"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

terça-feira, 8 de novembro de 2016

ESTÁ NA HORA DE REVISAR O ESTATUTO DO ESTRANGEIRO

Ibrahim nasceu em Battir, na antiga Palestina, então sob mandato inglês. Como era o menos hábil com as mãos em uma família de pedreiros numa vila empobrecida, foi estudar em Belém, sendo acolhido por amigos católicos.

Seu pai o visitava quando podia e o presenteava com o que a vida de então permitia: figos secos que trazia nos bolsos.

Perto dos 20 anos, Ibrahim, que falava apenas árabe e inglês, imigrou para o Brasil. A razão foi a mais tênue possível. Um primo, não tão próximo, e a possibilidade de trabalhar como caixeiro viajante no interior de São Paulo.

Ibrahim se casou com a filha de imigrantes portugueses, que tinham uma venda no interior de São Paulo e mal sabiam das letras. A filha estudou biologia na USP.

O casal teve quatro filhos. Um, formado em medicina pela USP; outra, nutricionista pela PUC; a terceira, engenheira pelo ITA; e a quarta, doutora em economia pela USP.

Essa história surpreende apenas quem conhece poucos imigrantes.

A escolha de deixar seu pais para trabalhar em uma terra estrangeira, muitas vezes sem saber a nova língua, reflete uma ousadia surpreendente para a maioria de nós.

A disposição para enfrentar uma realidade estranha reflete qualidades pessoais e resultam em notáveis histórias familiares nas diversas colônias, para benefício dos seus filhos e do país que os acolhem.

São Paulo se desenvolveu com imigrantes das mais diversas origens até meados do século passado. Desde então, o país se fechou.

A xenofobia é filha do egoísmo e irmã do preconceito.

Tememos perder um emprego porque apareceu um imigrante que mal fala a nossa língua, porém mais bem qualificado ou com mais disposição para o trabalho.

Há mais de um século, uma poeta escreveu: "Deem-me os seus cansados, e os seus pobres, e as suas multidões apinhadas que anseiam para respirar em liberdade". O país onde este texto foi gravado em estátua deve muito aos imigrantes, porém agora ameaça retroceder.

Nós retrocedemos há 50 anos. O número de estrangeiros em São Paulo encolheu de 13% em 1950 para 1,5% em 2013. No Brasil, menos de 1% da população nasceu no exterior, contra 13% nos Estados Unidos.

O Estatuto do Estrangeiro, de 1980, e as suas diversas restrições à imigração, reflete a paranoia da ditadura com a segurança nacional.

Uma proposta: vamos retomar a abertura à imigração, que tantos benefícios trouxe ao Brasil até meados do século passado?

Essa abertura é ainda mais urgente com o fim do bônus demográfico. A população ativa vai começar a decrescer em 15 anos. Por que não acolher imigrantes que desejam trabalhar e garantir a seus filhos o mesmo que nossos pais conseguiram?


08 de novembro de 2016
Marcos de Barros Lisboa, 52, é doutor em economia pela Universidade da Pensilvânia. Foi secretário de Política Econômica no Ministério da Fazenda entre 2003 e 2005 e é Presidente do Insper.
Folha de SP

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