"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sexta-feira, 13 de março de 2015

CAMINHANDO (OU...) E CANTANDO (OU...)

O vice-governador da Bahia usou outros gerúndios, mas Rui Costa avisa: ‘Não tenho motivo para afastá-lo’
Na sexta-feira, quando o repórter Lucas Reis telefonou para o vice-governador da Bahia, João Leão, do PP, pedindo-lhe um comentário a respeito de sua inclusão na lista de políticos arrolados pela Procuradoria-Geral da República, ouviu o seguinte:

“Estou cagando e andando, no bom português, na cabeça desses cornos todos.”

João Leão acumula o cargo de vice-governador do estado com a Secretaria do Planejamento, para a qual foi nomeado pelo governador petista Rui Costa. Feito o estrago, dois dias depois Leão desculpou-se de forma tortuosa, explicando “a exata dimensão das minhas palavras”:

“Foram considerações feitas num momento de profunda indignação e surpresa. (...) Não há, da minha parte, nenhuma intenção de ofender o Ministério Público, o Poder Judiciário, ou quaisquer outras instituições essenciais na manutenção do Estado Democrático de Direito, nem pessoas.”

Se o doutor tivesse explodido ao sair de um bar ou mesmo de uma missa, tudo bem. Sua declaração foi dada numa resposta à indagação do repórter. Pode ter sido influenciada pela contrariedade, mas a “exata dimensão das minhas palavras” é só uma.

Faz tempo, as pessoas iam para a rua com os versos de Geraldo Vandré:

“Caminhando e cantando

E seguindo a canção

Somos todos iguais

Braços dados ou não”

O doutor Leão ofereceu dois novos gerúndios para a velha letra, mas desta vez os “iguais” são outros. Foi a percepção da diferença que provocou os protestos de domingo, enquanto a doutora Dilma falava.

Passados alguns dias do episódio, sem que se possa atribuir qualquer conteúdo emocional ao que disse, o governador Rui Costa justificou as palavras de Leão: “No momento de dor e revolta você pode acabar pronunciando palavras que não sejam as mais adequadas”. Antes fosse. Nesse caso, seria compreensível que chamasse de “cornos” sabe-se lá quem. (Corno só não era ofensa para Andrew Parker Bowles, o marido de Camilla, namorada do príncipe Charles, atual duquesa da Cornualha.) A essência dos gerúndios seria então “estou pouco ligando”. Sairia a vulgaridade e permaneceria a soberba. Se um cidadão disser isso a um delegado em Salvador, toma uma cana por desacato a autoridade.

O comissário Rui Costa não tem poderes para demitir o vice-governador eleito em sua chapa. Contudo, o doutor Leão é seu secretário de Planejamento e ele informa: “Não vejo motivo nenhum para afastá-lo. Ele foi citado por alguns dos delatores. O que o STF fez foi autorizar o início do processo de investigação”. Não é bem assim. A simples abertura da investigação poderia, a juízo do governador, ser motivo insuficiente para afastá-lo. Tomado ao pé da letra, Leão informou que estava “cagando e andando” para o procedimento que um ministro do Supremo Tribunal Federal autorizou que fosse instaurado em relação a ele.

A linda canção de Vandré, com os gerúndios originais, era um hino para a rua e por isso foi proibida. Com os gerúndios de Leão, ela se torna um hino para o andar de cima:

“Seguindo a canção

Somos todos iguais

Braços dados ou não.”



13 de março de 2015

Elio Gaspari, Folha de SP

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