No penúltimo domingo, o Brasil viu a segunda maior manifestação política de sua história. Por volta de 900 mil pessoas em 250 cidades foram às ruas pedir a saída de Dilma Rousseff da presidência, seja por impeachment, cassação ou renúncia. Tudo isso sem o apoio explícito da imprensa, dos formadores de opinião, da classe artística, dos chamados “movimentos sociais” e/ou do movimento estudantil – todos ideológica ou financeiramente presos ao governo.
Dilma e sua trupe, claro, torciam contra e até manipularam junto à imprensa uma versão de que os eventos convocados no 16 de agosto teriam saído aquém do esperado. Mas fato é que, uma semana depois, evidentes resultados são percebidos e o objetivo daqueles que pediram a saída do PT parece mais próximo do que nunca – mesmo que ainda distante.
A revolução começa numa fanpage
Na segunda-feira, 17 de agosto, FHC surge no Facebook sugerindo a Dilma que fizesse um gesto de grandeza e renunciasse. Mas o principal só seria revelado pela imprensa horas depois. O ex-presidente almoça com Aécio Neves e Geraldo Alckmin no intuito de convencê-los a unificarem o discurso pela queda da presidente.
Eliane Cantanhêde, em coluna após participação no Roda Viva que entrevistou o senador, “aposta” que tudo teria partido de José Serra, ou o tucano que mais ganharia com um governo Temer graças à promessa de um ministério da fazenda caindo-lhe no colo. Verdade ou não, o ex-ministro da saúde responde na TV que “subscreve” tudo o que sugeriu o pai do Plano Real.
No desespero, Dilma reprisa iniciativa de Collor
A exemplo do ex-presidente, que exigiu dos funcionários da Caixa atos na defesa da manutenção do próprio mandato, Dilma colocou seus “movimentos sociais” para ocupar as ruas do país em dia útil e fazer uma suposta defesa da democracia aos gritos de “fora, Cunha”. Coincidentemente ou não, na mesma tarde em que Rodrigo Janot pediu multa de 80 milhões de dólares e 184 anos de cadeia para o presidente da câmara dos deputados.
Perto do ocorrido em 16 de agosto, o evento em defesa do governo findou minúsculo, mas nada disso impediu a imprensa de reverberar o que queria a presidência da república. No caso, que o impeachment havia sofrido um forte resfriamento quando da acusação oferecida por Janot.
Gilmar Mendes manda Janot investigar Dilma
A sede de Janot para caçar os adversários do PT só se compara em intensidade ao corpo mole que faz quando a denúncia atinge algum petista. Seus defensores teimam em confundir o trabalho feito por Sérgio Moro em Curitiba com o realizado pelo PGR em Brasília. No entanto, o que se sabe é que, na capital do Brasil, o Ministério Público já se declarou incapaz investigar a presidente mesmo havendo um entendimento diferente no próprio STF. E alguns colunista já escaparam que nem mesmo Edinho Silva, tesoureiro da campanha de Dilma, enfrenta grande risco de ser investigado.
Mendes, que sempre parece em sintonia com o PSDB, aproveitou que Janot pesou a mão contra a dupla Cunha & Collor e deu-lhe ordens explícitas para que passe a limpo um punhado de denúncias sobre uso de empresas fantasmas pela campanha da atual presidente.
PMDB ainda sustenta o governo
Collor nutria esperanças de que concluiria o mandato até o PFL, o maior partido daquela base, abandonar o barco em 31 de agosto de 1992. Hoje, neste papel, há o PMDB, principalmente o do senado. É com promessas de impunidade a Renan Calheiros que Dilma pretende reverter as derrotas colecionadas na câmara dos deputados com o desafeto Eduardo Cunha. Mas não só lá. Eliseu Padilha, com meio bilhão de reais em cargos no colo, é um dos principais defensores de que o partido com o maior número de prefeitos do país evite tomar qualquer grande decisão antes das eleições de 2016.
O problema é que o Datafolha mediu a aprovação de alguns nomes junto aos manifestantes que foram à Paulista naquele domingo. Nessa medição, Dilma surge com um único por cento de aprovação. Com a margem de erro em 3%, há inclusive a chance de esse apoio se aproximar ainda mais de zero. Todavia, a leitura mais trágica seria feita por uma ala do PMDB: quanto mais próximo um político se posiciona da presidente, pior avaliado fica. Renan surgiu com 2%; Michel, com 5%; e Cunha, um raro caso a declarar guerra contra o PT, com 25%, ou mais de três vezes a soma das aprovações dos primeiro, segundo e quarto nomes da República.
Mas se prepara para sair
Na quinta-feira, o grupo de Temer deu por encerrado o trabalho dele como articulador político. O Valor Econômico cravou que este seria o primeiro passo rumo à oposição. Eliseu Padilha maquinou para que esta guinada ocorresse no mínimo em novembro próximo, mas, logo nesta segunda, foi divulgado pelo próprio vice-presidente que não mais faz a política miúda de interesse do planalto.
A oposição já articulou com Eduardo Cunha como o impeachment de Dilma poderá passar na câmara dos deputados. Segundo apurou Fernando Rodrigues, a estratégia consiste em primeiro tirar das mãos de Cunha a responsabilidade do ato ou seria explorada pelas vozes governista como golpe. Caberia ao presidente da câmara arquivar os pedidos recebidos. À oposição, entrar com um recurso para que um pedido assinado por um opositor seja posto em votação. Desta forma, uma maioria simples garante que o impedimento de Dilma entre para a pauta.
O governo perde a OAB, o Datafolha perde o disfarce
A Ordem dos Advogados, que possui um histórico de apoio às decisões do PT, surge com o presidente exigindo que Dilma peça desculpas ao país. Diferentemente do que faz o presidente do Datafolha, que, em dissimulado governismo, tenta desqualificar as centenas de milhares de pessoas que protestaram tomando por base apenas o estudo feito na avenida Paulista.
A grande diferença
Brasília já discutia o impeachment de Collor há quase um ano quando finalmente se tocam por lá que não havia o que chamam de “povo” na rua. E, para o bem da verdade, os “caras pintadas” só atendem ao chamado após o presidente cometer erros primários, como provocá-los ao pedir que vestissem verde e amarelo.
Uma década antes, quando as ruas foram tomadas pelas pessoas de camisa amarela exigindo o voto direto, já havia políticos e partidos nos palanques os esperando para as Diretas Já.
Em ambos os casos, a população vai às ruas não para dar início a uma vontade política, mas para referendar uma decisão já tomada por um punhado de lideranças. É essa a grande diferença para o que hoje ocorre nas ruas do Brasil.
As três maiores manifestações da história brasileira
É possível carimbar 2015 como o ano em que se produziu as três maiores manifestações políticas da história brasileira. O conquistado até aqui parece pouco, mas a missão é muito mais complexa. Num primeiro momento, conseguiu-se obrigar a imprensa – governista como nunca – a debater o tema. O segundo momento vem só com este terceiro ato. Nele, conseguiu-se convencer o PSDB a se portar como oposição.
O problema é que os opositores trabalham apenas de terça a quinta (quando há atividade parlamentar), enquanto o governo se agiliza até nas noites de domingo. Não à toa, é comum nas tardes de segunda a sensação de que a crise esfriou – assim como, nas noites de sexta, que a república está a um passo de cair.
No entanto, é preciso entender que a queda de Dilma é uma ideia que ganha corpo, que se trabalha desde antes da reeleição. Mais especificamente, quando a a capa da Veja confirma, a três dias do segundo turno de 2014, que tanto ela quanto Lula estavam cientes dos absurdos que ocorriam na Petrobras.
Entre a sugestão e o derradeiro voto que colocaria Itamar na presidência, o impeachment de Collor leva exatos 366 dias para amadurecer. Para repetir-se os mesmos passos, o Brasil precisará se livrar de Dilma até o próximo outubro. Mas, ainda que não seja possível a repetição do mesmo rito, haverá outros outubros. Em outras crises, mesmo quando a emenda Dante de Oliveira não consegue passar, ou o PT não consegue o impeachment de FHC em 1999, é a oposição quem se sagra vitoriosa no pleito seguinte. E o que mais há na política brasileira neste momento são políticos acreditando na possibilidade de derrotar Lula em 2018.
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26 de agosto de 2015
Marlos Ápyus
Referências utilizadas
- Veja
Dilma e Lula sabiam de tudo, diz Alberto Youssef à PF
23 de outubro de 2014 - O Estado de São Paulo
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5 de março de 2015 - Merval Pereira
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17 de agosto de 2015 - Roda Viva
José Serra
17 de agosto de 2015 - Folha de São Paulo
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17 de agosto de 2015 - O Estado de São Paulo
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18 de agosto de 2015 - Eliane Cantanhêde
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19 de agosto de 2015 - G1
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20 de agosto de 2015 - Valor Econômico
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20 de agosto de 2015 - Folha de São Paulo
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21 de agosto de 2015 - Fernando Rodrigues
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22 de agosto de 2015 - Folha de São Paulo
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23 de agosto de 2015 - G1
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23 de agosto de 2015 - Folha de São Paulo
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24 de agosto de 2015 - Reuters
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24 de agosto de 2015
26 de agosto de 2015
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