O anúncio pelo governo dos EUA de que a Doutrina Monroe - criada por George Washington em 1823 para defender os interesses norte-americanos no Hemisfério contra pretensões europeias - deixou de existir poderia servir como primeiro passo para uma revisão de fundo da política externa da Casa Branca para a região. Dentre as políticas passíveis de reavaliação sobressai a questão do embargo contra Cuba.
Desde os anos 1960, como reflexo do clima de guerra fria e da pressão dos imigrantes cubanos instalados em Miami, o Congresso norte-americano aprovou a Lei Helms-Burton, que impôs pesadas sanções econômicas ao regime comunista instalado na ilha. Passados mais de 50 anos, as restrições econômicas e comerciais não trouxeram nenhum dos resultados políticos desejados pelos EUA, afetou profundamente o povo cubano e deu poderosos argumentos para os irmãos Castro se manterem no poder, acenando com a "agressão imperialista de Washington e da máfia terrorista de Miami".
Durante todo esse tempo a política externa dos EUA ficou refém da minoria cubana, sobretudo na Flórida, sem conseguir pôr fim ao embargo comercial nem devolver a Cuba a base de Guantánamo. Nos últimos 20 anos, contra a opinião de todos os países da região, os presidentes norte-americanos evitaram discutir esses dois temas.
As circunstâncias internas e externas em Cuba e nos EUA, contudo, estão se alterando mais rápido do que se imagina.
Raúl Castro, com o apoio de uma nova geração de membros do Partido Comunista, vem introduzindo mudanças graduais e controladas na economia cubana, como a legislação recente facilitando investimentos estrangeiros no país e a gradual abertura para a criação de empresas privadas. A frágil economia da ilha tem-se apoiado mais recentemente no petróleo subsidiado da Venezuela. Diante da rápida deterioração da situação venezuelana, esta poderá agravar-se com a redução ou suspensão do fornecimento de petróleo, que, em parte, é reexportado para geração de divisas.
Do ponto de vista externo, Cuba foi recentemente readmitida na Organização dos Estados Americanos (OEA) e os EUA começam a eliminar algumas restrições de comércio e de movimentação de pessoas, com o rápido aumento das remessas de dólares de Miami para os parentes na ilha. Com esses pequenos passos e algumas brechas na legislação, interesses comerciais dos dois lados elevaram as exportações americanas para mais de US$ 350 milhões em 2013. Por outro lado, investimentos importantes da Espanha e do México na área de turismo e do Brasil em infraestrutura, além de conversações iniciais visando a um acordo comercial entre Cuba e a União Europeia, não passam despercebidos dos interesses de empresas, sobretudo as baseadas na Flórida.
Desde o início de seu governo, Barack Obama tem buscado "um novo começo" com Cuba, ressaltando a necessidade de as políticas em relação a Havana serem criativas e permanentemente atualizadas. Cuba, contudo, continua sendo um tema sensível de política interna dos EUA e por isso toda ação positiva vem acompanhada de restrições quanto à falta de uma agenda de reforma democrática e de preservação dos direitos humanos.
Essa política gradualmente menos restritiva está sendo respaldada por pesquisas de opinião que apontam que a maioria dos norte-americanos defende mais diálogo, a retirada de Cuba da lista de "nações que patrocinam o terrorismo" e a possibilidade de um enviado especial para negociar com o regime castrista. Cerca de 56% dos americanos defendem a normalização das relações com Cuba, número que sobe a 63% entre os habitantes da Flórida, segundo o centro de estudos Atlantic Council. Obama, na sua reeleição, por sinal, venceu na Flórida, bastião pró-embargo, onde exilados cubanos se instalaram depois de terem os seus bens expropriados pela revolução de 1959. É perceptível a evolução da opinião pública, a ponto de cubanos exilados e seus descendentes estarem visitando a ilha pela primeira vez. Impensável há pouco tempo, hoje cubanos americanos começam a se reunir para discutir como normalizar as relações entre os dois países e pôr fim ao embargo econômico.
Nota-se mesmo uma discreta aproximação entre os dois países, apesar de persistirem questões espinhosas como a do cidadão norte-americano preso por acusação de espionagem e da ação clandestina da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid), mantida de 2009 a 2012 via Twitter, em Cuba para promover campanhas antigoverno, identificar potenciais líderes oposicionistas e ampliar setores dissidentes. A ironia é que para alimentar esse canal firma de fachada financiada pela Usaid fazia pagamentos a empresa estatal cubana contra o objetivo do embargo, que é o de privar o regime castrista de receitas...
Se os EUA iniciaram o processo de revisão da política de sanções contra o Irã, não há mais razão para manter o embargo econômico contra a ilha, apesar da oposição política de um grupo cada vez menos expressivo do lobby anti-Cuba em Miami. Obama, antes do fim de seu mandato, poderia finalmente eliminar o último resquício da guerra fria no Continente.
O Brasil, nas últimas décadas, colocou-se contra o embargo e a favor da plena reintegração de Cuba à comunidade hemisférica. Os gestos recentes no tocante ao financiamento da construção do porto de Mariel e a cooperação, via Opas, no programa Mais Médicos aproximaram ainda mais os dois países.
Quando as relações com os EUA se normalizarem e o Brasil voltar a ter uma política externa que projete o País e faça sua voz ser ouvida mais forte, deveríamos, com credibilidade, estimular a gradual aproximação EUA-Cuba por meio de uma discreta ação junto ao governo e ao Congresso norte-americano para que seja posto um fim ao embargo econômico à ilha.
Desde os anos 1960, como reflexo do clima de guerra fria e da pressão dos imigrantes cubanos instalados em Miami, o Congresso norte-americano aprovou a Lei Helms-Burton, que impôs pesadas sanções econômicas ao regime comunista instalado na ilha. Passados mais de 50 anos, as restrições econômicas e comerciais não trouxeram nenhum dos resultados políticos desejados pelos EUA, afetou profundamente o povo cubano e deu poderosos argumentos para os irmãos Castro se manterem no poder, acenando com a "agressão imperialista de Washington e da máfia terrorista de Miami".
Durante todo esse tempo a política externa dos EUA ficou refém da minoria cubana, sobretudo na Flórida, sem conseguir pôr fim ao embargo comercial nem devolver a Cuba a base de Guantánamo. Nos últimos 20 anos, contra a opinião de todos os países da região, os presidentes norte-americanos evitaram discutir esses dois temas.
As circunstâncias internas e externas em Cuba e nos EUA, contudo, estão se alterando mais rápido do que se imagina.
Raúl Castro, com o apoio de uma nova geração de membros do Partido Comunista, vem introduzindo mudanças graduais e controladas na economia cubana, como a legislação recente facilitando investimentos estrangeiros no país e a gradual abertura para a criação de empresas privadas. A frágil economia da ilha tem-se apoiado mais recentemente no petróleo subsidiado da Venezuela. Diante da rápida deterioração da situação venezuelana, esta poderá agravar-se com a redução ou suspensão do fornecimento de petróleo, que, em parte, é reexportado para geração de divisas.
Do ponto de vista externo, Cuba foi recentemente readmitida na Organização dos Estados Americanos (OEA) e os EUA começam a eliminar algumas restrições de comércio e de movimentação de pessoas, com o rápido aumento das remessas de dólares de Miami para os parentes na ilha. Com esses pequenos passos e algumas brechas na legislação, interesses comerciais dos dois lados elevaram as exportações americanas para mais de US$ 350 milhões em 2013. Por outro lado, investimentos importantes da Espanha e do México na área de turismo e do Brasil em infraestrutura, além de conversações iniciais visando a um acordo comercial entre Cuba e a União Europeia, não passam despercebidos dos interesses de empresas, sobretudo as baseadas na Flórida.
Desde o início de seu governo, Barack Obama tem buscado "um novo começo" com Cuba, ressaltando a necessidade de as políticas em relação a Havana serem criativas e permanentemente atualizadas. Cuba, contudo, continua sendo um tema sensível de política interna dos EUA e por isso toda ação positiva vem acompanhada de restrições quanto à falta de uma agenda de reforma democrática e de preservação dos direitos humanos.
Essa política gradualmente menos restritiva está sendo respaldada por pesquisas de opinião que apontam que a maioria dos norte-americanos defende mais diálogo, a retirada de Cuba da lista de "nações que patrocinam o terrorismo" e a possibilidade de um enviado especial para negociar com o regime castrista. Cerca de 56% dos americanos defendem a normalização das relações com Cuba, número que sobe a 63% entre os habitantes da Flórida, segundo o centro de estudos Atlantic Council. Obama, na sua reeleição, por sinal, venceu na Flórida, bastião pró-embargo, onde exilados cubanos se instalaram depois de terem os seus bens expropriados pela revolução de 1959. É perceptível a evolução da opinião pública, a ponto de cubanos exilados e seus descendentes estarem visitando a ilha pela primeira vez. Impensável há pouco tempo, hoje cubanos americanos começam a se reunir para discutir como normalizar as relações entre os dois países e pôr fim ao embargo econômico.
Nota-se mesmo uma discreta aproximação entre os dois países, apesar de persistirem questões espinhosas como a do cidadão norte-americano preso por acusação de espionagem e da ação clandestina da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid), mantida de 2009 a 2012 via Twitter, em Cuba para promover campanhas antigoverno, identificar potenciais líderes oposicionistas e ampliar setores dissidentes. A ironia é que para alimentar esse canal firma de fachada financiada pela Usaid fazia pagamentos a empresa estatal cubana contra o objetivo do embargo, que é o de privar o regime castrista de receitas...
Se os EUA iniciaram o processo de revisão da política de sanções contra o Irã, não há mais razão para manter o embargo econômico contra a ilha, apesar da oposição política de um grupo cada vez menos expressivo do lobby anti-Cuba em Miami. Obama, antes do fim de seu mandato, poderia finalmente eliminar o último resquício da guerra fria no Continente.
O Brasil, nas últimas décadas, colocou-se contra o embargo e a favor da plena reintegração de Cuba à comunidade hemisférica. Os gestos recentes no tocante ao financiamento da construção do porto de Mariel e a cooperação, via Opas, no programa Mais Médicos aproximaram ainda mais os dois países.
Quando as relações com os EUA se normalizarem e o Brasil voltar a ter uma política externa que projete o País e faça sua voz ser ouvida mais forte, deveríamos, com credibilidade, estimular a gradual aproximação EUA-Cuba por meio de uma discreta ação junto ao governo e ao Congresso norte-americano para que seja posto um fim ao embargo econômico à ilha.
23 de abril de 2014
Rubens Barbosa, O Globo
Nenhum comentário:
Postar um comentário