"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

DECISÃO DO STF SOBRE RENAN CRIA INSEGURANÇA JURÍDICA E MOSTRA QUE CEGUEIRA DA JUSTIÇA DEPENDE DO CLIENTE



A crise político-institucional enfrentada pelo Brasil é tão grave, que para evitar um mal maior o Supremo Tribunal Federal (STF), guardião da Constituição, foi instado a violar a Carta Magna de maneira flagrante. Isso porque a Corte, contrariando o preceito fundamental que baliza a linha de substituição da Presidência da República, decidiu, por 6 votos a 3, manter Renan Calheiros (PMDB-AL) à frente do Senado.

A decisão, como antecipada pelo UCHO.INFO na edição de terça-feira (6), foi negociada com caciques da política nacional, os quais alegaram questões de governabilidade para atropelar a máxima lei do País, que, não é de hoje, é desrespeitada de maneira continuada e vil.

Considerando que nenhum integrante da linha de substituição da Presidência pode figurar como réu em ação penal, o afastamento de Renan Calheiros do comando do Senado não deveria depender de julgamento rocambolesco, mas, sim, de deliberação de ofício, já que a Constituição respalda tal medida.

O legado dessa decisão é perigoso, pois magistrados da mais alta instância do Judiciário brasileiro deram um recado claro, que assustou até o mais ignaro dos rábulas: no Brasil a segurança jurídica é assunto de segundo plano, quiçá de terceiro. Com isso, fica patente não apenas que o crime compensa – Renan é réu por peculato –, mas também que envolvidos em escândalos de corrupção podem continuar dando as cartas nesse tabuleiro de bordel em que se transformou o País.

A questão da segurança jurídica tem consequências que vão muito além das fronteiras da Praça dos Três Poderes, alcançando principalmente a seara dos investidores internacionais, cada vez mais desconfiados em relação ao Brasil. No momento em que o País precisa urgentemente recuperar a credibilidade, o resultado da sessão desta quarta-feira do STF foi, além de explícito deboche com a sociedade, um espetáculo de insanidade interpretativa no tocante à legislação vigente.

Ademais, ficou evidente, mais uma vez, que a Justiça não é isenta, como sugere sua folclórica cegueira, pois decide de acordo com o interesse do “cliente”. Confirmou o pleno do Supremo que, a despeito da garantia constitucional de que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza” (CF, artigo 5º caput), no Brasil alguns são mais iguais que a extensa maioria. E quem pode mais, chora menos.

Em países minimamente sérios e com autoridades responsáveis, Renan Calheiros estaria preso desde o escândalo envolvendo sua amante, a jornalista Mônica Veloso, com quem o alagoano teve uma filha fora do casamento. Para bancar as despesas da amásia e da filha, o senador do PMDB desviou recursos públicos e recebeu dinheiro de propina da empreiteira Mendes Júnior. Sem contar que o presidente do Senado foi acusado de falsidade ideológica e uso de documento falso ao tentar justificar a origem do dinheiro ilícito com suposta venda de gado, crimes pelos quais foi absolvido.

O segundo efeito colateral da decisão do STF é, na verdade, uma pergunta que não quer calar. Terá o Supremo a ousadia necessária para pasteurizar a decisão, dando a todos os cidadãos o direito isonômico de descumprir ordens judiciais apenas porque discordam das mesmas? Renan recusou-se a cumprir a liminar concedida pelo ministro Marco Aurélio de Mello e usou a Mesa Diretora do Senado para referendar o desrespeito à Justiça e às leis. Se todos os cidadãos decidirem agir como Renan, o Brasil não precisará de muito tempo para transformar-se em enorme faroeste caboclo.

O resultado da votação no Supremo só alcançou tão vergonhoso resultado porque o presidente Michel Temer, constitucionalista conhecido e com mais de trinta obras sobre o tema já publicadas, despachou assessores para convencer ministros da Corte a votarem de forma a não acirrar a crise múltipla que derrete a nação. Em suma, um constitucionalista não pensou duas vezes antes de negociar a violação da Carta.

Tão inimaginável quanto preocupante, o cenário atual é fruto da pasmaceira política da sociedade, que durante décadas preferiu fechar os olhos à realidade, permitindo que bandidos profissionais usassem os respectivos cargos e mandatos como escudo. Por certo porque acreditava naquele falido mantra de que o Brasil é o “país do futuro”.

Sem dúvida a democracia brasileira é jovem, mas os atores políticos agem como velhacos de longa data. Afinal, o Congresso foi transformado em agência de despacho do Palácio do Planalto, que paga pelo serviço com a conivência criminosa quando o assunto é corrupção. Quando não, o Parlamento funciona como privado clube de negócios, cujo balcão é alimentado pela lama da roubalheira desenfreada.

Se a Justiça era, até esta quarta-feira, o derradeiro bastião dos brasileiros de bem contra os desmandos oficiais, a partir de agora a única saída é o aeroporto mais próximo. Com direito a passagem apenas de ida e “bye bye, Brasil”!


08 de dezembro de 2016
ucho.info

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