"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sábado, 10 de outubro de 2015

CONVERSAS E FATOS: FHC E BRIZOLA ANTES E AGORA


A transversal e provocadora entrevista do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, ao jornalista Kennedy Alencar (SBT), sobre o aguçamento da crise brasileira, fatos e figuras da vida nacional, pode até não redundar em outros desdobramentos políticos e jornalísticos, em face do quiproquó em Brasília, depois da rejeição unânime das contas do governo Dilma (2014) pelo TCU. O futuro dirá...

Para mim, a conversa solta e cheia de nuances na televisão, lembrou uma situação vivida com o ex-governador Leonel Brizola, no Uruguai, em outro tempo, também de fortes turbulências e tensões, embora diferentes das atuais: Quando o falecido líder brasileiro penava seus dias de exílio. Cercado de incertezas, desconfianças, ameaças e perigos palpáveis, (às vésperas de sua expulsão do Uruguai, pela ditadura lá então vigente), foi acolhido no calor da hora, para surpresa de muitos, pelos Estados Unidos, sob o governo do presidente democrata Jimmy Carter, nos incríveis anos 70.

A lembrança bateu firme quando o entrevistador, já no final da conversa, perguntou ao ex-presidente sobre seus planos de futuro: "FHC já era", retrucou de bate pronto o líder tucano, com aquele humor típico e fulminante, mas quase surreal e surpreendente nas circunstâncias e no ambiente da conversa.

Em relação ao gaúcho, também referência nacional do seu tempo, devo dizer que já escrevi algumas vezes sobre isso, mas peço permissão para rememorar e contextualizar o fato e comparar as situações. De Brizola, nos anos 70, na pequena província uruguaia de Durazno; e de Fernando Henrique na televisão de Sílvio Santos, em São Paulo, no passado fim de semana.

No caso que testemunhei pessoalmente, o encontro e a conversa se deram longe das câmeras, embora tenham sido trazidos à baila anos mais tarde. Durante uma entrevista de Brizola, - então candidato a presidente da República (Collor foi o eleito), na TV Aratu, na Bahia, da qual participei como repórter da sucursal do Jornal do Brasil, - quando o gaúcho, candidato do PDT, pontificava nas pesquisas eleitorais e disputava com o fundador do PT, qual dos dois passaria para o segundo turno e travaria o embate decisivo com o "caçador de Marajás das Alagoas". O resultado foi a disputa final com Lula e o desastre que se conhece.

A conversa com Brizola, no exílio, se deu dois meses antes do ex-governador do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro receber da recém implantada ditadura uruguaia, o ultimato da sua expulsão daquele país nas proximidades das fronteiras dos pampas com o Brasil.

Posso afirmar, (apesar da controversa boataria e informações carentes de apurações (ou maculadas por perversidades e ardilosas mentiras ideológicas): o líder trabalhista ainda nem imaginava que estava prestes a ir parar nos Estados Unidos. Isso na penúltima fase do doloroso êxodo do líder brasileiro, ex-governador do importante estado do Rio Grande do Sul, mas sem direito sequer a um passaporte diplomático para a arriscada viagem. As aves de rapina militares da Operação Condor, pousadas sobre todas as ditaduras da América Latina, fechando o cerco sobre ele.

Brizola parecia abatido, quase a ponto de "jogar a toalha", quando fui encontrá-lo na estância herdada da família Goulart, por sua mulher, Dona Neusa (irmã de Jango, o presidente deposto pelo golpe de 64), no povoado de Carmen, a uns 200 quilômetros de Montevidéu. Estava com Margarida (então em A Tarde), e o também jornalista e querido amigo Paulo Cavalcante Valente ("maior e mais leal amigo de sempre de meu pai”, conforme ouvi de Neusinha), também exilado em Montevideu, que intermediou a conversa em Durazno. Paulo sim, com bons contatos nos Estados Unidos desde o new deal governo do presidente Roosevelt, um dos principais responsáveis pelas negociações que resultaram na abertura do Governo Carter para receber o exilado e perseguido brasileiro.

Foi nessa condição que encontrei Brizola. Mas pulo partes relevantes da longa conversa que tivemos, dona Neusa presente e participante, o dia inteiro e parte da madrugada, para recordar o episódio referido no começo dessas linhas. Pedi autorização a Brizola para que Margarida fizesse algumas fotos dele como recordação do encontro. Com elegância, mas firme, ele disse não. Apontando para a netinha Laila, que ensaiava os primeiros passos na sala da casa, falou:

"Brizola é passado. Fotografe a minha neta, que é o futuro". Margarida então fez varias fotos de Laila e da casa da estância, uma delas publicada na primeira página do JB (sem crédito), quando Brizola deixou o Uruguai com destino aos Estados Unidos. Mais tarde, depois de passar po Portugal, retornaria ao Brasil, para ser e fazer ainda muitas coisas, como se sabe, incluindo ser governador do Rio de Janeiro, por duas vezes e disputar a presidência do seu País.

Lembrei isso na entrevista da TV em Salvador e Brizola retrucou ao seu jeito que cada dia faz mais falta e dá saudades. "São as contingências, baiano. As contingências".

É isso. Quanto ao "já era” de FHC e suas contingências o futuro dirá. A conferir.



10 de outubro de 2015
Vitor Hugo Soares

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