"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

terça-feira, 7 de julho de 2015

SOBRE O DESPUDOR DEMOCRÁTICO

O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, talvez por dever de oficio, reagiu à intensificação do movimento pelo afastamento da presidente Dilma Rousseff acusando a oposição de, inspirada por reprovável “despudor democrático”, estar promovendo o golpismo e o revanchismo eleitoral. 

As declarações de Cardozo foram feitas no mesmo dia em que o Estado publicou artigo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso contendo uma lúcida e aguda análise do papel das oposições diante da crise que o País enfrenta. 
Argumentou o ex-presidente que das oposições se espera que não tenham “o propósito antidemocrático de derrubar governos, mas tampouco o temor de cumprir seus deveres constitucionais, se os fatos e a lei assim o impuserem”.


Em entrevista à Folha de S.Paulo, o ministro da Justiça afirmou: 
“É de um profundo despudor democrático e de um incontido revanchismo eleitoral falar em impeachment da presidente como têm falado alguns parlamentares da oposição”. E acrescentou: “O desejo de golpe sob o manto da aparente legalidade é algo reprovável do ponto de vista jurídico e ético”.

Preocupado em mostrar serviço por pressão de seu próprio partido, Cardozo equivoca-se. As condições para que a discussão sobre eventual afastamento da presidente da República tenha entrado na agenda política não foram dadas pela oposição, mas pela própria Dilma Rousseff e pela incompetência de seu governo, que têm sido alvo de duros ataques até mesmo por parte do ex-presidente Lula. 

Foram as investigações da Lava Jato e as delações premiadas, e não a oposição, que levantaram suspeitas sobre a arrecadação de recursos na campanha reeleitoral de Dilma, abrindo a possibilidade de o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) vir a cassar-lhe o mandato. 

É o Tribunal de Contas da União (TCU), e não a oposição, que acha que as “pedaladas” fiscais de Dilma atentam contra a Lei de Responsabilidade Fiscal e por isso ameaça reprovar as contas, o que abriria a possibilidade de, neste caso, o Congresso cassar-lhe o mandato. Não havia nada parecido com tudo isso quando, na oposição, o PT do ministro Cardozo sentiu-se no direito de exigir “Fora FHC”, por despudor democrático.

As condições políticas que estimulam a discussão do impeachment no âmbito do Congresso foram criadas pela incompetência de Dilma e de seus conselheiros políticos que, sob o efeito inebriante da vitória eleitoral em outubro, tiveram a pretensão de passar por cima de seu principal aliado, o PMDB, e impor sua vontade na eleição do novo presidente da Câmara dos Deputados. Deu no que se vê.

Não é, portanto, o “despudor democrático” da oposição que está colocando em risco o mandato de Dilma Rousseff. As forças políticas que se opõem ao governo têm a responsabilidade – enfatizada por Fernando Henrique – de apontar um rumo para o País diante da crescente possibilidade de que Dilma seja legalmente impedida ou até mesmo se afaste espontaneamente da Presidência da República.

Se isso vier a ocorrer terá sido o resultado não de um golpe, como querem os defensores da presidente, mas da aplicação das medidas constitucionais destinadas a garantir a estabilidade das instituições republicanas, hoje ameaçadas – nunca é demais repetir – pela corrupção apascentada por eminentes líderes do PT e aliados, pela incompetência gerencial e pela desastrada ação política da chefe do governo, que resultaram na ampla reprovação popular a seu desempenho.

É preciso levar em conta ainda o fato de que o afastamento de Dilma pode representar, por paradoxal que pareça, o melhor caminho para a sobrevivência, no prazo mais curto, do projeto de poder do PT e da ambição de mando de seu principal líder. Pois parece ser isso o que leva Lula, diante da improvável perspectiva de recuperação da economia em tempo hábil para tornar possível a sua eleição em 2018, a dar uma no cravo e outra na ferradura quando se refere a sua criatura, sinalizando a intenção de descolar-se do desastre em que se transformou o governo de sua pupila e sucessora.

Com o impeachment ou a renúncia de Dilma, quaisquer que sejam os desdobramentos constitucionais, Lula estaria livre para assumir o comando da oposição com tempo suficiente para destilar o discurso de vendedor de ilusões que sempre embalou sua carreira populista. Aí sim, se consumaria o verdadeiro despudor democrático.

07 de julho de 2015
Estadão

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