"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

NÓS, OS QUE ESTAMOS PERPLEXOS


Passará, quando as engrenagens da vida ou do país forem consertadas, lubrificadas, postas em funcionamento sob uma direção competente e séria de condutores que se dão as mãos numa intenção comum: que as coisas melhorem, profundamente, cada dia mais.

Fora isso, é estar como agora estamos, tantos de nós. Natal, novo ano, época de reajustes pessoais e familiares, de encontros, de confraternização sem hipocrisia, ou de resolução: sim, a gente vai tentar melhorar; sim, a gente vai se separar porque como está não dá mais; sim, vou escutar mais meu filho; sim, vou ser mais gentil e amoroso com meus pais; vou sair da armadilha da droga, vou me tratar; vou levar a vida a sério; ou vou sair de casa, vou cair na vida, vou experimentar de tudo e ver no que dá.

Às vezes é: sim, vou cuidar mais de mim mesmo e largar o que me prejudica; vou ser forte, e firme; vou ser um homem de verdade; ou, sim, vou deixar de ser boba, largar a culpa sem sentido e me valorizar.

Com relação ao país, é parecido: vou tentar consertar a bobagem que eu fiz; vou ser mais alerta e cobrar muito mais; vou delatar as mentiras, as armadilhas; vou reconhecer os males, as chantagens, os métodos de compra e venda; vou encarar a realidade de que o país, ou a política, virou um mercado persa; vou prestar atenção.

Quanto você vale? Quanto vale seu partido? Quanto vale seu cargo? Quanto vale seu posto num escalão mais alto? Quanto vale sua deslealdade? E a gente calcula, ou nem calcula e mergulha na lama um pouco mais. Como afunda um pouco mais na desgraceira da vida pessoal, e vamos em frente.

Estamos todos boquiabertos com muita coisa que acontece: delações, provas, prisões, investigações e declarações de culpa ou de inocência.

Ah, a inocência com seus redondos olhos infantis e dedo em riste, enquanto a mente arquiteta mais e mais mentiras, é preciso sobreviver até para desfrutar as fortunas mal ganhas.

As coisas realmente vão mudar? Há quem não tenha preço e não se venda? Há quem resista a muita perseguição ou ameaça? E, se tantos altos postos no país estão ocupados por razões políticas ou pecuniárias, com garantias de mais e mais recompensas, haverá gente suficiente para limpar o recinto e começar a transformar o país? Vai levar tempo para mudar, dizem os mais sérios. Quanto tempo? O tempo de ainda vermos tudo mudado no tempo da nossa vida?

Depende dos anos que nos estão reservados, e isso só os deuses sabem. A nós, comuns mortais, resta torcer, esperar, agir decentemente na vida pessoal, no trabalho, na turma, na família, conosco mesmos. Olhar a cara limpa no espelho a cada manhã e sentir-se bem: não tenho preço.

E tomar em paz o café da manhã, pegar o ônibus de sardinhas em lata, subir no trem atrasado ou que vai quebrar logo adiante, não ter água, e não ter luz, os preços subindo, o trabalho rareando, mas mesmo assim ter esperança: com gente séria e competente, as coisas devagarinho vão melhorar, sobretudo a confiança, essa senhora esquiva que tem andado tão fugidia, e que mesmo agora, ou especialmente agora, espia aqui, espia ali, faz uns acenos amigáveis, mas não se oferece aberta e inteira para sermos mais felizes e mais tranquilos.


Ainda não. Mas em breve, se os deuses permitirem, se os homens conseguirem, se a lei e a decência prevalecerem, se as feridas forem reveladas e tratadas e começarem a curar, se mais homens de bem ocuparem os postos mais importantes, se pudermos de novo olhar para a frente sem nos envergonharmos, aí possivelmente teremos um país convalescendo da longa e lenta enfermidade dos desinformados, dos iludidos, dos aviltados.

Senhora confiança, dádiva de que tanto necessitamos, venha neste Natal e permaneça por todo o ano que chega ainda tenso, estranho, para nós, que estamos perplexos.

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