nem no cárcere chega a entrar), não cumpre integralmente a pena, não fica mais submetido ao regime carcerário e retorna ao conforto do lar, ao convívio familiar, como se nada tivesse acontecido.
SÓ NA FICÇÃO – As limitações, quando lhe são impostas e quando cumpridas, são mínimas e satisfatoriamente suportáveis. São incomparáveis com as do regime carcerário. Mas para a lei, ele continua preso, presidiário, detento.
Mas como isso é possível, se ele está fora do presídio? Só na ficção e teoricamente, é claro. Porque quem está preso fica submetido ao regime carcerário que não abrange a prisão domiciliar. Porque na prática o que se tem visto é réu, presenteado com prisão domiciliar e outros benefícios a gozo fora da cadeia, assaltando e matando, até mesmo com tornozeleira eletrônica.
EM CAUSA PRÓPRIA – Vamos ser realistas. Quem faz as leis penais é o parlamento nacional. Valem para todo o país. Para todos os brasileiros e estrangeiros em solo nacional. E valem para eles próprios, que fizeram as leis. Mas com a inesperada, surpreendente e bem sucedida eclosão da Operação Lava Jato e outras congêneres, que descobrem os crimes que os parlamentares cometem e cometeram e que jamais eles pensaram e acreditaram que um dia seriam descobertos, chega-se à conclusão que o afrouxamento da legislação penal foi proposital. Que foi feito para benefício deles próprios, na outrora inimaginável hipótese de serem pegos, presos, processados e condenados.
Legislaram em causa própria. Até que um dia “a casa caiu”, como se diz no jargão da bandidagem. E quando a “casa cai”, aí eles se servem das leis penais, boazinhas porque frouxas, que eles próprios criaram e que garantem a impunibilidade deles próprios. Ou uma punibilidade simbólica, premiada, como é o caso dessa tal “prisão domiciliar”.
SALVO-CONDUTO – Ora, ora, justificar “prisão domiciliar” (ou outros benefícios) para detento idoso, portador de doença grave, para gestante, para mulher com filho menor de 12 anos ou detento homem, caso seja o único responsável pelos cuidados do filho, é o mesmo que conceder, aos que se enquadrem em tais hipóteses, um salvo-conduto para a prática criminosa. Porque eles sabem que, se forem presos, a “prisão” será em casa.
Um leve castigo, como faziam nossos pais quando éramos crianças. Sim, porque ao detento idoso e enfermo e à gestante, cumpre ao Estado providenciar alojamento, cuidados e tratamento adequados. Afinal, eles são detentos e se encontram custodiados pelo Estado, a quem cumpre o indeclinável dever de lhes dar toda assistência, fundamentalmente a sonhada ressocialização.
DEVER DE TODOS – À mulher detenta, com filho de até 12 anos de idade, o dever de guarda e assistência alimentícia passa, então, aos avós, paternos e maternos. E na sua falta, aos irmãos, na mesmíssima ordem de sucessão que o Direito Civil estabelece quanto à obrigação de prestar alimentos. Ou ainda dentro do mesma garantia que o artigo 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente a todos impõe:
“É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, ao respeito, à liberdade e à convivência comunitária”.
INTERESSE PÚBLICO – O que não se admite — e tem forte rejeição social — é que detento ou detenta, que tanto estrago causou na vida ou nas vidas dos outros, de toda uma coletividade, de toda uma população, de todo um povo, deixe o cárcere para continuar “detenta” em sua casa, seja esta confortável ou não, no Leblon ou nas periferias e comunidades. O interesse público, as dores, danos e lágrimas, sofrimentos e saudades de multidões e multidões sempre devem prevalecer sobre o que é pessoal, individual e privado.
A lei não pode escarnecer dos vitimados. E “na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que a lei se dirige e às exigências do bem comum”, diz o artigo 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.
PRIVILÉGIO – Não é compreensível nem justificável a decisão de um juiz que retirou do cárcere perigoso detento, que muitos crimes cometeu contra a coletividade, transferindo-o para essa chamada “prisão domiciliar”.
Assim tendo agido, o magistrado não atendeu aos fins sociais da casuística legislação e privilegiou o particular em detrimento do interesse social, amplo, difuso e coletivo. Em suma: deixa entender que o crime compensa.
31 de março de 2017
Jorge Béja
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