"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

DEFENDERAM O ABUSO


ARTIGOS - DIREITO



Como é fácil criticar políticos... mas criticar juízes, promotores e outros agentes vitalícios do estamento estatal...

Ser um inimigo dos verdadeiros poderosos é terrível!

Atualmente juízes e promotores são os agentes públicos mais poderosos e salvaguardados. Se alguém duvida, que observe a diferença de tom entre as críticas proferidas por leigos e letrados a erros e privilégios de agentes públicos dos três poderes: nas críticas dirigidas a juízes e promotores, quando alguém se anima a fazê-las, o tom é normalmente obsequioso, muito mais comedido que nas dirigidas a deputados e senadores, por exemplo. Dos cidadãos mais obscuros aos mais proeminentes, todos sabem que a inimizade dos poderosos é terrível, e o instinto de preservação indica quais iras devem ser mais temidas.

Por incrível que pareça para alguns, juízes e promotores são humanos... também têm defeitos e cometem erros como todo mundo. E, como todo mundo, quanto mais poder, salvaguardas e privilégios concentrarem, e a menos contrapontos estiverem sujeitos, maior será a tendência a errarem e abusarem. Aliás, é isto o que sintetiza a famosa sentença de Acton: “O poder corrompe, e o poder absoluto corrompe absolutamente (...)”. Cabendo observar que, na verdade, o poder não exatamente corrompe, mas permite aflorar a corrupção latente nas almas humanas.

Essas obviedades deveriam ser de senso comum. Não é de agora que juízes e promotores, como tantos outros agentes estatais, cometem abusos de autoridade nas mais diversas situações. Bom exemplo é o caso da agente de trânsito detida e condenada a pagar indenização por deter, numa blitz, um carro em situação irregular e não ceder à ”carteirada” do proprietário, um juiz de direito. Leis que coibissem esses abusos, já deveriam existir há muito tempo. Os cidadãos comuns, vassalos dos “Senhores Estatais”, seriam os maiores beneficiados.

Mas quando parlamentares, sob pressão na operação Lava Jato resolveram retaliar propondo, finalmente, uma lei nesse sentido, eis que leigos e letrados, adotando um reducionismo inversor, padrão “movimento social” esquerdista, em vez de perceberem o projeto de lei como mais um desdobramento positivo da operação, execraram-no, taxando-o de projeto “a favor da corrupção”.

Uns alegam que apesar de ser necessário coibir abusos de autoridade de juízes e promotores, o projeto de lei foi apresentado como retaliação por deputados que se sentiam ameaçados. Mas, e daí? Seja qual for a motivação dos deputados, coibir abusos de autoridade é justo, necessário, e beneficia sobretudo os cidadãos vassalos.

Outros argumentam que a lei proposta é justa, mas que este não seria o momento para aprová-la, por causa do conflito entre poderes e para não atrapalhar a operação Lava Jato. Mas, qual seria o momento então? Quando os agentes públicos do legislativo e do judiciário estiverem de bem e o comodismo corporativo for retomado? ...Além do mais, o juiz, os promotores e os policiais atuantes na Lava Jato, até o momento, têm agido com ousadia inteligente, dentro de suas prerrogativas, respeitando as prerrogativas dos investigados e invalidando quaisquer alegações de abuso de autoridade. É preciso convir que os agentes da operação são exceções em termos de aptidão e severidade. Entre milhares de outros juízes, promotores e policiais, quantos não tiveram oportunidades de fazer o mesmo, e não as perceberam ou se omitiram? Se os agentes públicos da Lava Jato fizeram o que precisava ser feito, sem cometer abusos, por que manter livres de punições por abusos todos os demais agentes públicos do judiciário e do ministério público?

Por outro lado, se a alegação para repudiar uma lei contra abusos de autoridade de juízes e promotores, seria não atrapalhar o combate à corrupção, é preciso lembrar que juízes e promotores, humanos que são, também podem cometer abusos para praticar corrupção. Ou ainda, por fatores diversos, como alinhamento ideológico ou gratidão, por exemplo, também podem cometer abusos que favoreçam a corrupção.

Aqui no decadente Rio Grande do Sul, não por acaso o mais esquerdizado estado do Brasil, houve, há anos, um episódio eleitoral exemplar: às vésperas de uma eleição, promotores de justiça, “com o PT no coração e ‘O Capital’ embaixo do braço”, simplesmente resolveram apreender das bancas, os exemplares de um jornal que continha uma publicação banal, mas que segundo eles poderia prejudicar o candidato a governador pelo PT. O candidato do PT, alardeado como padrão de honestidade e competência, ganhou a eleição por uma margem pequena. E no seu governo ocorreu um escândalo de corrupção sem precedentes, que envolvia o achaque de operadores do “Jogo do Bicho”, por agentes da alta cúpula do governo. Para completar, o governo petista arruinou a economia e as finanças do estado.

Observe-se a postura do atual procurador geral da república em relação acusações de corrupção contra a presidente, que o indicou para o cargo: apesar dos escândalos de corrupção envolvendo a cúpula do governo dela, das delações premiadas que a envolviam diretamente em corrupção, e de nada menos que uma assinatura da própria presidente avalizando negociata bilionária com uma refinaria de petróleo sucateada, o procurador nunca enxergou indícios para abrir processo contra ela! O mesmo procurador não via motivos para pedir a prisão do presidente do senado, enquanto este era aliado da presidente. Mas, passou a vê-los após a presidente ser deposta e o presidente do senado se aliar ao governo substituto. Que mais seria preciso para configurar prevaricação e retaliação política?

Por que nunca houve comoção, leiga ou letrada, contra a postura do procurador geral da república? A inimizade dos verdadeiros poderosos é terrível.

Considere-se ainda, sem entrar em detalhes, as possibilidades de abusos por parte de juízes adeptos da teoria do “direito alternativo”... Não haverá razões suficientes para a urgente aprovação de uma lei contra abusos de autoridade de juízes e promotores?

Há quem admita essas razões para a aprovação de uma lei contra abusos, mas argumente que (1) com a criminalização de abusos juízes e promotores deixariam de arriscar “os pescoços” para cumprir suas funções. E que (2) seria um exagero criminalizar abusos de “menor gravidade” como o recebimento de salários acima do teto salarial. E então chegamos às origens da corrupção disseminada no estamento estatal: valores, conceitos.

Em relação a (1): Observe-se a postura dos policiais militares honestos, que não apenas asseguram a segurança de juízes e promotores no cumprimento de suas funções, mas diariamente arriscam suas vidas enfrentando a bandidagem na linha de frente, para preservar o pouco que resta de segurança pública, apesar das punições rigorosas em casos de abusos de autoridade, dos salários e prerrogativas incomparavelmente inferiores, da precariedade de equipamentos, do permanente assédio desmoralizante movido por jornalistas, intelectuais e outros militantes do establishment (in)cultural politicamente correto, e da ingratidão popular.

O que os impele a arriscar “os pescoços” para cumprir suas funções e abnegadamente assegurar o pouco que resta de ordem pública? Valores! Senso de dever. Espírito Público.

Em relação a (2): Ora, se um comerciante falido que sonegue impostos para sobreviver, ou mesmo um empresário em boa situação, espoliado por impostos extorsivos, que sonegue para entregar menos ganhos do seu próprio trabalho aos agentes estatais, devem ser criminalizados, ainda que saibam que a maior parte dos impostos, em vez de retornar à sociedade em forma de obras e serviços, será dissipada em privilégios, corrupção e ineficiência... como não criminalizar agentes públicos, com salários Classe A, que violem a lei para desviar dos cofres públicos para os seus, ganhos acima do limite legal? Mais ainda, quando os violadores da lei forem os próprios agentes públicos encarregados de zelar pelo cumprimento da lei!

Será que faz diferença para os doentes sem atendimento ou atendidos nos hospitais públicos em condições deploráveis... para os policiais militares sem equipamentos de segurança, para os presidiários nos presídios superlotados em condições degradantes... para os moradores sem saneamento básico e calçamento... para os motoristas que trafegam em péssimas estradas... enfim, para os cidadãos vassalos achacados por uma carga tributária que lhes impede poupar e obter por conta própria bens e serviços básicos que então precisarão pedir aos Senhores Estatais... faz diferença se o dinheiro arrecadado pretensamente para essas finalidades foi desviado via propinas ou privilégios?

Seria a corrupção que desvia recursos públicos via superfaturamentos e propinas, mais condenável que a corrupção que dissipa os recursos públicos via privilégios corporativos e falcatruas legalizadas, ainda que esta cause rombos maiores?

Enquanto leigos e letrados execrarem apenas propinas, superfaturamentos e furtos no estamento estatal, combaterão apenas efeitos. A corrupção administrativa é fruto sistêmico da corrupção conceptual de estado. Estabelecida a hegemonia do conceito estatal esquerdo-populista, com superestrutura burocrática intervencionista, parasitária e perdulária, repleta de feudos corporativos próprios para a criação de dificuldades e venda de facilidades, é inevitável que o estado seja convertido por agentes públicos em instrumento de opressão das liberdades individuais e achaque de cidadãos vassalos. Por sua vez, a corrupção das funções do estado se origina na corrupção de valores, a mãe de todas as corrupções.

Cícero já alertava: “O orçamento nacional deve ser equilibrado. As dívidas devem ser reduzidas, a arrogância das autoridades deve ser moderada e controlada. Os pagamentos a governos estrangeiros devem ser reduzidos se a nação não quiser ir à falência. As pessoas devem, novamente, aprender a trabalhar, em vez de viver por conta pública”.


Rechaçar o projeto contra abuso de autoridade para não atrapalhar o combate à corrupção, parece ter sido uma estratégia tão perspicaz e eficiente quanto pedir ao establishment o impeachment da presidente corrupta, com base na mais leve das improbidades cometidas por ela, eufemizada de fraude fiscal para “pedalada”, no momento em que a corrupta já havia arruinado seu governo e estava prestes a arruinar não só da popularidade de seu corrupto antecessor e mentor, que pretendia nomear “primeiro ministro”, mas também a própria estrutura de suporte da corrupção, empregada pelos verdadeiros donos do poder para oprimir consciências e achacar o povo.

Quando estava concluindo este texto, ocorreu um episódio providencialmente confirmativo do que foi dito acima: o governo do falido Rio Grande do Sul, apresentou para votação na Assembleia Legislativa um tardio, mas imprescindível conjunto de propostas de reestruturação do provavelmente mais corporativista, parasitário, ineficiente e perdulário estado da federação. Entre vários projetos que incluíam extinções e privatizações, um projeto determinava que o repasse financeiro ao poder judiciário fosse feito a partir da arrecadação efetivamente realizada pelo Estado (considerando a receita corrente líquida), e não mais pela previsão orçamentária votada no ano anterior, o que não corresponde aos valores reais de arrecadação. Evidentemente: nada mais justo! No entanto, bastou que juízes e promotores, os mais poderosos, privilegiados e salvaguardados agentes públicos, pressionassem os deputados com mensagens ameaçadoras, via celular, para que o projeto fosse rejeitado. Um dos deputados que votaram contra o projeto, mesmo pertencendo à base do governo, fundamentou seu voto: “voto contra, porque não quero me deparar com um juiz ‘mal-humorado’ em algum processo”. O voto do deputado mostrou-se condizente com postura da maioria dos eleitores, leigos e letrados, diante das ameaças dos juízes e promotores.

Como é fácil criticar políticos... mas criticar juízes, promotores e outros agentes vitalícios do estamento estatal... Ser um inimigo dos verdadeiros poderosos é terrível!

Nesse contexto só resta esperar pelo colapso do estado. Quem sabe assim, os homens ávidos de supersalários, prerrogativas, poder e status, se dirijam a outras áreas para se locupletar, e deixem espaço no estado para o ingresso de homens menos sequiosos de tudo isso e mais dotados de vocação e espírito público. Quem sabe, quando vier a falência do estado, as pessoas não se vejam obrigadas a rever seus valores, escutem os conselhos de Cícero, e aprendam a trabalhar em vez de viver por conta pública.


13 de janeiro de 2017
RICARDO ALFAYA SARAVIA

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