Charge do Sinovaldo, reprodução do Diário de Can |
O governismo parece feliz feito pinto no lixo. Comemora a derrota da esquerda na eleição, que não chegou a ser vitória do Planalto. Antecipa vitória decisiva, a aprovação do “teto” de gastos no Congresso Nacional, que seria, porém, apenas a garantia de sobrevida em um tratamento longo e incerto.
Mas há motivos para acreditar que vai se assentando o novo bloco de poder. O governo junta forças e vitórias relevantes, razões que a oposição quer desconhecer. A tunda na esquerda contribui para desmoralizar a oposição às reformas de Michel Temer. Encoraja quem pretende atravessar a “ponte para o futuro” mais liberal. Não mais que isso.
Mais relevante, o governo até aqui demonstra organização parlamentar. Arregimenta apoio prático mais amplo entre os donos do dinheiro, mas não só, visível na campanha empresarial pela aprovação do “teto”.
BLOCO DE PODER – Temer aprova leis importantes e distribui graças pacificadoras. Assim atenua oposições e assenta peças do “bloco de poder”, a junção de forças políticas e socioeconômicas que acabam dando direção geral e base ao governo.
Não é novidade, mas convém ressaltar as vitórias no Congresso, desde maio. O governo acaba de aprovar a mudança no pré-sal. Alivia a Petrobras, que aliás vai reformando, e atrai petroleiras privadas, bloco importante de investimento. Acaba de ampliar o Simples, menos imposto para a massa de pequenos empresários.
Noutra frente, Michel Temer apaziguou os servidores por uns dois anos, com reajustes. Amenizou o arrocho de gasto público e social enquanto estiver no poder. Enfrenta o problema quase insolúvel da ruína iminente de vários Estados, mas aliviou a dívida de todos e ainda soltará algum capilé.
RUAS ESVAZIADAS – Conversa bem com os governadores. Faz aliados no mundo de quem tem voz. “As ruas” se esvaziam. Apesar da impopularidade do presidente, que no entanto jamais foi popular, a confiança no futuro da economia ainda cresce.
O conjunto dessa obra precária e a crença de que a aprovação do “teto” está no papo suscitam propagandas e autocongratulações precoces. Isto é, de que vai começar a era do milagre do crescimento temeriano.
Não é assim. Caso aprove o “teto”, o governo tem mais chance de sobreviver. Não necessariamente de dar certo. Os juros cairiam bem, fator de algum otimismo adicional e de recessão menor. O que viria depois é incerto.
Mesmo o aumento de renda e massa salarial (de 1%) das estimativas otimistas para 2017 não basta para recuperar o que se perdeu desde 2013. A previsão de crescimento do crédito é zero. O investimento do governo não crescerá; o das estatais deve cair. A ociosidade nas empresas é imensa.
PÂNTANO GRUDENTO – Concessões de infraestrutura começariam apenas no fim do ano que vem, se tanto. Andam mal paradas, sem projetos, sem editais e com indefinição grave de financiamento.
O impulso externo, exportações maiores do que a importações, vai diminuir, dados o real mais forte e alguma retomada do consumo doméstico.
Algo se move, sim, mas num pântano grudento. A esquerda acha que o governo não passa de um golpe reacionário e inviável. A direita, que está por cima da carne seca. Nem isso nem aquilo. O país pode começar a sair do brejo. Mas cá ainda estamos.
12 de outubro de 2016
Vinicius Torres Freire
Folha
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