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Depender exclusivamente do Sistema Único de Saúde (SUS) é mais do que um desafio, é um calvário para cerca de 150 milhões de brasileiros. O caos da assistência é diariamente retratado em rádios, emissoras de TV, jornais e demais mídias.
Àqueles que dizem que as coisas não são bem assim, mais um dado concreto foi apresentado dias atrás. Um levantamento do Conselho Federal de Medicina em parceria com a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados (CDHM) mostra, mais uma vez, a face cruel do atendimento no SUS.
É corriqueiro ver pacientes jogados em macas pelos corredores ou em colchões sobre o chão, além de outros casos que se assemelham aos de enfermarias de guerra.
Segundo o CFM, a crise das urgências e emergências é sistêmica e faltam leitos de Unidade de Terapia Intensiva. São problemas que estão ferindo a dignidade e os direitos dos cidadãos brasileiros, previstos na Constituição Federal.
Todos sabemos que a falta de compromisso e vontade política são hoje as principais chagas da rede pública. Enquanto bilhões vazam dos cofres públicos, favorecendo a máquina da corrupção, o Governo fecha seu caixa para investimentos sociais, como saúde, educação e segurança.
Na saúde, aliás, o subfinanciamento crônico é denunciado há anos por vários setores da sociedade e particularmente pelas representações médicas, como a Sociedade Brasileira de Clínica Médica, da qual sou presidente.
Faz décadas que a iniciativa privada investe mais recursos na área do que o Estado. A saúde recebe 8,4% do chamado produto interno bruto (PIB), Deste montante, 55% são privados (e beneficiam cerca de 46 milhões de pessoas) e 45%, públicos – para as demandas de todos os 200 milhões de brasileiros. O Governo Federal progressivamente reduz a destinação de verbas ao setor, enquanto estados e municípios aumentam. Houve época em que a União chegava a destinar 80% dos recursos públicos para a saúde e hoje aplica apenas 45%.
Por outro lado, os tubarões da assistência suplementar enriquecem às custas da doença alheia. Há planos de saúde que cobram mensalidades altíssimas dos pacientes e criam todo o tipo de empecilhos quando eles necessitam de tratamento.
Recente pesquisa Datafolha, encomendada pela Associação Paulista de Medicina, aponta que 8 em cada 10 usuários já tiveram problemas com sua operadora. Para agravar o quadro, as empresas pressionam médicos e outros profissionais de saúde a reduzirem exames, internações, outros procedimentos, além de antecipar altas. Um crime.
Talvez alguém venha dizer que o caminho para sair da crise é o da parceria público-privada. De fato, o conceito das chamas PPPs é interessante: por meio de administrações mistas, ofertar à máquina governamental a mesma agilidade, resolubilidade e competência que marcam as melhores instituições particulares, neste caso, mais especificamente os hospitais.
Temos mesmo atualmente uma série de bons exemplos de gestão, em particular de hospitais universitários, que poderiam ajudar a melhorar a realidade da saúde no país.
O problema é que também o terreno das PPPs vem sendo contaminado pela incompetência administrativa e o vírus dos favores políticos.
Recentemente o Ministério Público Estadual de São Paulo suspendeu a assinatura de um convênio entre a Prefeitura e um hospital particular de ponta para administrar uma instituição da periferia. A justificativa é a de que o processo estava repleto de irregularidades.
Esses despropósitos ocorrem também por falta de transparência. Se o poder público pretende colocar algum bem da sociedade sob administração privada, deve fazê-lo em concorrência limpa, com condição de igualdade a todos, com responsabilidade e austeridade fiscal.
Porém, não é sempre que isso acontece. É comum ver casos em que hospitais sucateados, necessitando de reformas, equipamentos etc, são passados ao setor privado para satisfazer veleidades, interesses ideológicos e financeiros.
Óbvio que todo o processo está errado. Para começar, quando se coloca um bem público em concorrência para eventual gestão privada, cabe ao Estado entregá-lo em boa condição. Afinal, a oferta não é para que alguém venha a fazer o papel da construção civil erguendo paredes e rebocando muros. O que se quer em situações como essas é uma adequada administração para que a função social de tal bem seja realmente efetiva.
Pelos princípios da cidadania e da boa gestão, temos que tratar a PPP como um novo bem da comunidade. Valorizá-la em seus pilares fundamentais: a boa gestão, a eficiência dos serviços, a excelência do atendimento e a transparência no gasto do dinheiro público. Jamais admitiremos que interesses questionáveis possam macular ainda mais patrimônios que são coletivos, de todos nós.
18 de maio de 2014
Antonio Carlos Lopes, presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica.
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