Com ou sem Joaquim Levy no Ministério da Fazenda, o Brasil caminha para o “caos profundo” se não mudar de rota. O PT já desperdiçou sua chance e o impeachment — desde que dentro das regras— seria uma solução para destravar a crise, na visão do ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga. No curto prazo, todos os seus cenários são sombrios: o desemprego vai piorar, a inflação corre o risco de desgarrar-se na esteira do dólar, que ainda pode subir.
Para o economista, o país ainda não está barato o suficiente para compensar o risco de investir e, mesmo superada a crise atual, o crescimento não volta se não for equacionada a dívida pública.
O economista, um dos formuladores do programa do candidato tucano Aécio Neves em 2014, foi incisivo sobre a necessidade de mudança política. “Chegou a hora. O PT fez essa lambança toda, imperdoável”, afirmou, ao defender “uma nova liderança”. “Pessoalmente, preferia que fosse o PSDB, mas pode ser qualquer outra, desde que seja moderna.”
Sem pronunciar nem uma vez o nome da presidente Dilma Rousseff —substituído por “ela”, “a chefe dele [Levy]” e “para quem ele trabalha”—, Fraga diz que, apesar da atual crise política, existe uma janela para reformas mais amplas.
“Pode-se chegar a um ponto em que o medo domine e, se houver um mínimo de dignidade política e diagnóstico, pode ser que comece o processo.” Um “bom sinal”, para ele, foi a apresentação pelo PMDB do documento “Ponte para o Futuro”.
“Temos que mostrar que uma alternativa mais transparente e mais liberal, com um Estado melhor, é muito mais progressista que o que tivemos aqui. O modelo atual é um modelo saturado, um Estado que no fundo não atende aos mais pobres. Eles foram beneficiados, sim, com melhorias importantes, mas há um dinheiro enorme indo para outros lugares e sendo desperdiçado. Essa é uma boa briga política.”
Já batemos no fundo do poço?
Não acredito, não. Infelizmente, até para estabilizar vai ser preciso trabalhar bastante. Não vou dizer que seja um poço sem fundo, mas não se corrigirá sozinho.
Existe solução econômica que não passe pelo fim da crise política?
Precisa acontecer ao mesmo tempo um entendimento de qual é o cardápio, do que é preciso fazer, e um quadro político que permita essa tomada de decisão. Conscientização e execução.
O quadro hoje é caótico. Qual seria a solução? Há muitas possibilidades
A presidente fica? Não fica? É um caminho mais político? O próprio TSE? Difícil prever. Há muita coisa acontecendo com uma dinâmica própria. É até bom que tenha mesmo. Mas, em algum momento, é preciso que haja um grupo suficientemente coeso que faça essa aposta. Essa mudança recente de posição do PMDB, com a proposta, foi um passo importante.
O impeachment é uma solução?
Pode ser. Qualquer coisa que aconteça dentro das regras do Estado de Direito vale. O importante é ser feito assim, para que ninguém possa dizer que é golpe. E é assim que está acontecendo. Se for isso, se os fatos em geral levarem nosso Congresso, democraticamente eleito, a tomar essa decisão, ou nosso TSE tomar uma decisão nessa área, que assim seja. Pode eventualmente contribuir para uma solução. Mas não é algo em que se possa dizer “eu quero isso”. Pode acontecer porque somos um Estado democrático, aberto, e as instituições vão funcionar, e, se for isso, que assim o seja. Poderia, sim, poderia destravar alguma coisa, com certeza.
A crise política também é agravada pela espada da Lava Jato pairando sobre o Congresso…
Isso preocupa muito. Outro problema é que muitos ainda pensam que as opções são ou fazer o ajuste ou ser feliz. Isso é absolutamente falso.
Tem sido uma crítica recente do PT em relação ao Levy.
Sim, e pegou. Levy desde sempre não fez uma proposta ousada. Fez uma proposta modesta. Mas foi o que se mostrou possível, dado para quem ele trabalha.
Onde Levy deveria ter sido mais ousado?
As metas já eram desde o início muito modestas e muito específicas no tema fiscal. De lá para cá, só piorou. Não nos esqueçamos de que, falando em fundo do poço, o buraco é muito mais profundo. Em 2003, quando o PT chegou, a herança era de um saldo primário de 3,2% do PIB. Falam do “grande ajuste”: foi de 3,2% para 3,3% do PIB, 0,1 ponto percentual. Como há uma piora vegetativa, podemos falar em ajuste de meio ponto do PIB. Mais ou menos o que está fazendo agora, só que a economia entrou num buraco, houve perda de arrecadação, os números pioraram. Algum ajuste houve, mas depois de uma deterioração de quatro, cinco pontos do PIB… Essa foi a herança que ela própria deixou para si mesma, e que Levy foi deixado a administrar sem poder mostrar que tudo o que está acontecendo foi obra da chefe dele.
Deu no que deu.
Faz-se algum aperto, sempre incomoda, mas é totalmente insuficiente e malfeito. Há muito pouco espaço de manobra.
Com juros altos e PIB caindo, a dinâmica da dívida vai ficar pior, não?
Sim, e, com um primário negativo [gastos públicos maiores que as receitas, exceto despesas com juros], as três peças dessa aritmética estão todas apontando na direção errada.
Isso deve levar à perda do grau de investimento por uma outra agência além da S&P. A perda seria muito negativa, ou o mercado financeiro já antecipou?
O mercado deu uma parada, está em compasso de espera. Houve também um certo alento lá fora, o tom mudou. Houve um movimento global de melhora recente que nos beneficiou. Mas não é uma solução. Nosso problema é interno. A situação lá fora ajuda ou atrapalha um pouco, mas não é decisiva.
05 de dezembro de 2015
Ana Estela De Sousa Pinto
Folha
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