"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sexta-feira, 20 de junho de 2014

O ÓDIO AO PT E O ÓDIO DO PT



Lula tem toda razão. 
Existe uma campanha de ódio contra o PT. 
Esqueceu-se de dizer que existe também uma campanha de ódio do PT. 

Uma expôs-se no insulto à doutora Dilma na abertura da Copa. 
Argumente-se que o grito foi típico da descortesia dos estádios. 
O deputado Paulo Pereira da Silva, o Paulinho da Força, influente aliado do candidato Aécio Neves, endossou-o durante um evento do tucanato:
 “O povo mandou ela para o lugar que tinha que mandar.” 

Essa é a campanha de ódio contra o PT. 
Ela pode ser identificada na generalização das acusações contra seus quadros e, sobretudo, na desqualificação de seus eleitores. Nesse ódio, pessoas chocadas pela proteção que Lula e o partido deram a corruptos misturam-se a demófobos que não gostam de ver “gente diferenciada” nos aeroportos ou matriculada nas universidades públicas graças ao sistema de cotas.

O ódio do PT é outro, velho.
 Lula diz que nunca se valeu de palavrões para desqualificar presidentes da República. Falso. Numa conversa com jornalistas, chamou o então presidente Itamar Franco de “filho da puta” e nunca pediu desculpas. 

O ódio petista expôs-se em situações como a hostilização ao ministro Joaquim Barbosa num bar de Brasília e na proliferação de acusações contra o candidato Aécio Neves na internet. Se a rede for usada como posto de observação, os dois ódios equivalem-se, e pouco há a fazer.

Lula antevê uma campanha eleitoral “violenta”, pois a elite “está conseguindo despertar o ódio de classes”. Manipulação astuciosa, recicla o ódio do PT, transformando-o no ódio ao PT. Pode-se admitir que a elite não gosta do PT, mas bem outra coisa é rotular como elite todo aquele que do PT não gosta. 


Paulo Roberto Costa, o ex-diretor da Petrobras que entesourou US$ 23 milhões em bancos suíços, certamente pertence à elite e no seu depoimento à CPI viu-se que gosta do PT e o PT gosta dele.

Essa estratégia já foi explicada pelo marqueteiro João Santana. Trata-se de trabalhar com dois Lulas: ora há o “fortão”, ora o “fraquinho”. (Talvez as palavras originais tenham sido outras, mais próximas do dialeto dos estádios.)

Quando Lula foi criticado porque tomou um vinho Romanée-Conti de R$ 6 mil durante a campanha de 2002, era a elite que negava ao “fraquinho” o acesso a um vinho do andar de cima, pago por Duda Mendonça. Anos depois, quando viajou pelo mundo em jatinhos de empreiteiras, era o “fortão” redesenhando a diplomacia brasileira.

É uma mistificação, mas contra ela só existe um remédio: 
vigiar a racionalidade da campanha, fugindo da empulhação. 
Quem quiser odiar, que odeie, mas não fica bem a uma presidente da República dizer que investiu em educação recursos que na realidade destinaram-se a cobrir o custeio da máquina. 
 

Também fica feio a um candidato da oposição que até outro dia estava no ministério dizer que “não fico mais em um governo comandado por um bocado de raposa que já roubou o que tinha que roubar”. Não viu enquanto lá estava?

Talvez a racionalidade seja um objetivo impossível. 
Afinal de contas, até hoje há americanos convencidos de que o companheiro Barack Obama é um socialista que nasceu no Quênia. 
Nesse caso, candidatos não devem ir a estádios.

Elio Gaspari
O Globo
20 de junho de 2014

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