Apesar da sua importância na determinação dos salários, a negociação coletiva é acompanhada de forma insuficiente no País. Os acompanhamentos conhecidos utilizam amostras pouco representativas, oferecem poucos detalhes do conteúdo negociado e tornam disponíveis os resultados com uma defasagem considerável. Para reunir mais informações sobre o tema, a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) começou a acompanhar de forma abrangente e sistemática o conteúdo dos acordos coletivos e das convenções coletivas. Trata-se do projeto Salários.org.br, que utiliza a tecnologia da informação para ler eletronicamente os documentos elaborados nas mesas de negociação de todo o País e depositados no Ministério do Trabalho. Inicialmente, a Fipe tem divulgado a média dos reajustes negociados em www.salarios.org.br com uma defasagem de apenas 60 dias. A partir de agosto, serão informados mais detalhes sobre os reajustes e ainda sobre pisos salariais e programas de participação nos lucros ou resultados (PLR).
O acompanhamento do conteúdo das negociações coletivas começa a revelar resultados importantes e surpreendentes. Um deles é a descoberta de que alguns acordos e convenções, além de ajustar os salários pela inflação acumulada dos 12 meses anteriores à data-base, estabelecem uma vinculação com a inflação futura. É o que chamávamos, na época da superinflação dos anos 80/90, de gatilho. Essas cláusulas têm em comum o estabelecimento de um limite de inflação futura, a partir do qual o gatilho pode ser acionado. A Fipe identificou até agora cinco tipos.
Em um deles, a empresa se obriga a fazer um adiantamento de salário se a inflação chegar ao limite estabelecido. É uma forma pouco efetiva de gatilho, que tenta defender o poder de compra por meio de antecipação do pagamento dos salários (o chamado "vale"). O segundo tipo estabelece que, atingido o limite de inflação, a empresa e o sindicato negociarão alguma medida para fazer frente à situação. É um gatilho não automático, cujo acionamento depende do resultado dessa negociação. O terceiro tipo, também pouco efetivo, estabelece um limite muito elevado de inflação futura. Em alguns casos, o limite é de 25% e em outros, 10%. Uma vez atingido o limite, os salários seriam automaticamente reajustados. Como ainda não chegamos a esses níveis de inflação, essas cláusulas na prática não têm produzido impacto algum.
O quarto tipo, potencialmente mais efetivo, aparece quando alguns acordos e convenções têm validade de dois anos. Esses instrumentos estabelecem pisos salariais para os primeiros 12 meses e os reajustam a partir do 13.º mês aplicando um aumento de 8%. Mas as partes combinam que, se a inflação superar 8%, os pisos acompanharão o índice de inflação. O porcentual de 8% funciona como um gatilho automático para os pisos do segundo ano. Esse formato de gatilho é recente, tendo surgido em alguns acordos e convenções com início de vigência em 2013 e 2014. Por enquanto, é bastante localizado - apareceu em apenas uma atividade e em apenas uma unidade da Federação. Como a inflação prevista para 2014 não deverá atingir 8%, o acionamento desse gatilho é ainda pouco provável.
O quinto e último tipo de gatilho tem maior probabilidade de ser acionado. Ao contrário dos casos anteriores, que fixam limites de inflação acumulada futura, este estabelece um limite mensal de 1% de inflação para ser disparado. No mês em que a inflação chegar a 1%, a empresa reajustará os salários de seus empregados em 1% automaticamente. Recentemente, estivemos muito próximos desse cenário, e por pouco esse gatilho não disparou.
Alguns dos gatilhos identificados têm amplitude pequena, pois se aplicam em uma só empresa. Outros, porém, são convenções coletivas e cobrem todos os trabalhadores de uma atividade, numa determinada região. Em abril, surgiu um primeiro gatilho com cobertura nacional, envolvendo uma organização que opera em várias unidades da Federação.
Os primeiros resultados mostram que o projeto Salários.org.br pode se tornar uma referência importante no acompanhamento do mercado de trabalho, pois revela aspectos quantitativos e qualitativos de forma ágil e precisa. A Fipe pretende fazer esse trabalho e oferecer a todos os interessados um acompanhamento isento, sistemático e contínuo da negociação coletiva, suprindo uma lacuna nesta área.
Felizmente, acordos e convenções com gatilho são pouco frequentes. Começaram a aparecer em 2008 e, até agora, a Fipe detectou só 71 casos. São poucos, quando cotejados com os milhares de episódios de negociação salarial que ocorrem a cada ano no País. Não deveriam ser motivo para preocupação, tirando o fato de que quase metade dos casos ocorreu nos últimos 16 meses. A evolução do formato e da frequência do gatilho indica que a expectativa sobre o nível de inflação futura está crescendo nas mesas de negociação. É preciso prestar atenção. Já assistimos a esse filme nos anos 80/90. Uma reprise não seria agradável.
O acompanhamento do conteúdo das negociações coletivas começa a revelar resultados importantes e surpreendentes. Um deles é a descoberta de que alguns acordos e convenções, além de ajustar os salários pela inflação acumulada dos 12 meses anteriores à data-base, estabelecem uma vinculação com a inflação futura. É o que chamávamos, na época da superinflação dos anos 80/90, de gatilho. Essas cláusulas têm em comum o estabelecimento de um limite de inflação futura, a partir do qual o gatilho pode ser acionado. A Fipe identificou até agora cinco tipos.
Em um deles, a empresa se obriga a fazer um adiantamento de salário se a inflação chegar ao limite estabelecido. É uma forma pouco efetiva de gatilho, que tenta defender o poder de compra por meio de antecipação do pagamento dos salários (o chamado "vale"). O segundo tipo estabelece que, atingido o limite de inflação, a empresa e o sindicato negociarão alguma medida para fazer frente à situação. É um gatilho não automático, cujo acionamento depende do resultado dessa negociação. O terceiro tipo, também pouco efetivo, estabelece um limite muito elevado de inflação futura. Em alguns casos, o limite é de 25% e em outros, 10%. Uma vez atingido o limite, os salários seriam automaticamente reajustados. Como ainda não chegamos a esses níveis de inflação, essas cláusulas na prática não têm produzido impacto algum.
O quarto tipo, potencialmente mais efetivo, aparece quando alguns acordos e convenções têm validade de dois anos. Esses instrumentos estabelecem pisos salariais para os primeiros 12 meses e os reajustam a partir do 13.º mês aplicando um aumento de 8%. Mas as partes combinam que, se a inflação superar 8%, os pisos acompanharão o índice de inflação. O porcentual de 8% funciona como um gatilho automático para os pisos do segundo ano. Esse formato de gatilho é recente, tendo surgido em alguns acordos e convenções com início de vigência em 2013 e 2014. Por enquanto, é bastante localizado - apareceu em apenas uma atividade e em apenas uma unidade da Federação. Como a inflação prevista para 2014 não deverá atingir 8%, o acionamento desse gatilho é ainda pouco provável.
O quinto e último tipo de gatilho tem maior probabilidade de ser acionado. Ao contrário dos casos anteriores, que fixam limites de inflação acumulada futura, este estabelece um limite mensal de 1% de inflação para ser disparado. No mês em que a inflação chegar a 1%, a empresa reajustará os salários de seus empregados em 1% automaticamente. Recentemente, estivemos muito próximos desse cenário, e por pouco esse gatilho não disparou.
Alguns dos gatilhos identificados têm amplitude pequena, pois se aplicam em uma só empresa. Outros, porém, são convenções coletivas e cobrem todos os trabalhadores de uma atividade, numa determinada região. Em abril, surgiu um primeiro gatilho com cobertura nacional, envolvendo uma organização que opera em várias unidades da Federação.
Os primeiros resultados mostram que o projeto Salários.org.br pode se tornar uma referência importante no acompanhamento do mercado de trabalho, pois revela aspectos quantitativos e qualitativos de forma ágil e precisa. A Fipe pretende fazer esse trabalho e oferecer a todos os interessados um acompanhamento isento, sistemático e contínuo da negociação coletiva, suprindo uma lacuna nesta área.
Felizmente, acordos e convenções com gatilho são pouco frequentes. Começaram a aparecer em 2008 e, até agora, a Fipe detectou só 71 casos. São poucos, quando cotejados com os milhares de episódios de negociação salarial que ocorrem a cada ano no País. Não deveriam ser motivo para preocupação, tirando o fato de que quase metade dos casos ocorreu nos últimos 16 meses. A evolução do formato e da frequência do gatilho indica que a expectativa sobre o nível de inflação futura está crescendo nas mesas de negociação. É preciso prestar atenção. Já assistimos a esse filme nos anos 80/90. Uma reprise não seria agradável.
09 de maio de 2014
Hélio Zilberstajn, O Estado de S.Paulo
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