"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

segunda-feira, 21 de novembro de 2016

COM TODOS OS BENS JÁ INDISPONÍVEIS, PARA QUE SERVE A PRISÃO PREVENTIVA DE CABRAL?


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Prisão preventiva de Cabral não tem justificativa jurídica
A questão é apenas jurídica. Diz a Constituição Federal que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Ou seja, a pessoa só vai para a cadeia após esgotar todos recursos contra a condenação. Essa maravilha que tanto beneficiou Pimenta Neves e Luiz Estêvão, já não existe mais. Em decisão recente, com força de repercussão geral, o Supremo Tribunal Federal, de forma indireta, alterou (e por que não dizer emendou?) a Constituição para determinar a imediata prisão de réu condenado por tribunal, mesmo que a decisão não tenha transitado em julgado e comporte recurso.
Mas ainda resta de pé esta outra disposição constitucional que é a que só permite a prisão de uma pessoa em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente. Sem flagrante, a prisão de um indiciado em inquérito policial ou réu de ação penal somente poderá ser decretada a título de prisão preventiva, provisória ou temporária, e justificadamente.
O DECRETO DE PRISÃO – Tem-se visto ultimamente, e por causa da corrupção, a decretação de muitas prisões temporárias e preventivas. A mais recente e também de grande repercussão, foi a decretação da prisão preventiva do ex-governador do Estado Rio de Janeiro, Sérgio Cabral. O decreto da prisão preventiva de Cabral contém 124 páginas. E além da sua prisão, as prisões preventivas e temporárias de outras pessoas também foram decretadas.
O decreto também determina muitas outras diligências. Sem mencionar todas, porque não caberiam transcrevê-las no espaço deste artigo, o juiz ordena conduções coercitivas, sequestros, arrestos, bloqueios e indisponibilidades de bens, móveis, imóveis e semoventes de Sérgio Cabral, buscas e apreensões em residências, escritórios….Enfim, uma série de medidas cautelares que foram todas elas rigorosamente cumpridas pela Polícia Federal.
Daí a razão de o Juiz ter levantado (permitir a divulgação) o “Segredo Absoluto de Justiça” que ordenou no próprio decreto, segredo que ficou mantido até a finalização de todas as diligências policiais. E uma vez terminadas as diligências, tudo que foi feito deveria ser do conhecimento público “uma vez que não há causa determinante que justifique a inobservância da regra constitucional de publicidade dos atos judiciais”, escreveu o juiz. Só então os jornalistas tiveram conhecimento oficial dos fatos que ocorreram na quinta-feira passada, 17 de Novembro.
CABRAL NU E JÁ EXECRADO – Não se questiona aqui o que fez de errado Sérgio Cabral. Nem as acusações que a Polícia Federal e o Ministério Público Federal direcionaram contra o ex-governador. Mas é de se reconhecer que Cabral é hoje um homem nu. Nu e já posto à execração pública, que nem mesmo sua eventual condenação o sujeitará a tanto. Todos os seus bens estão indisponíveis por ordem da Justiça. Nada pode vender e nada pode comprar. Sua conta, ou suas contas bancárias, dele e de sua esposa, se mais de uma conta, estão bloqueadas.
Tudo que era para ser buscado e apreendido em sua casa e nos endereços indicados foi apanhado pela Polícia Federal. E se algo restou é porque não era do interesse da Justiça. Sérgio Cabral  não era e continua não sendo um indiciado, vez que contra ele não havia e nem há inquérito instaurado. Nem muito menos réu, porque não existia — e continua a não existir — ação penal contra sua pessoa.
Cabral nunca foi chamado a depor, na Polícia e/ou na Justiça. A ele não foi dado o direito de ser ouvido, de apresentar defesa, de conhecer as acusações que existiam contra si. Se as medidas cautelares que o juiz decretou eram mesmo devidas e necessárias, todas elas foram diligenciadas e cumpridas.
FUMAÇA E PERIGO – No decreto prisional, o juiz invocou as máximas do Direito Romano, o “fumus comissi delicti” e o “periculum libertatis“. Com todo respeito, procede a indagação: qual a fumaça do cometimento de delito pode exalar de um homem nu, exposto à execração pública e sem dispor de seus bens?. E que perigo representa Cabral fora da prisão, em liberdade? Há mais de dois anos e meio que deixou de ser governador. Diz a lei que a prisão preventiva, mesmo aquela que se justificou devida e urgente, deve ser revogada pelo desaparecimento de motivo para que a mesma subsista (Código de Processo Penal, artigo 282, § 5º, com a redação da Lei nº 12.403, de 4.5.2011).
UMA PRISÃO SEM UTILIDADE – Aqui não se está questinando os crimes que a Polícia Federal e o MPF imputam a Cabral. Nada disso. Se os cometeu, Cabral pagará pelo que fez de errado. É para mim é muito duro dizer isso, porque votei nele e sempre apostei na sua probidade.
Não me saem da lembrança dois fatos de sua administração: o dia da tomada pelas polícias e pelas Forças Armadas do conjunto de favelas do Alemão, com os bandidos batendo em retirada e as lágrimas que Cabral derramou no pátio da Escola Tasso da Silveira, em Realengo, naquele triste dia da chacina dos alunos.
Mas, mesmo que sejam verdadeiras as acusações contra ele, que se dê a Cabral o sagrado direito de defesa, do devido processo legal, do contraditório, conforme consta na Constituição Federal.
DIREITO AO PROCESSO – Se aos  que restaram condenados após se submeterem ao devido processo legal e que cumprem pena nos cárceres, a Constituição assegura o respeito à sua integridade física e moral (artigo 5º, XLIX), que se respeite também os direitos à integridade do regular processo a que toda pessoa humana tem direito.
Daí a pergunta: se o ex-governador já não mais dispõe de seus bens e sua pessoa está numa situação análoga à dos interditos, para que serve, então, a prisão preventiva de Sérgio Cabral, que não é indiciado em inquérito, não é réu em nenhuma ação penal e muito menos condenado por um tribunal?

21 de novembro de 2016
Jorge Béja 

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