"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

NOITE DO ABACAXI

OPOSIÇÃO QUEBRA O FEITIÇO DO FORO DE SÃO PAULO E VAI PRA CIMA DOS PETRALHAS. SERÁ?



O noticiário político da última semana foi o mais movimentado desde as eleições. No Congresso Nacional, em dois episódios, a oposição ao governo Dilma Rousseff ganhou visibilidade. Um deles foi a aprovação da manobra fiscal em que o governo acoberta o descumprimento do superávit primário, na manhã da quinta-feira. Por causa da obstrução de parlamentares oposicionistas, a vitória dos aliados só foi sacramentada após 18 horas de canseira. 
 
Apesar de ter maioria de votos, os governistas sofreram para fazer valer a vontade do Executivo. Líderes da base precisaram telefonar para deputados e senadores durante a madrugada: por trás dos cochilos no plenário, o que se viu foi uma tentativa desesperada de impedir o esvaziamento do plenário – pelo tamanho da encrenca e pela literal distribuição da fruta, a sessão foi apelidada de noite do abacaxi.
 
O prolongamento da votação só ocorreu porque os partidos de oposição cumpriram com a estratégia com empenho: obstruir a votação ao não marcar presença, protelar ao máximo as discussões, pedir verificação de quórum sempre que possível e usar o Regimento do Congresso para apresentar questões de ordem e impedir que a matéria fosse aprovada a toque de caixa.

A tática não é nova e já havia sido usada durante a apreciação da Medida Provisória dos Portos, no ano passado. Apesar da vitória governista, os aliados tiveram de enfrentar a sessão mais longa da história da Câmara para aprovar o projeto. Foram duas madrugadas seguidas em claro. Agora, a estratégia protelatória foi repetida com alguma eficiência.
 
Os parlamentares de oposição se revezavam no microfone para esticar a sessão. Os governistas, por sua vez, acabavam abrindo mão da palavra justamente para abreviar os trabalhos. Com isso, a tribuna foi usada para uma torrente de críticas ao governo, raramente rebatidas. 
 
Tudo a ver: Henrique Alves incrementou a acidez da sessão oferecendo abacaxi em fatias.
Um dos momentos mais acalorados ocorreu quando o senador Aécio Neves (MG), presidente do PSDB, foi à tribuna para atacar a troca de emendas parlamentares pela lealdade dos deputados e senadores:
"Hoje a presidente da República coloca de cócoras o Congresso Nacional, ao estabelecer que cada parlamentar aqui tem um preço: os senhores que votarem a favor desta mudança valem 748 000 reais".

O discurso não passou indiferente: aplaudido por oposicionistas e vaiado por aliados de Dilma, Aécio encerrou seu pronunciamento aos gritos, para superar o ruído. Os 51 milhões de votos obtidos na disputa presidencial o elevaram ao posto de líder da oposição.
E o tucano estava cumprindo a promessa de fazer um combate "sem tréguas" aos desmandos do governo.
 
O texto da manobra fiscal foi aprovado às 5 horas da manhã desta quinta-feira. Entre os senadores, o quórum era o mínimo necessário: 41 parlamentares.
E, como ainda restou um destaque a ser apreciado, a matéria terá de ser discutida novamente na próxima semana. Será mais uma oportunidade da oposição tentar desgastar o governo.
 
A segunda cena ilustrativa da semana ocorreu um dia antes, na terça-feira, quando o Congresso se reuniu para começar a sessão em que a manobra fiscal seria apreciada.
Apesar do esforço do presidente do Congresso, Renan Calheiros (PMDB-AL), para limitar o acesso de manifestantes à galeria do plenário, um grupo de pouco mais de vinte pessoas conseguiu entrar para assistir à sessão e marcar posição contra a maquiagem fiscal. Impaciente com os protestos, o peemedebista ordenou que a segurança  retirasse os manifestantes.

A oposição reagiu: parlamentares foram até a galeria para garantir que a retirada forçada não acontecesse. A Polícia Legislativa levou a maior parte dos manifestantes, mas não conseguiu terminar a tarefa. Mais de uma hora depois, Renan encerrou a sessão.
 
O ato dos deputados de oposição – muito deles literalmente de braços dados com manifestantes – foi representativo do novo momento que os partidos contrários ao governo parecem viver: o contato direto com as ruas nas eleições não acabou com a derrota nas urnas.  
"Isso talvez não aconteceria num passado recente", reconhece o líder do PSDB na Câmara, Antônio Imbassahy, sobre a ida de deputados e senadores às galerias. Para ele, o surgimento de uma militância espontânea contra o governo foi determinante para a oposição aumentar o ritmo. 
 
Mesmo em minoria, os oposicionistas já haviam criado problemas ao governo na última legislatura. Mas é fato que o entusiasmo do período pós-eleitoral reforçou os ânimos dos oposicionistas – em 2012, o bloco contrário ao governo chegou ao menor patamar da história do Congresso, com 17,5% das cadeiras.
 
José Sarney, o todo poderoso, não resistiu e abriu aquela bocarra num sonoro bocejo enquanto cumpria a ordem da Dilma e do Lula, de olho na bufunfa da chantagem.
Apesar da derrota na disputa presidencial, os adversários do governo estão mais fortes do que antes.
O PSB de Marina Silva não deve se alinhar à base. Além disso, o recém-criado Solidariedade (SDD) se juntou ao bloco oposicionista.
 
Numericamente, o núcleo da oposição não crescerá significativamente na próxima legislatura: PSDB, DEM e PPS têm hoje 79 deputados e 16 senadores. Passarão a ter 88 deputados e 15 senadores em 2015.
Mas a mudança qualitativa, especialmente no Senado, será visível: entram nomes como José Serra (PSDB-SP), Tasso Jereissati (PSDB-CE), Antonio Anastasia (PSDB-MG) e Ronaldo Caiado (DEM-GO).
 
Além disso, o próximo Congresso será mais pulverizado: nunca tantos partidos diferentes elegeram parlamentares. A pluralidade de interesses torna mais difícil a formação de um bloco governista sólido – e favorece o surgimento de um "centrão", cujo apoio tradicionalmente costuma ser negociado pela troca de cargos e liberação de verbas em Casas Legislativas do país.

Por razões diversas, o número de dissidentes dentro dos partidos da base tem aumentado. Por fim, a crise econômica e o escândalo do petrolão completam o rol de motivos pelos quais os oposicionistas estão confiantes de que poderão se manter na ofensiva.
 
Nada garante que as mobilizações contra o governo vão continuar, seja nas ruas ou nas galerias do Congresso. A militância espontânea que tem protestado contra o governo não faz parte de um grupo coeso e controlável, como os braços sindicais do PT.

"Um jogador de futebol que entra em um estádio vazio joga sem muito ânimo. Quando o estádio está cheio, com a torcida se manifestando, é outra história", afirma Imbassahy. Na manhã seguinte à votação da manobra fiscal, o recado estava claro: se a oposição não perder o viço, o governo Dilma Rousseff terá muitas noites do abacaxi pela frente.

Do site da revista Veja/Reportagem de Gabriel Castro
 
09 de dezembro de 2014
in aluizio amorim
 

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