"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

terça-feira, 7 de julho de 2015

O PAPA E A CRISE CIVILIZATÓRIA E HUMANITÁRIA



Quando soube da nova encíclica do papa Francisco, lembrei-me de um judeu, meu professor Ignacy Sachs. Há 45 anos, ele abriu meus olhos para o limite “ao” crescimento, devido às restrições físicas, e para o limite “do” crescimento, pela impossibilidade de o consumo supérfluo fazer uma humanidade mais feliz.
Mas, por décadas, aqueles que indicavam os limites “ao” e “do” crescimento propondo um novo modelo de desenvolvimento para as nações foram rejeitados pela “teologia do crescimento”. A ideia do progresso como sinônimo de produção e consumo crescentes domina o pensamento social como uma doutrina religiosa. A escassez de recursos e as mudanças climáticas passaram a mostrar os limites físicos da natureza; a desigualdade social crescendo ao ponto de quase romper o sentimento de semelhança entre os seres humanos; o vazio existencial e as crises econômicas mostraram os limites éticos do crescimento.
Quando a palavra “decrescimento” passou a ser utilizada como uma alternativa, escrevi sobre o assunto; um leitor publicou crônica em outro jornal dizendo que eu havia sido submetido a uma lobotomia. Na verdade, a insanidade na voracidade do processo da produção e consumo há quase 50 anos apresenta indicadores de esgotamento. Apesar da crise ecológica, a “teologia do crescimento” continuou dominando o pensamento social e a prática política; e as críticas ao crescimento como vetor do progresso humano continuam sendo denunciadas como gestos de insanos.
SEM ESTADISTAS
O mundo atual não tem estadistas porque os políticos estão divididos entre aqueles prisioneiros da lógica do impossível crescimento econômico ilimitado e para todos e aqueles considerados “lobotomizados”, porque apresentam alternativas de outro futuro, negando as bases filosóficas e econômicas da civilização industrial. A nova encíclica do papa Francisco traz um raio de luz para o debate sobre o futuro desejado e possível para a humanidade. Sua fala vai provocar uma luz na escuridão do debate político no mundo de hoje. Ainda mais: ele oferece uma “teologia da harmonia” para substituir a “teologia do crescimento”.
Com sua encíclica, o papa Francisco se sintoniza com a crise civilizatória e humanitária – desequilíbrio ecológico, divisão social, migração em massa, desemprego, violência, intolerância – e propõe a necessidade de construirmos uma nova civilização, na qual o crescimento seja um instrumento, mas não o propósito em si; e o decrescimento na produção, em alguns lugares e para certas camadas da sociedade, passe a fazer parte das estratégias de evolução humana.
Com sua autoridade moral, ele contribui para que o debate não mais seja entre o socialismo, que não deu respostas, e o capitalismo, que deu respostas erradas, mas entre a civilização regida pela “teologia do crescimento” e a civilização orientada pela “teologia da harmonia” entre os seres humanos e destes com a natureza que os sustém.

07 de julho de 2015
Cristovam Buarque

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