Ele prepara a candidatura ao governo de Rondônia na eleição do ano que vem. Senador pelo Partido Progressista (PP), dono de empresas cujo êxito foi tonificado por incentivos públicos, sonha há tempos em voltar a comandar o governo, agora no moderno conjunto de edifícios de Porto Velho, na Avenida Farquhar — homenagem a Percival Farquhar (1864-1953), empreendedor da ferrovia Madeira-Mamoré, um dos maiores empresários de serviços públicos da história, que viveu no Flamengo, no Rio, e faliu na especulação, repassando seus prejuízos aos cofres do Estado brasileiro.
O maior obstáculo ao plano de Ivo Narciso Cassol, de 58 anos, para quatro anos de mandato no comando político de Rondônia está na Justiça: foi condenado a quatro anos, oito meses e 26 dias de prisão, e a pagar multa de R$ 201,8 mil, por múltiplas fraudes com dinheiro público quando era prefeito da interiorana Rolim de Moura, entre 1998 e 2002.
IMPOTÊNCIA – O maior problema do Judiciário, paradoxalmente, é fazer cumprir a sentença aplicada a Cassol. Há três anos e meio o Supremo Tribunal Federal publicou sua condenação definitiva à cadeia em regime semiaberto — ou seja, em colônia agrícola ou similar. Até hoje, porém, o Supremo se mostra impotente para executar a própria decisão sobre os crimes cometidos por Cassol há mais de uma década e meia.
O caso do senador de Rondônia é exemplo da lassidão e da ineficiência demonstrada pelo sistema judicial em efetivar punições aos crimes de agentes públicos com foro privilegiado, no jargão jurídico, o foro especial por prerrogativa de função.
Há mais de 20 mil ocupantes de cargos no Executivo, Legislativo e Judiciário, em todo o país, com direito a julgamento especial e particular, caso enfrentem processos penais. O STF, por exemplo, terminou o ano passado com 460 processos contra parlamentares federais — 357 inquéritos e 103 ações penais, pendentes de decisão e julgados, mas ainda sem cumprimento da sentença. Cassol está nessa última categoria.
TRAMITAÇÃO ETERNA – Desde que deixou a prefeitura de Rolim de Moura, em 2002, seu processo passou nove anos circulando pela 1ª Vara Criminal do município, Tribunal de Justiça de Rondônia e Superior Tribunal de Justiça, até chegar ao Supremo. Isso porque, nesse período, ele foi prefeito, governador e senador. E, para cada mandato, a lei do foro privilegiado determina mudança de tribunal.
Em agosto de 2013, Cassol recebeu a sentença do STF, em processo relatado pela juíza Cármen Lúcia, atual presidente da Corte. Entrou com um tipo de recurso (embargo declaratório) que lhe permitia pedir esclarecimentos sobre a decisão. Ano depois, em setembro de 2014, o Supremo rejeitou os recursos e confirmou a resolução, publicada no Diário Oficial três meses mais tarde.
Surgiram, então, novas contestações. E fez-se outro julgamento, em abril de 2016, interrompido por um dos juízes, Dias Toffoli, que pediu para analisar o processo. Quando devolveu os autos, em setembro do ano passado, Toffoli sugeriu uma redução da pena de Cassol, a transformação da prisão em regime semiaberto, já decretada, em prisão domiciliar. Foi quando Teori Zavascki decidiu intervir. Outra vez, o julgamento foi interrompido para exame do processo. Zavascki devolveu os autos, mas morreu em janeiro passado, antes da decisão do plenário.
NA GAVETA – O processo adormece no Supremo à espera do novo relator. Será Alexandre de Moraes, escolhido pelo presidente Michel Temer para substituir Zavascki, caso seja aprovado nesta semana na Comissão de Justiça do Senado — onde o senador-réu ocupa uma vaga de suplente.
São muitos os casos semelhantes no Judiciário. Semana passada no Supremo, por exemplo, o juiz Luís Roberto Barroso encaminhou ao plenário o processo de Marcos da Rocha Mendes (PMDB), prefeito de Cabo Frio. O foro privilegiado, escreveu, “é causa frequente de impunidade, porque dele resulta maior demora na tramitação dos processos e permite a manipulação da jurisdição do Tribunal”.
Na eleição municipal de 2008, Mendes foi flagrado trocando bifes e notas de R$ 50 por votos. Trafegando entre mandatos de prefeito e de deputado federal, conseguiu adiar a sentença de perda dos direitos políticos. Desde janeiro é prefeito, pela terceira vez, da cidade da região dos Lagos cuja história é marcada pela ação da pirataria francesa e pelo tráfico de escravos. Além desse processo inconcluso, Mendes coleciona outras quatro dezenas de ações abertas em tribunais do Rio por distribuição irregular de recursos públicos a organizações privadas, como a Sorriso do Jacaré, escola de samba que premiou com o equivalente a R$ 100 mil, sem prestação de contas.
19 de fevereiro de 2017
José Casado
O Globo
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