Mas, com a necessidade de contentar suas bases durante o polarizado confronto eleitoral, Dilma se viu obrigada a mudar de ideia. Embora seja refratária a qualquer controle de conteúdo, agora se diz favorável a um marco de regulação econômica contra monopólios e oligopólios.
Em entrevista ao jornal Valor Econômico (7/11), foi perguntada se esse tipo de regulação já não estaria sob a jurisprudência do nosso órgão antitruste, o Cade. Ela respondeu: "O Cade está aí para qualquer setor. Por que o setor de energia, petróleo, transporte tem regulação e a mídia não pode ter?".
Faz muito sentido a pergunta. De fato, marcos regulatórios da mídia existem em vários países desenvolvidos. Mas boas perguntas podem ocultar segundas intenções.
A blogosfera governista deixa muito claro que a proposta de regulação tem endereço certo: grandes grupos de jornalismo que, segundo eles, distorcem informações a favor da oposição e das elites.
Ainda assim, vamos dar o benefício da dúvida. Poderiam estar o governo e suas bases de fato interessados na criação de um marco de regulação imparcial e eficaz?
Nos últimos anos, o País presenciou uma progressiva concentração setorial em grupos de grande peso. Foi uma política deliberada do governo, desde Lula. Com abundantes recursos do BNDES e outros fundos públicos, foram criados "campeões nacionais" oriundos do entrelaçamento de diversos grupos.
Por exemplo, para facilitar a criação da Oi, resultado da sua fusão com a Brasil Telecom, o governo alterou até regras vigentes no setor, definidas pelo Plano de Outorgas, que impedia que um mesmo grupo tivesse concessões em regiões distintas.
Como mostrei no livro Capitalismo de Laços, conexões societárias cruzadas proliferaram em múltiplos setores. Um governo que estimulou tanta concentração e cruzamento societário estaria genuinamente preocupado com a defesa da concorrência no setor de mídia?
De forma ainda mais ampla, tivemos claros sinais de que o atual governo não acredita em regulação econômica independente - algo visto como receituário neoliberal. As atuais agências, que já careciam de aprimoramento, foram enfraquecidas e subordinadas às decisões do Executivo. Em 2003, pouco antes da sua posse, Lula se queixou de ser "o último a saber" sobre os reajustes de preços propostos pelas agências.
No mesmo ano, Dilma, ministra de Minas e Energia, manifestou desconforto com a divulgação de certas informações pela Agência Nacional de Petróleo.
Já como presidente, passou por cima de várias agências para implementar suas políticas de intervenção.
No setor elétrico, por exemplo, seguiu com sua ideia de redução forçada de tarifas mesmo havendo opinião contrária de técnicos da Agência Nacional de Energia Elétrica. Um governo que enfraquece agências que já existem irá de fato se comprometer a não intervir em prol da sua própria agenda?
Não é de estranhar, pois, que a nova proposta de regulação da mídia seja vista com muito ceticismo e desconfiança sobre suas reais intenções. Faço, então, uma proposta concreta. Vamos, antes de tudo, reforçar nosso marco regulatório de forma ampla.
O governo terá de se comprometer a manter as agências verdadeiramente independentes, sem virar a mesa quando algo for decidido à sua revelia. Terá de acabar com as nomeações políticas e loteamento de cargos, indicando técnicos de grande experiência e reconhecimento no seu setor. As agências terão mandato claro e metas propostas por especialistas, discutidas pela opinião pública e aprovadas pelo Legislativo.
No quesito concorrencial, vamos definir com clareza o que compete a cada agência e o que já pode ser feito pelo órgão de defesa da concorrência que já existe, o Cade. Aí, sim, podemos discutir o interesse público de um novo marco de regulação da mídia e até mesmo, se cabível, em outros setores. Que tal?
*Sérgio Lazzarini é autor de 'Capitalismo de Laços e 'Reinventando o capitalismo de Estado'. E-mail: sergiogl1@insper.edu.br
Em entrevista ao jornal Valor Econômico (7/11), foi perguntada se esse tipo de regulação já não estaria sob a jurisprudência do nosso órgão antitruste, o Cade. Ela respondeu: "O Cade está aí para qualquer setor. Por que o setor de energia, petróleo, transporte tem regulação e a mídia não pode ter?".
Faz muito sentido a pergunta. De fato, marcos regulatórios da mídia existem em vários países desenvolvidos. Mas boas perguntas podem ocultar segundas intenções.
A blogosfera governista deixa muito claro que a proposta de regulação tem endereço certo: grandes grupos de jornalismo que, segundo eles, distorcem informações a favor da oposição e das elites.
Ainda assim, vamos dar o benefício da dúvida. Poderiam estar o governo e suas bases de fato interessados na criação de um marco de regulação imparcial e eficaz?
Nos últimos anos, o País presenciou uma progressiva concentração setorial em grupos de grande peso. Foi uma política deliberada do governo, desde Lula. Com abundantes recursos do BNDES e outros fundos públicos, foram criados "campeões nacionais" oriundos do entrelaçamento de diversos grupos.
Por exemplo, para facilitar a criação da Oi, resultado da sua fusão com a Brasil Telecom, o governo alterou até regras vigentes no setor, definidas pelo Plano de Outorgas, que impedia que um mesmo grupo tivesse concessões em regiões distintas.
Como mostrei no livro Capitalismo de Laços, conexões societárias cruzadas proliferaram em múltiplos setores. Um governo que estimulou tanta concentração e cruzamento societário estaria genuinamente preocupado com a defesa da concorrência no setor de mídia?
De forma ainda mais ampla, tivemos claros sinais de que o atual governo não acredita em regulação econômica independente - algo visto como receituário neoliberal. As atuais agências, que já careciam de aprimoramento, foram enfraquecidas e subordinadas às decisões do Executivo. Em 2003, pouco antes da sua posse, Lula se queixou de ser "o último a saber" sobre os reajustes de preços propostos pelas agências.
No mesmo ano, Dilma, ministra de Minas e Energia, manifestou desconforto com a divulgação de certas informações pela Agência Nacional de Petróleo.
Já como presidente, passou por cima de várias agências para implementar suas políticas de intervenção.
No setor elétrico, por exemplo, seguiu com sua ideia de redução forçada de tarifas mesmo havendo opinião contrária de técnicos da Agência Nacional de Energia Elétrica. Um governo que enfraquece agências que já existem irá de fato se comprometer a não intervir em prol da sua própria agenda?
Não é de estranhar, pois, que a nova proposta de regulação da mídia seja vista com muito ceticismo e desconfiança sobre suas reais intenções. Faço, então, uma proposta concreta. Vamos, antes de tudo, reforçar nosso marco regulatório de forma ampla.
O governo terá de se comprometer a manter as agências verdadeiramente independentes, sem virar a mesa quando algo for decidido à sua revelia. Terá de acabar com as nomeações políticas e loteamento de cargos, indicando técnicos de grande experiência e reconhecimento no seu setor. As agências terão mandato claro e metas propostas por especialistas, discutidas pela opinião pública e aprovadas pelo Legislativo.
No quesito concorrencial, vamos definir com clareza o que compete a cada agência e o que já pode ser feito pelo órgão de defesa da concorrência que já existe, o Cade. Aí, sim, podemos discutir o interesse público de um novo marco de regulação da mídia e até mesmo, se cabível, em outros setores. Que tal?
*Sérgio Lazzarini é autor de 'Capitalismo de Laços e 'Reinventando o capitalismo de Estado'. E-mail: sergiogl1@insper.edu.br
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