Não é preciso ter visto o filme de Carlos Saura para entender o significado da célebre expressão espanhola.
O rojão na cabeça que matou o cinegrafista Santiago Andrade da TV Bandeirantes durante um distúrbio no Rio é o olho arrancado por um corvo criado, alimentado, paparicado e incentivado por boa parte do pensamento político que imagina construir uma sociedade perfeita cheia de fadas Sininho e de rios de leite e mel, onde a justiça social estará disponível nas prateleiras dos supermercados a preços de liquidação.
Não importa se o morteiro foi disparado por 150 reais. Há assassinatos mais baratos do que esse disponíveis no mercado. Importa é o caldo da cultura que criou assassinos-vítimas que aparecem com cara de Dr. Jeckyll nos seus gestos de confissão e arrependimento e são fotografados em ação no auge de sua monstruosa transfiguração de Mr. Hyde.
Se, além do curling, houvesse na olimpíada russa de inverno que transcorre em Sochi a modalidade de pisar em ovos, a imprensa, as autoridades, os políticos e o governo brasileiro criariam um escrete imbatível.
Pede-se uma lei contra o terrorismo, mas terrorismo não é. E se terrorismo for, como não enquadrar os não muito amigáveis manifestantes do MST, que ocuparam a praça dos Três Poderes, tentaram invadir o prédio do Supremo e entraram em combate com policiais militares?
Mas não se pode criminalizar os movimentos sociais, reza a cartilha do poder. Por isso, prudentemente o ministro da Justiça guardou em sua gaveta um ante-projeto do secretário de segurança do Rio, Mauro Beltrame, prevendo punições para manifestações violentas.
Como se não bastasse, representantes do pacífico MST, cujo líder José Pedro Stédile chamou o governo Dilma de “bundáo” em questões de reforma agrária uma semana antes, foram recebidos e afagados pela própria presidente, depois de ferir 30 policiais nos choques do dia anterior.
Mas se o movimento for contra a Copa do Mundo, não será mais movimento social, mas pode ser enquadrado como terrorismo, conforme um projeto de lei que está atravancado em alguma gaveta do Congresso Nacional.
A confusão conceitual se instalou na seara do politicamente correto, e os concorrentes da maratona de pisar em ovos, não sabem mais pra que lado atirar: os pobres meninos desamparados da periferia que atiram rojões a esmo são vítimas da sociedade ou da exploração de políticos inescrupulosos que pagam pela sua violência?
O diabo é que todos dizem querer uma sociedade mais justa e em nome disso são capazes de pregar e acreditar que a justiça está em desmoralizar o Poder Judiciário porque condenou correligionários por corrupção ou em escrever que o “superávit primário é uma invenção diabólica do capitalismo para explorar os povos”.
Quem cria esses corvos? E os olhos de quem eles comerão?
16 de fevereiro de 2014
Sandro Vaia é jornalista.
Nenhum comentário:
Postar um comentário