"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

VITÓRIA DE PIRRO



 
De 1999 a 2002, eu servi no Ministério da Defesa (MD), na Secretaria de Organização Institucional (Seori), que era chefiada pelo Dr. Varanda. Lá descobri que todo mundo era "doutor", desde que ocupasse um DAS, mesmo tendo só o 2º grau. Um nome bem apropriado, "varanda", já que o doutor "estava por fora" de muita coisa que ocorria em sua seara - como diziam as más línguas no "rádio corredor". Funcionário público de carreira e oriundo da Casa Civil, o que ele entendia mesmo era sobre cavalos, já que era proprietário de um haras.
 
Durante quase todo o ano de 2000, eu acompanhei a "malhação" que a imprensa fazia contra as Forças Armadas, por conta do estudo da nova Lei da Remuneração dos Militares, que estava sendo feito no Depad, Departamento da Seori que trata sobre legislação, entre outros assuntos. Esse acompanhamento era facilitado tendo em vista que na Secretaria recebíamos a resenha dos jornais e revistas feitas no MD.
 
Como disse, a malhação contra os militares era quase diária: para os jornalistas, éramos todos marajás, com um monte de regalias que não eram concedidas aos mortais comuns, como posto acima quando da ida para a reserva, quinquênios, auxílio moradia, pensão para filhas etc.
 
Quando finalmente saiu a nova Remuneração, eu não pude esconder um grande desapontamento. Afinal, durante mais de trinta anos eu tinha ouvido falar sobre um tal de "soldão" que estava em estudos, e, quando finalmente foi aprovado o tal "soldão", observei que tinha sido uma vitória de perro, um grande engodo.
 
Revoltado, mandei uma carta, por e-mail, a vários jornais. O Jornal da Comunidade, um semanal de Brasília com distribuição gratuita aos sábados, publicou meu texto na íntegra. A Folha de S. Paulo publicou a última parte, que é um resumo da "vitória de Pirro", com uma charge em que aparece um capitão com maus bofes, com uma pata de porco em cima e umas moedas caindo, sendo pegadas por uma unha de gato. Não sei se descobriram que eu era capitão. Cópia desses textos podem ser conferidos nas imagens abaixo.
 
O secretário Varanda, ao ler a resenha da Folha de S. Paulo, chamou seu chefe de Gabinete, Dr. Paulo Roberto, perguntando "esse Félix Maier é o nosso capitão?" O Dr. Paulo Roberto respondeu "não sei, mas vou perguntar a ele".
 
Foi um bafafá e tanto no Ministério da Defesa. Como pode um pica-fumo criticar o trabalho da Secretaria onde trabalhava?  Que sujeito abusado!
 
Já me via preso no 32º Grupo de Artilharia de Campanha, para onde são levados os oficiais do Exército em Brasília que dão alteração grave. Cadeia. Mas, depois de algumas discussões no MD, suponho, onde havia com certeza os falcões que queriam minha cabeça e a turma do "deixa pra lá", recebi apenas uma repreensão verbal, que não consta em meus assentamentos. O capitão-de-mar-e-guerra, gerente de Recursos Humanos, foi quem me chamou para dar a punição, ou seja, para dizer que eu estava repreendido. O comandante da Marinha, no entanto, fez questão de dizer que eu estava certo, que tínhamos sido enganados. E lembrou que havia lido o texto completo no Jornal da Comunidade.
 
Uma vitória de Pirro, que fez um estrago considerável no meio das Forças Armadas, pois, além de dar com uma mão e apanhar de volta com outra, não houve cálculo de transição (x/30), onde "x" eram os anos de serviço prestados, apenas uma regra: quem já tinha 30 anos de serviço mantinha os "privilégios", como posto acima e pensão para as filhas. O restante se danou. Não é preciso dizer que os generais todos, à época, já tinham mais de 30 anos de serviço. O deles estava garantido. O restante da tropa que se estrepasse. Teve militar que passou a receber menos no contracheque (líquido), por ter passado para outra alíquota do imposto de renda.
 
Essa sem-vergonhice instituída por uma Medida Provisória até hoje não foi votada pelo Parlamento. É uma medida exata do que pensam os deputados e senadores sobre os militares das Forças Armadas: que se fodam!
 
Mas nem tudo foi pro buraco. Sobrou o R$ 0,16 de salário família por dependente, essa fortuna toda (!), que ainda é paga até os dias de hoje aos militares. Não cobre a tinta de impressão do contracheque. Três filhos dão direito a R$ 0,48...
 
19 de novembro de 2014
Félix Maier, Capitão na Reserva do EB, é Articulista. Originalmente publicado no site Usina de Letras.

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