Fazem exatamente sessenta anos. O 11 de novembro amanheceu com o céu enfarruscado, em Copacabana. Do que mais se falava no Rio, há uma semana, era no “golpe”. Ninguém sabia exatamente de onde viria, ainda que as maiores possibilidades apontassem para o presidente interino da República, o deputado Carlos Luz, presidente da Câmara chamado a substituir Café Filho, que como vice-presidente sucedera um ano antes a Getúlio Vargas, que se suicidara com um tiro no peito. Aquela bala, em 1954, evitara o golpe já engendrado por militares radicais e civis igualmente radicalizados, dispostos a afastar do poder um presidente que criara a Petrobras, duplicara o salário mínimo e investigava a escandalosa remessa de lucros das multinacionais para o estrangeiro. Morto, gerara uma comoção nacional em seu favor, adiando o golpe.
Agora, porém, com a eleição de Juscelino Kubitschek para presidente, apoiado pelo getulismo, recrudescera a conspiração para impedir a posse do eleito. Acabava de completar-se uma trama: Café Filho, golpista, pretextara um ataque de coração para afastar-se do palácio do Catete, ensejando a interinidade de Carlos Luz, mais golpista ainda, com a missão de demitir do ministério da Guerra o general Henrique Teixeira Lott, último obstáculo que se opunha à implantação da ditadura. Para ele, o eleito tinha que tomar posse.
Na véspera, 10 de novembro, Luz humilhara Lott, fazendo-o esperar por mais de uma hora na antessala do gabinete presidencial, apenas para forçar sua demissão, por conta da insubordinação de um coronel, Jurandir Bizarria Mamede. Ele discursara no enterro de um general, Canrobert Pereira da Costa, na frente do ministro da Guerra, pregando o golpe. Lott queria punir o subordinado, mas o presidente interino negara a punição, levando o ministro, cioso de suas atribuições, a pedir demissão. Já havia sido convidado um general golpista, Fiuza de Castro, para assumir o Exército e apoiar a anulação das eleições, garfando JK.
Tudo parecia arrumado para no dia 11 o golpe ser desencadeado de cima para baixo. Lott ainda perguntou a Luz se queria que a transmissão do cargo para Fiuza se desse naquela tarde mesmo. Foi o primeiro erro do presidente interino, que certo do sucesso do esquema anti-democrático, sugeriu o dia seguinte.
O ministro foi para casa, no subúrbio do Maracanã, e, como sempre, às sete da noite já estava de pijama. Na sua cabeceira o telefone toca. Era o seu vizinho, comandante do I Exército, general Odilio Denys, que informava estar sua casa cheia de generais e coronéis legalistas, dispostos a impedir o golpe. Lott fardou-se, atravessou o jardim e foi convencido a não aceitar o golpe. Saíram todos para o ministério da Guerra, ao lado da Central do Brasil. Denys já havia preparado a ação do contragolpe, com instruções para os principais comandantes do Exército, em todo o país, botarem a tropa na rua, assegurando a posse do presidente eleito.
Aquela movimentação, na madrugada do dia 11, alertou Carlos Luz e os golpistas, que no Catete viram-se cercados por batalhões legalistas. Conseguiram fugir para o Arsenal de Marinha, onde embarcaram no cruzador Tamandaré, junto com oficiais favoráveis ao golpe, mais o deputado Carlos Lacerda, inspirador da campanha pela ditadura.
Naquela altura, no Rio e no país, os legalistas dominavam. Lott distribuiu uma proclamação justificando a intervenção, que denominou de Movimento de Retorno aos Quadros Constitucionais Vigentes. O poder estava com ele. Informado de que o cruzador dirigia-se para a saída da baía da Guanabara, com a disposição de navegar para São Paulo e lá instalar a resistência, o ministro não teve duvidas, ordenando às fortalezas do litoral carioca: “afundem o Tamandaré!”
Da janela do apartamento onde morava, em Copacabana, ouvi os tiros dos canhões das fortalezas próximas. Como estamos no Brasil, os artilheiros erravam propositadamente o alvo. Como matar brasileiros? O navio não foi a pique e seguiu para o litoral paulista, onde Carlos Luz percebeu que não era mais presidente porque não conseguiu desembarcar, impedido por tropas do Exército. O Congresso já havia empossado o presidente do Senado, Nereu Ramos, como novo chefe do governo. Não fui para o colégio, naquele dia.
11 denovembro de 2015
Carlos Chagas
Agora, porém, com a eleição de Juscelino Kubitschek para presidente, apoiado pelo getulismo, recrudescera a conspiração para impedir a posse do eleito. Acabava de completar-se uma trama: Café Filho, golpista, pretextara um ataque de coração para afastar-se do palácio do Catete, ensejando a interinidade de Carlos Luz, mais golpista ainda, com a missão de demitir do ministério da Guerra o general Henrique Teixeira Lott, último obstáculo que se opunha à implantação da ditadura. Para ele, o eleito tinha que tomar posse.
Na véspera, 10 de novembro, Luz humilhara Lott, fazendo-o esperar por mais de uma hora na antessala do gabinete presidencial, apenas para forçar sua demissão, por conta da insubordinação de um coronel, Jurandir Bizarria Mamede. Ele discursara no enterro de um general, Canrobert Pereira da Costa, na frente do ministro da Guerra, pregando o golpe. Lott queria punir o subordinado, mas o presidente interino negara a punição, levando o ministro, cioso de suas atribuições, a pedir demissão. Já havia sido convidado um general golpista, Fiuza de Castro, para assumir o Exército e apoiar a anulação das eleições, garfando JK.
Tudo parecia arrumado para no dia 11 o golpe ser desencadeado de cima para baixo. Lott ainda perguntou a Luz se queria que a transmissão do cargo para Fiuza se desse naquela tarde mesmo. Foi o primeiro erro do presidente interino, que certo do sucesso do esquema anti-democrático, sugeriu o dia seguinte.
O ministro foi para casa, no subúrbio do Maracanã, e, como sempre, às sete da noite já estava de pijama. Na sua cabeceira o telefone toca. Era o seu vizinho, comandante do I Exército, general Odilio Denys, que informava estar sua casa cheia de generais e coronéis legalistas, dispostos a impedir o golpe. Lott fardou-se, atravessou o jardim e foi convencido a não aceitar o golpe. Saíram todos para o ministério da Guerra, ao lado da Central do Brasil. Denys já havia preparado a ação do contragolpe, com instruções para os principais comandantes do Exército, em todo o país, botarem a tropa na rua, assegurando a posse do presidente eleito.
Aquela movimentação, na madrugada do dia 11, alertou Carlos Luz e os golpistas, que no Catete viram-se cercados por batalhões legalistas. Conseguiram fugir para o Arsenal de Marinha, onde embarcaram no cruzador Tamandaré, junto com oficiais favoráveis ao golpe, mais o deputado Carlos Lacerda, inspirador da campanha pela ditadura.
Naquela altura, no Rio e no país, os legalistas dominavam. Lott distribuiu uma proclamação justificando a intervenção, que denominou de Movimento de Retorno aos Quadros Constitucionais Vigentes. O poder estava com ele. Informado de que o cruzador dirigia-se para a saída da baía da Guanabara, com a disposição de navegar para São Paulo e lá instalar a resistência, o ministro não teve duvidas, ordenando às fortalezas do litoral carioca: “afundem o Tamandaré!”
Da janela do apartamento onde morava, em Copacabana, ouvi os tiros dos canhões das fortalezas próximas. Como estamos no Brasil, os artilheiros erravam propositadamente o alvo. Como matar brasileiros? O navio não foi a pique e seguiu para o litoral paulista, onde Carlos Luz percebeu que não era mais presidente porque não conseguiu desembarcar, impedido por tropas do Exército. O Congresso já havia empossado o presidente do Senado, Nereu Ramos, como novo chefe do governo. Não fui para o colégio, naquele dia.
11 denovembro de 2015
Carlos Chagas
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