"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

A MARCHA DA INSENSATEZ

Empreiteiras defendem-se desprezando o 'Efeito Papuda', uma tática vencida, desafiadora e talvez suicida

O advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, também conhecido como "Kakay", é uma espécie de Sobral Pinto do andar de cima. "Doutor Sobral" era um homem frugal, sempre vestido de preto, defendendo causas de presos ferrados pelo poder dos governos. O espetaculoso "Kakay" é amigo dos reis e vive na Pasárgada de Brasília. Defendendo empreiteiras apanhadas pela Polícia Federal e pelo Ministério Público, disse o seguinte: "Dentro da normalidade, você teria de declarar (as empresas) inidôneas. Se isso acontecer, para o país".

Ele não foi o primeiro a mencionar esse apocalipse, no qual está embutida uma suave ameaça: se a faxina não for contida, o Brasil acaba, pois com essa gente não se deve mexer. O presidente do Tribunal de Contas da União, Augusto Nardes, propôs uma "repactuação" dos contratos que essas companhias têm com a Viúva: "Parece que as empresas estão demonstrando boa vontade, todas elas ajudando, estão se dispondo a devolver recursos, portanto há uma boa vontade". Mais: "Poderíamos repactuar, eles perderiam o que está acima do preço. Como consequência, faríamos economia para o erário". O vice-presidente Michel Temer foi na mesma linha, propondo a "repactuação de eventuais exageros". Falta saber o que Nardes entende por "acima do preço" e o que Temer define como "exageros".

Como até hoje nenhuma empreiteira, salvo a Setal, reconheceu ter delinquido, parece até que a delinquência é da Polícia Federal, do Ministério Púbico e do Judiciário. A "repactuação" só pode começar pactuando-se a verdade. Se de fato houve uma "denúncia vazia de um criminoso confesso", como disse Marcelo Odebrecht, referindo-se ao ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, então sua empresa nada tem a ver com a história, merece os devidos pedidos de desculpas e "Paulinho" deve voltar para a carceragem. Se a Camargo Corrêa, a Mendes Júnior e a OAS nunca praticaram atos ilícitos, dá-se o mesmo e nada há a repactuar.

Grandes empresas metidas nas petrorroubalheiras adotaram uma atitude desafiadora, talvez suicida. Tentaram tirar o processo das mãos do juiz Sérgio Moro. Em seguida, fizeram uma discreta oferta de confissão coletiva, rebarbada pelo procurador-geral da República com três palavras: "Cartel da leniência". "Repactuação" pode ser seu novo nome.

As grandes empreiteiras oscilam entre o silêncio e a negativa da autoria. Deu certo até que surgiu o "Efeito Papuda". Não só José Dirceu, o "capitão do time" de Lula, foi para a penitenciária, como as maiores penas foram para uma banqueira (Kátia Rabelo) e um operador de palácios (Marcos Valério). Ocorrido esse desfecho inédito, seguiu-se a descoberta da conveniência de se colaborar com a Viúva em troca da sua boa vontade. Já há dez doutores debaixo desse guarda-chuva e tudo indica que outros virão. As empreiteiras estão rodando um programa vencido.

Quem olha para o trabalho do juiz Moro e do Ministério Público pode ter um receio. Abrindo demais o leque, ele se arrisca a comprometer a essência da investigação. Como ele tem conseguido preservar sigilos, pode-se ter a esperança de que o principal objetivo da operação é ir de galho em galho, para chegar ao topo da árvore.


19 de novembro de 2014
Elio Gaspari, O Globo

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