A Agência Brasileira de Inteligência comunicou em nota que o Brasil teria sido ameaçado, em novembro, pelo Estado Islâmico, por meio de um twitter supostamente assinado por um francês chamado Maxime Hauschard, um “integrante do grupo”, cujo perfil teria sido posteriormente deletado. O assunto, segundo a ABIN, veio à tona por causa de uma palestra do chefe do “Departamento de Contraterrorismo” da agência, no Rio de Janeiro, falando sobre a Olimpíada.
Ora, não se conhecia que a ABIN dispusesse de um “Departamento de Contraterrorismo”, e seria interessante saber sob que circunstâncias ele foi criado, e com autorização de quem, já que essa atitude – que muitos veriam como normal e corriqueira – tem diretas consequências para a diplomacia e as relações externas do país e cabe à Presidência da República, por meio do Gabinete de Segurança Institucional e da Câmara de Relações Exteriores e Defesa Nacional, supervisionar as atividades da organização, e ao Congresso Nacional exercer o controle externo, por meio de órgão composto, entre outros membros, dos líderes da maioria e da minoria na Câmara e no Senado, assim como dos Presidentes das Comissões de Relações Exteriores e de Defesa Nacional das duas casas, como reza a legislação que lhe deu origem.
MUITAS DÚVIDAS
Voltando ao twitter supostamente assinado por Maxime Hauschard, será difícil saber se esse cidadão realmente existe, e, em caso afirmativo, virtualmente impossível comprovar se ele, um “terrorista” foragido, foi realmente o autor da mensagem, ou se “Monsieur” Haushard foi “clonado” e a mensagem eventualmente “plantada”.
O perfil dele, que sequer se sabe se era falso, foi, curiosamente, apagado depois – por agentes de inteligência de outros países interessados em envolver o Brasil com uma doutrina “antiterrorista” que não lhe diz respeito, com o objetivo de assegurar o alinhamento de nossas forças de inteligência e de segurança a organizações congêneres “ocidentais”, levando-nos a tomar partido em uma briga que não é nossa, com uma decisão de administrativa de grande gravidade, que, para ser tomada, precisaria ser discutida no âmbito do Congresso, da diplomacia e da sociedade, de forma ampla, transparente e irrestrita.
UMA AMEAÇA
Se a mensagem tratava, de fato, de uma ameaça, ela não deveria – em benefício da estratégia e da discrição característica dos serviços de inteligência – ter sido divulgada, e, sim, combatida e investigada, em sigilo.
Se, em caso de uma improvável comprovação inequívoca de sua autoria, tratou-se apenas de um episódio irrelevante, de um mero twitter de um “integrante” do grupo, e não de um ameaçador vídeo, com um refém decapitado, por exemplo, como costuma ser feito pelo EI, mereceria menos ainda ter sido digna de nota oficial e de divulgação à imprensa, até mesmo para evitar caracterizar uma reação despropositada e uma postura exagerada de confronto, que poderá, sim, nos criar problemas no futuro.
E BOM PARAR…
Os órgãos de inteligência e de segurança brasileiros precisam parar de querer ficar emulando seus congêneres estrangeiros de potências que se metem na vida e em territórios alheios, como a Europa (via OTAN) e os Estados Unidos, a ponto de terem armado os grupos que deram origem ao próprio Estado islâmico, no início, para derrubar governos estáveis em países que tinham uma vida relativamente normal antes da Primavera Árabe, e que hoje se transformaram em um monte de ruínas.
Os inimigos dos EUA não são, por mais que cresçamos vendo filmes e séries de TV norte-americanas – e muitos quisessem abjetamente ter nascido nos EUA – necessariamente, como por osmose, nossos inimigos.
INTERESSES PRÓPRIOS
Temos, como nação, interesses próprios, ditados por nosso lugar no mundo e nossa posição geopolítica, é com eles que devemos nos preocupar, e entre essas prioridades não está a de ficar vendo ou inventando fantasmas onde não existem, para justificar eventos, leis específicas, ou, indiretamente, a existência de agências de inteligência, que são, sim, extremamente importantes para qualquer nação, mesmo aquelas que não confundem a busca da preservação da paz e da soberania, com eventual fraqueza ou vulnerabilidade.
Antes de se começar a falar em Lei Antiterrorista, não se identificavam “ameaças” contra o Brasil na internet – nem mesmo um mero e discutível twitter.
OLIMPÍADA
É recomendável parar de ficar discutindo exaustiva e publicamente a possibilidade de haver atentados durante a Olimpíada no Rio de Janeiro, antes que eles venham a se confirmar, eventualmente, não por causa da suposta mensagem de novembro, mas como reação à excessiva ligação que o Brasil tem estabelecido, nos últimos tempos, com países ditos “ocidentais” nesse contexto.
O trabalho de inteligência se faz entre quatro paredes, com a preservação, sob segredo, tanto de eventuais preocupações, como das informações coletadas que estejam relacionadas a elas.
NO CÓDIGO PENAL
Com todo o respeito, ao dar publicidade ao “fato” a ABIN faz o mesmo que fez o governo Dilma, ao aprovar uma Lei Antiterrorista desnecessária.
O Código Penal, sem chamar a atenção, e sem qualquer matiz ideológico, bastava para investigar e colocar atrás das grades responsáveis por homicídios ou atentados – inócua – em outros países esse tipo de lei não tem evitado a ocorrência de ataques – e inadequada do ponto de vista diplomático e estratégico: age como se estivesse procurando – correndo o risco de dar bom dia ao quadrúpede – chifre em cabeça de cavalo.
29 de abril de 2016
Mauro Santayana
JB online
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