É ter roubado o sonho dos brasileiros, rasgando a Constituição Federal...
A marcha cadenciada e firme até o microfone apartava seu corpo de seu semblante. O olhar embotado era o de quem parecia despertar de um pesadelo. De quem emergia de um torpor. Diante do púlpito do Palácio do Planalto, às 20h30 da quarta-feira, a presidente Dilma Rousseff comandou: “Vem todos de uma vez”. Era o chamado aos ministros que ela convocara para acompanhá-la naquele difícil pronunciamento. Era o chamado para que ela não estivesse só. Enfileiraram-se a seu lado 11 subordinados. “Bom, boa noite a todos”, disse, como quem não tivesse alternativa a estar ali. A matéria é da Época.
Dilma registrou, inicialmente, a aprovação da nova meta fiscal pelo Congresso, o que evita a paralisia absoluta da máquina do governo. De saída, assinalou uma pequena vitória. Passou, então, a acusar a enorme derrota que sofrera horas antes. Falou da indignação com que recebera a notícia de que Eduardo Cunha, presidente da Câmara, aceitara dar início ao processo de impeachment contra ela. Arqueou as sobrancelhas: “Não paira contra mim nenhuma suspeita de desvio de dinheiro público. Não possuo conta no exterior nem ocultei do conhecimento público a existência de bens pessoais”.
Atacava seu algoz com a arma mais afiada, talvez a última, que tem: a própria reputação. Dilma falou por três minutos, com severidade. Foi o mais grave discurso que fez. O mais fluido também. Quando terminou, novamente com solidez, caminhou diante dos ministros que a cortejavam. Não recebeu cumprimentos. Seguiu, à frente de todos, sozinha.
Estar só, na política, é invariavelmente veneno. Jamais antídoto. Num mundo idílico, Dilma poderia buscar amigos. Presidentes, em geral, têm áulicos aos montes; Dilma tem pessoas temerosas dela, que concordam com tudo o que diz. Nas paragens de Brasília, impiedosas, Dilma carece de aliados reais.
A clausura política em que Dilma está confinada não se ergueu em um dia. Está cimentada por sua história e seu comportamento. A militância contra a ditadura na juventude a imbuiu de resiliência e senso de hierarquia. Mas Dilma alcançou o posto de presidente da República sem a trajetória clássica das disputas eleitorais, na qual teria acumulado vitórias e derrotas, parceiros e adversários. Sem ter exercido ostensivamente a convivência com o contraditório, a negociação. Sua carreira se pavimentou no Executivo, em cargos de segundo escalão e, depois, como secretária de Estado e ministra. São funções em que um toca a máquina pública, o outro obedece. Se, por um lado, são tarefas que exigem disciplina e um grau de competência, por outro não ensinam o delicado exercício da política, que pressupõe ouvir, debater, expor-se, vencer e perder.
Por um longo período, Dilma optou por não ampliar sua agenda para a conciliação que torna as gestões possíveis. Esse temperamento lhe rendeu críticas, especialmente a partir das manifestações de 2013, quando a crise política bateu à porta. Dilma gosta de se aprofundar nos detalhes de cada projeto, no que seus subordinados chamam de “sessões de espancamento”. Ficaram famosas suas broncas, inclusive em ministros, que ultrapassavam os limites mais elásticos da tolerância.
Administrar em níveis tão profundos é tarefa para gerentes, não para presidentes; estes são cobrados por escolher as pessoas certas para executar suas diretrizes. Assim, como o tempo é finito, Dilma gastou o seu mais com o que poderia delegar, mas gostava de fazer, do que com o que deveria fazer, mas não lhe apetecia. Na terça-feira passada, Dilma mudou seu comportamento: conduziu, ela mesma, uma reunião com mais de 30 deputadose senadores da frágil base aliada de seu governo para convencê-los a trabalhar, sem respiro, pela aprovação da nova meta fiscal. Quando se dedicou à política, Dilma conquistou o que precisava. O projeto de lei foi aprovado.
Pode ter sido tarde. Até aqui, Dilma evitou quanto pôde auxiliares e políticos. Em seu primeiro mandato, só se encontrava com parlamentares e ministros no formato engessado das reuniões coletivas – que os políticos odeiam. A inaptidão de Dilma quase inviabilizou seu governo. A presidente enviou projetos ao Congresso sem consultar os líderes dos partidos, o que gerou derrotas.
Ao desdenhar do vice, Michel Temer, prescindiu de um dos homens mais capazes de fazer as coisas acontecer na Câmara e no Senado. O preço pela falta de apetite por política parece ter se tornado impagável nas últimas semanas. Dilma não consegue que sua base, formada, em tese, por mais de 300 deputados, evite as manobras de seus muitos e muitos adversários. Não conseguiu sequer que três deputados de seu partido, o PT, assumissem o difícil ônus de, em nome de salvá-la, salvar também o presidente da Câmara, Eduardo Cunha – ele mesmo um ameaçado de perder o cargo por ser um dos investigados por envolvimento no petrolão. Os três deputados optaram por obedecer ao PT – o presidente do partido, Rui Falcão, os orientou a enfrentar Cunha. Uma presidente da República com tão pouca força política é tão anormal quanto uma presidente que enfrenta um processo de impeachment.
. Dilma está atada a um paradoxo. Enquanto sua fraqueza é não saber fazer política, sua virtude é a conduta oposta àquelas associadas aos políticos. Hoje, o maior capital de Dilma é a percepção da população de que ela não é corrupta. De que ela está encurralada por motivos financeiros diversos daqueles que expulsaram Fernando Collor do poder, em 1992.
Dilma se regozija com reforçar essa imagem. Um episódio célebre da presidente foi aquele aniversário, em dezembro de 2012 (sim, Dilma vive seu inferno astral). Ministros e auxiliares foram celebrar, com ela e a filha, em um jantar num restaurante em Moscou. A divisão da conta ficou em R$ 830 por boca. Dilma sacou seu cartão de crédito pessoal e pagou sua parte. Constrangidos, todos tiveram de pagar do próprio bolso, com cartão de crédito, para comprovar o gasto. Em outros tempos, a despesa sairia dos cofres públicos, via cartões corporativos. Não com Dilma. Talvez por isso, enquanto 65% dos brasileiros queriam que o Congresso abrisse um processo para afastá-la do poder, 81% esperavam que o mandato de Eduardo Cunha fosse cassado – ele, sim, acusado de receber dinheiro desviado de negócios da Petrobras. Os dados são de uma pesquisa do Datafolha.
O isolamento da presidente Dilma está também em sua vida privada. Sua filha, Paula, que está grávida, e seu neto, Gabriel, moram em Porto Alegre. Dilma, que é divorciada, vive no Palácio da Alvorada apenas com a mãe,Dilma Jane, de 92 anos. Desde que dona Dilma adoeceu, a filha almoça todos os dias em casa quando está em Brasília. Elas estão juntas no Alvorada desde 2011. Arilda, uma tia de Dilma que completou o trio por um tempo, voltou a morar em Minas Gerais no final do ano passado. Os presidentes desde a redemocratização eram políticos, com amigos na política. Não é o caso de Dilma. Nos finais de semana, é comum a presidente telefonar a ministros e auxiliares mais próximos para ter com quem conversar. Vencer o delicado momento do impeachment, para Dilma, é antes derrubar seu claustro.
05 de dezembro de 2015
in coroneLeaks
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