"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

segunda-feira, 15 de junho de 2015

BILDERBERG, UM CLUBE PARA POUCOS


Interalpen Hotel, no Tirol: Local do encontro que um dai já foi 

Toda combinação de poder com sigilo produz teorias conspiratórias. E quanto maior o poder e mais draconiano o sigilo, mais delirantes serão as suspeitas de tramas, complôs, perversidades por trás do oculto.

Sob essa ótica, a conferência anual do Grupo Bilderberg, que se encerra hoje num inacessível resort cinco estrelas da Áustria, é um prato cheio. Cento e trinta e três participantes de 21 países da Europa e América do Norte terão passado três dias num conclave de poderosos sem similar. De forma reducionista, pode-se dizer que Bilderberg é tudo o que Davos pretendeu ser antes de perder o rumo, e produz mais resultados subterrâneos do que uma cúpula do G-7 ou G-8.

Talvez, justamente, por não abrir mão de seu perfil de sociedade secreta, avessa aos sopros de transparência que já chacoalharam até mesmo os portões de entrada da Fifa.

Tem sido assim desde 1954, quando a entidade foi criada pelo príncipe Bernhard da Holanda, um alemão de nascimento e nazista de coração, com o propósito declarado de “promover o diálogo entre a Europa e os Estados Unidos”. Por anódino, o propósito não tardou a levantar suspeitas.

Para os milhares de jornalistas que cobriram a reunião de cúpula do G-7 no sul da Baviera até a quarta-feira, foi inútil saber que o resort austríaco InterAlpen, palco do conclave do Bilderberg que começaria no dia seguinte, estava a meros 25 quilômetros de distância.

Nem valia a pena se deslocar. Como nas 60 edições anteriores, o acesso lhes estaria vetado. A blindagem de segurança, ali, seria mais rígida do que o aparato montado para a cúpula do G-7 com Angela Merkel e Barack Obama.

De fato, uma zona de exclusão de 50 quilômetros tinha sido imposta ao redor do hotel, um sistema especial de radar fora instalado como apoio logístico e helicópteros Kiowa com metralhadoras estariam patrulhando a área.

Ademais, as reuniões, seu conteúdo e conclusões sempre se desenrolam em regime de blecaute total de informação. Vazamento zero e nenhuma possibilidade de contato com qualquer participante. Segundo as regras dos bilderbergers, as reuniões não são gravadas, ninguém faz anotações, não são emitidos comunicados, relatórios, conclusões nem resumos, não são realizadas votações, ninguém dá entrevista.

A entidade fechada dispõe de um porta-voz que recita o que consta no site da instituição, mas até mesmo o seu nome é mantido em sigilo. Porta-voz sem nome é outra singularidade do grupo.

Diante da inutilidade de pretender fazer uma cobertura séria do evento, o jornal britânico “The Guardian” destaca há seis anos seu repórter Charlie Skelton, de veia satírica, para fazer uma cobertura alternativa. Um sucesso.

As duas únicas concessões do Grupo Bilderberger à mídia — e mesmo assim somente na véspera de cada edição — são a divulgação da lista de participantes e dos temas genéricos a serem tratados na conferência. Este ano, foram 133 os participantes da elite política, empresarial e acadêmica de 21 países dos dois lados do Atlântico.

E como os trabalhos são movidos a sigilo, eles podem reunir membros do MI6 britânico, vilões execrados da Goldman Sachs ou do HSBC, generais da Otan e executivos de altíssima voltagem sem que respingue nada. Nem o nonagenário Henry Kissinger faltou, apesar de ele ficar ao alcance do Judiciário europeu se algum dos processos movidos contra ele no velho continente fosse movimentado.

Dos 15 temas listados para a edição de 2015, nenhum pareceu abordar mudança climática, fome mundial, desigualdade entre ricos e pobres, problemas migratórios. A julgar pelos títulos, que são listados por ordem alfabética para evitar interpretações de prioridade, o foco maior se concentrou em questões relacionadas a guerras, como “Armas químicas”, “Rússia”, “Segurança cibernética”, “Terrorismo”.

Por mais genéricos que pretendam ser, os temas divulgados conseguem apresentar surpresas intrigantes. “A privacidade existe?”, por exemplo, foi tema debatido na edição de 2014, realizada num hotel de Copenhagen aprisionado por uma cerca dupla de três metros de altura, com participação de representantes da National Security Agency e Google, entre outros.

A presença da Google no conclave tem crescido bastante, por sinal. Além do chefão Eric Schmidt, que integra o Comitê Organizador da conferência, participaram dois vice-presidentes da empresa, sendo que o nome do departamento de um deles inquietou o bem-humorado repórter do “Guardian”: Google DeepMind.

Não são poucos os conspiromaníacos que consideram o Bilderberg uma sociedade secreta com planos de comandar o planeta e instituir uma nova ordem mundial. Mesmo que não seja essa tribo a fazer o clube da não transparência mudar de modus operandi, a marcha da História se encarregará de encontrar agentes confiáveis para fazê-lo.

15 de junho de 2015
Dorrit Harazim é Jornalista, O Globo

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