Martin Luther King disse:
"O que me preocupa não é nem o grito dos corruptos, dos violentos, dos desonestos, dos sem caráter, dos sem ética... O que me preocupa é o silêncio dos bons".
Uma das características de algumas sociedades contemporâneas é o forte individualismo, centrado numa espécie de isolacionismo que, no limite, faz a pessoa viver na solidão ou, o que é mais comum, faz com que ela só se importe com o que lhe interessa e/ou com o que interessa ao seu restrito grupo social de parentes e amigos. Muitos agem como se nem vivessem em sociedade. Como se o que os outros fazem ou sofrem não pudessem atingi-los.
Peguemos a falta de educação reinante, que, aliás, como vírus se espalhou. Meu amigo Outrem Ego vive reclamando que no prédio em que mora, várias vezes, entra no elevador, cumprimenta quem lá está, mas a pessoa não devolve o cumprimento.
Ele diz: “Não é possível que eu seja tão azarado que só no meu prédio os moradores sejam mal-educados”. De fato, penso que ele está certo. Não é só no edifício onde ele mora que a má educação grassa; ela está em toda parte.
Meu amigo dá, ainda, outro exemplo: “Eu levo meu filho e vou buscá-lo na escola três vezes por semana. Encontro sempre os mesmos pais e mães, vejo os mesmos rostos. Com o passar do tempo, é natural que nós nos cumprimentemos. Apenas um “bom dia” ou uma “boa tarde” e quem sabe um “até logo”. Não é preciso mais que isso, para demonstrar educação.
Mas, é incrível! Há pessoas que, por mais que cruzemos nunca nos cumprimentam. Muitas vezes meu “bom dia” ou “boa tarde” soam de forma estranha viajando ao léu, sem nenhuma perspectiva de recepção ou retorno. Será que em todo lugar é assim?”. Não, não é meu caro amigo. Em muitas sociedades as pessoas são educadas.
Mas, aproveito essa reclamação dele para propor uma reflexão sobre coisas ruins que habitam nossa sociedade. Algo se perdeu, exigindo um resgate ou, quem sabe, nem tenham sido elevadas à categoria civilizatória. É uma pena, e, talvez, um sintoma de algo mais grave.
Esse isolacionismo não é inconsequente. Ainda que as pessoas não percebam, de um jeito ou de outro, ele acaba se voltando contra a sociedade como um todo. No Brasil, isso está em muitos lugares. Está por exemplo, na leniência que se tem para com os ladrões, corruptos e demais salafrários caras de pau, que não têm vergonha de mostrarem o rosto publicamente. Parece que o padrão do “não é comigo” está muito enraizado entre nós.
Vejamos um episódio na área específica do consumidor. Eu já narrei mais de um caso aqui. Vou contar outro, vivido exatamente por meu amigo há algum tempo. Num sábado, ele foi a uma loja de calçados num Shopping Center, comprar um par de tênis para seu filho, mas não serviu. Ficou pequeno e ele deixou a embalagem no porta-malas do carro. No sábado seguinte, voltou à loja para fazer a troca por um de número maior. Tão logo colocou os pés dentro do espaço da loja, a vendedora disse que ele nem deveria estar ali. Vamos ouvi-lo:
“Quando entrei na loja, a vendedora usou um raciocínio lógico: olhou para mim e viu que eu estava carregando uma sacola com a marca da loja. Pensou: ‘ele carrega uma sacola da loja, acaba de entrar e vem na minha direção. Logo, vai querer fazer uma troca’. Assim, veio em minha direção e, com uma certa grosseria, disse: ’Você não viu o cartaz? Hoje é sábado e não fazemos trocas!’. De fato, havia uma cartaz na parede que estabelecia expressamente o abuso. Eu dei de ombros e respondi que ela era uma quase boa adivinha. Havia acertado que eu queria fazer troca, mas disse: ‘eu farei sim a troca, pois o único dia que tenho para vir aqui é sábado’”.
Meu amigo, sempre bem informado de seus direitos, pediu que a vendedora chamasse a gerente, pois ele iria explicar para ela que o cartaz implicava em cláusula contratual abusiva e nula, conforme previsto no Código de Defesa do Consumidor. Em seguida, um vendedor surgiu e começou a bater boca com ele, que muito calmo, insistiu em que queria apenas um par de tênis de número maior. A discussão prosseguiu por alguns minutos, o que gerou um certo tumulto: outros clientes começaram a reclamar. E, você, leitor, sabe com quem?
Com meu amigo Outrem Ego. Isso! Dois outros clientes que estavam na loja esperando atendimento começaram a xingá-lo. Porém, ele não desistiu e apesar de estarem todos contra ele, depois de mais alguns minutos, conseguiu a troca. Mais uma vez, o que se percebe, é que os outros dois clientes da loja pensaram apenas em si mesmo e , aliás, bastante enganados. Pensaram eles que a luta de meu amigo por seu direito seria apenas dele, quando na verdade ele lutava pelo direito de todos.
Agora, tratarei de uma outra mazela muito praticada numa conhecida atividade de consumo: o das diversões públicas de jogos de futebol. Cuido do racismo explícito verificado no jogo do último dia 28 de agosto entre o Santos Futebol Clube e o Grêmio de Porto Alegre. Como se sabe, as câmaras da tevê captaram a imagem de uma torcedora, identificada como Patrícia Moreira, em típica atitude racista praticada contra o goleiro Aranha, do time santista. Naquelas imagens, um fato chamou minha atenção, além, claro, da manifestação odiosa da torcedora: o da outra torcedora e outro torcedor que estavam ao lado dela e também dos demais que lá estavam, mas que a imagem não captou por causa do enquadramento (aparece apenas o braço de alguém bem ao lado. Mas, havia, naturalmente, outros ao redor).
A racista gritava: “Macaco!”. A seu lado, obviamente, os outros torcedores ouviram tudo. Mas, não se espantavam nem se escandalizavam. Concordavam, então, com a atitude racista de Patrícia? Era sinal de sua aquiescência? E os demais que estavam ao lado, não se chocaram com aquelas palavras? Conivência? Fruto desse terrível isolacionismo?
O estigma do não é comigo é uma das maiores mazelas das sociedades. E trata-se de uma ilusão. Ninguém vive numa ilha. Nem os que se escondem por detrás de altos muros, pois mais cedo ou mais tarde é preciso sair da muralha. E essas muralhas do comportamento não protegem ninguém de nada.
Ver um crime ser praticado e nada dizer ou fazer é omissão. Para que a sociedade evolua e se torne realmente civilizada é necessário que todos assumam seu papel como agentes vigilantes não só da melhor moralidade e atos de humanidade como dos direitos e garantias estabelecidos. E alguns dos delitos praticados, como esse de racismo, mostra a tranquilidade de quem os pratica a céu aberto, à vista de todos. Num estádio de futebol repleto de torcedores a omissão é enorme!
Esse silêncio é o que mata!
Como diria meu amigo Outrem Ego: “Não adianta dizer: ‘não é comigo’. É sim!”
22 de setembro de 2014
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