A TV Brasil não construiu um conceito, um modelo de pensamento, uma programação. A TV pública, que deveria ser a locomotiva da experimentação, ousa menos que a comercial
A Empresa Brasil de Comunicação (EBC) está completando sete anos e é saudável examinar o que ela fez pelo país. Apelidada de TV Lula na sua gestação, a EBC se anunciava alternativa pública à TV privada. Foi assim que um modelo orgânico de televisão pública se inaugurava no Brasil, 58 anos após a chegada da TV comercial.
A EBC criou a TV Brasil, gerando de saída um duelo de informações sobre a intenção: gerar uma inédita TV pública ou mais uma TV estatal. Isso confrontou ministros como Helio Costa e Franklin Martins, até chegar a um discurso único, que assegurava a opção pela TV pública.
Com mais de R$ 400 milhões no primeiro ano, a empresa não conseguiu, de saída, atingir ao menos três requisitos: ter sua imagem presente em São Paulo; desenvolver um jornalismo isento; e construir uma programação inovadora.
Mas se o que se vê hoje na tela é ruim, o que não se vê é bem pior. A EBC tem 2.300 funcionários, 70% envolvidos na atividade-meio. Seu jornalismo dispõe de mais recursos do que muitas redes privadas: 48 equipes em três praças.
Uma de suas principais atrações atuais é “Windeck”, uma novela angolana falada em português de Angola. Seu produtor é o filho do ditador José Eduardo dos Santos, para quem a presidente Dilma vendeu bombas com efeito redobrado de gás lacrimogêneo destinadas a reprimir manifestações populares.
“O conceito de ‘Windeck’ é mostrar como se vive a atualidade luandense”, diz Coréon Dú, autor da novela. Na defesa do produto, um membro do Conselho Curador lembrou que todos os personagens são negros. “Só tem um branco, garçom. Isso quebra estereótipos.”
Uma novela assim na grade de uma rede pública brasileira infere que a emissora não está obedecendo a uma estratégia de programação, mas a um programa de governo. Outra sinalização está na TVT, emissora do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, que passou a ser reconhecida como emissora pública, com direito a repasses de R$ 2,5 milhões.
Enquanto isso, o orçamento para todo o banco de projetos de parceria com a produção independente caiu para R$ 1,8 milhão, o que, na prática, pode viabilizar de uma a três séries. A Ancine acena agora com recursos de R$ 60 milhões do FSA para a produção de conteúdo para a TV Brasil, mas, por enquanto o MinC apenas mapeia as produtoras existentes no país. Ainda assim, do orçamento de quase R$ 500 milhões de reais, 60 milhões foram devolvidos em 2013.
Entre os integrantes do Conselho Curador há uma consultora legislativa do Senado, uma secretária de comunicação da CUT, o presidente da Associação de Fabricantes de Carrocerias para Ônibus e uma agricultora familiar.
É este conselho que decide o que se vai produzir e exibir. Acompanhar suas reuniões é um bom exercício de compreensão do que é hoje a TV pública brasileira. Na reunião de 13 de agosto, o gerente de pesquisas Alberto Adler comemorou o fato que, até 11 de agosto, alguns programas ficaram acima de 0,5 ponto de audiência. Abaixo disso só o zero, traço.
A celebração foi tão inusitada que até o representante do MinC, Mario Borgneth, se insurgiu contra ela: “Dizer que temos relevância com um, dois ou três pontos de média mensal é forçar muito a barra.” Em defesa do 0,5 ponto, o conselheiro Claudio Lembo mudou o tom: “Essa TV é odiada pelas demais emissoras e é um milagre ainda estar no ar.”
Lembo foi governador de São Paulo por nove meses em 2006. É advogado e seu currículo não registra passagens pela televisão, o que acontece com 16 dos 22 conselheiros. A TV Brasil não é odiada: ela é ignorada. Não promoveu debate entre os presidenciáveis porque os candidatos se recusaram a ir até lá. Contudo, se odiada fosse, porque o seria? Não por ameaçar a Globo ou o SBT, com sua marca máxima de 0,5%.
Sobram evidências que, na TV Dilma, a televisão passa ao largo da televisão. O próprio presidente da empresa tem uma trajetória como repórter de economia e política, mas nunca passou pela televisão. Em compensação, tem credenciais relevantes: foi assessor de imprensa do ex-ministro José Dirceu e secretário de imprensa do ex-presidente Lula.
A TV Brasil não construiu um conceito, um modelo de pensamento, uma programação. A TV pública, que deveria ser a locomotiva da experimentação, ousa menos que a comercial.
Essa empresa consumiu até agora cerca de R$ 4,5 bilhões de dinheiro público. Não é pouca coisa. Sobretudo se for o custo do aparelhamento, do repique de um programa de poder que nos últimos anos conseguiu, para dizer o mínimo, acabar com a maior empresa do país.
O Brasil tem uma sólida TV comercial. Demorou para criar uma TV pública que pudesse complementá-la com inovação, ousadia, pesquisa e produção de excelência. Conseguiu condições políticas e recursos para isso. Não moveu uma palha para justificá-los. A TV Dilma não deu um passo adiante da TV Lula e não há sinais de que venha a dar. Com o que vem acontecendo, seria triste vê-la migrar dos cadernos de entretenimento para as páginas policiais.
A Empresa Brasil de Comunicação (EBC) está completando sete anos e é saudável examinar o que ela fez pelo país. Apelidada de TV Lula na sua gestação, a EBC se anunciava alternativa pública à TV privada. Foi assim que um modelo orgânico de televisão pública se inaugurava no Brasil, 58 anos após a chegada da TV comercial.
A EBC criou a TV Brasil, gerando de saída um duelo de informações sobre a intenção: gerar uma inédita TV pública ou mais uma TV estatal. Isso confrontou ministros como Helio Costa e Franklin Martins, até chegar a um discurso único, que assegurava a opção pela TV pública.
Com mais de R$ 400 milhões no primeiro ano, a empresa não conseguiu, de saída, atingir ao menos três requisitos: ter sua imagem presente em São Paulo; desenvolver um jornalismo isento; e construir uma programação inovadora.
Mas se o que se vê hoje na tela é ruim, o que não se vê é bem pior. A EBC tem 2.300 funcionários, 70% envolvidos na atividade-meio. Seu jornalismo dispõe de mais recursos do que muitas redes privadas: 48 equipes em três praças.
Uma de suas principais atrações atuais é “Windeck”, uma novela angolana falada em português de Angola. Seu produtor é o filho do ditador José Eduardo dos Santos, para quem a presidente Dilma vendeu bombas com efeito redobrado de gás lacrimogêneo destinadas a reprimir manifestações populares.
“O conceito de ‘Windeck’ é mostrar como se vive a atualidade luandense”, diz Coréon Dú, autor da novela. Na defesa do produto, um membro do Conselho Curador lembrou que todos os personagens são negros. “Só tem um branco, garçom. Isso quebra estereótipos.”
Uma novela assim na grade de uma rede pública brasileira infere que a emissora não está obedecendo a uma estratégia de programação, mas a um programa de governo. Outra sinalização está na TVT, emissora do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, que passou a ser reconhecida como emissora pública, com direito a repasses de R$ 2,5 milhões.
Enquanto isso, o orçamento para todo o banco de projetos de parceria com a produção independente caiu para R$ 1,8 milhão, o que, na prática, pode viabilizar de uma a três séries. A Ancine acena agora com recursos de R$ 60 milhões do FSA para a produção de conteúdo para a TV Brasil, mas, por enquanto o MinC apenas mapeia as produtoras existentes no país. Ainda assim, do orçamento de quase R$ 500 milhões de reais, 60 milhões foram devolvidos em 2013.
Entre os integrantes do Conselho Curador há uma consultora legislativa do Senado, uma secretária de comunicação da CUT, o presidente da Associação de Fabricantes de Carrocerias para Ônibus e uma agricultora familiar.
É este conselho que decide o que se vai produzir e exibir. Acompanhar suas reuniões é um bom exercício de compreensão do que é hoje a TV pública brasileira. Na reunião de 13 de agosto, o gerente de pesquisas Alberto Adler comemorou o fato que, até 11 de agosto, alguns programas ficaram acima de 0,5 ponto de audiência. Abaixo disso só o zero, traço.
A celebração foi tão inusitada que até o representante do MinC, Mario Borgneth, se insurgiu contra ela: “Dizer que temos relevância com um, dois ou três pontos de média mensal é forçar muito a barra.” Em defesa do 0,5 ponto, o conselheiro Claudio Lembo mudou o tom: “Essa TV é odiada pelas demais emissoras e é um milagre ainda estar no ar.”
Lembo foi governador de São Paulo por nove meses em 2006. É advogado e seu currículo não registra passagens pela televisão, o que acontece com 16 dos 22 conselheiros. A TV Brasil não é odiada: ela é ignorada. Não promoveu debate entre os presidenciáveis porque os candidatos se recusaram a ir até lá. Contudo, se odiada fosse, porque o seria? Não por ameaçar a Globo ou o SBT, com sua marca máxima de 0,5%.
Sobram evidências que, na TV Dilma, a televisão passa ao largo da televisão. O próprio presidente da empresa tem uma trajetória como repórter de economia e política, mas nunca passou pela televisão. Em compensação, tem credenciais relevantes: foi assessor de imprensa do ex-ministro José Dirceu e secretário de imprensa do ex-presidente Lula.
A TV Brasil não construiu um conceito, um modelo de pensamento, uma programação. A TV pública, que deveria ser a locomotiva da experimentação, ousa menos que a comercial.
Essa empresa consumiu até agora cerca de R$ 4,5 bilhões de dinheiro público. Não é pouca coisa. Sobretudo se for o custo do aparelhamento, do repique de um programa de poder que nos últimos anos conseguiu, para dizer o mínimo, acabar com a maior empresa do país.
O Brasil tem uma sólida TV comercial. Demorou para criar uma TV pública que pudesse complementá-la com inovação, ousadia, pesquisa e produção de excelência. Conseguiu condições políticas e recursos para isso. Não moveu uma palha para justificá-los. A TV Dilma não deu um passo adiante da TV Lula e não há sinais de que venha a dar. Com o que vem acontecendo, seria triste vê-la migrar dos cadernos de entretenimento para as páginas policiais.
10 de dezembro de 2014
Nelson Hoineff, O Globo
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