As palavras não têm culpa do uso que fazemos delas. O ano de 2013 passou uma flanela na palavra que era associada a esquerdismo infantil nos Estados Unidos: desigualdade. Os Estados Unidos hoje têm a mais alta disparidade de renda entre os países desenvolvidos.
Nova York se tornou o laboratório do diálogo, impulsionado pela campanha improvável do homem que toma posse na prefeitura no dia 1o de janeiro. O tabu quebrado por Bill de Blasio está se espalhando, de eleições municipais a discursos presidenciais. A nova prefeita da cidade de Rochester se elegeu plagiando o refrão de campanha do nova-iorquino, o Conto das Duas Cidades, que, por sua vez toma emprestado o título homônimo de Charles Dickens. Progressistas começam a sair do armário e a debater distribuição de renda.
Recebi uma carta-convocação da atriz Cinthia Nixon, de, ó ironia, Sex and the City. Ela não propõe que todos os nova-iorquinos possam comprar sapatos Manolo Blahnik. Está pedindo adesões à iniciativa UPK, a plataforma que ajudou a eleger de Blasio, para estender acesso à educação pré-escolar a todas as crianças de Nova York. O programa precisa ser financiado com um aumento de 4% no imposto de quem ganha mais de meio milhão de dólares por ano e, há uma década, teria sido ridicularizado por estas bandas.
Barack Obama escolheu o tema desigualdade para o seu mais importante discurso de fim de ano. Mas 30 anos de estigma do termo tratado como bastardo ainda se fazem sentir. Dois autores, auto-investidos com a tarefa de manter o Partido Democrata difícil de distinguir da oposição republicana, publicaram um manifesto no Wall Street Journal alertando que o debate sobre a desigualdade será um beco sem saída para o futuro político do partido.
Bill de Blasio é acusado de ingênuo e seus críticos lembram que, na economia globalizada, uma cidade, ainda que seja Nova York, não pode combater a disparidade social. É difícil imaginar que ele seja obtuso a ponto de pensar que pode fazer desta metrópole uma bolha na contramão da economia internacional.
Mas a economia, global ou local, é produto de um conjunto de regras e regulamentos, do salário mínimo regional aos impostos sobre ganhos de capital. Um argumento favorito da direita é de que combater a desigualdade é populismo, promoção de igualdade de resultados. Mas o debate é sobre a diferença de oportunidades. Ninguém há de contestar que uma família americana pobre ou de classe média baixa hoje tem muito mais chances de colocar seus filhos numa dilapidada escola pública e assim selar a sorte deles num futuro radicalmente transformado pela tecnologia.
Um novo documentário, Inequality for All (Desigualdade para Todos), que recomendo e vai estar disponível em DVD no começo de janeiro, traça a marcha da tendência com a clareza típica de seu narrador, o renomado economista Robert Reich, ex-Secretário do Trabalho do governo de Bill Clinton e professor da Universidade da California, em Berkeley. Reich é autor de 13 livros. O título do último, Beyond Outrage (Além da Indignação) não deixa dúvidas sobre o que pensa do fato de que a disparidade de renda nos Estados Unidos chegou ao auge em duas datas historicamente relacionadas: 1928 e 2007, vésperas das duas maiores recessões do último século.
O documentário dirigido por Jacob Kornbluth não é uma cantilena de vítimas e demonização. Argumenta que as duas origens mais citadas da desigualdade, a globalização e a tecnologia, não precisam ser uma sentença de morte para a classe média. Sem classe média, não teria havido a prosperidade americana do pós-guerra da qual o mundo também se beneficiou. Reich diz que a elite americana cruzou os braços e passou a se concentrar em evitar perdas com a globalização, o que facilitou a emergência da indústria financeira fora de controle.
A mídia aqui saiu da torcida incondicional e passou a divulgar com mais frequência fatos como este: nos três anos em que os Estados Unidos começaram a sair da grande recessão, 95% dos ganhos de renda foram para 1% da população.
Se o caro leitor estiver em Manhattan comprando uma camiseta de US $ 5 neste Natal, faça uma pausa para pensar o seguinte: o salário do vendedor, que continua a cair, apesar do aumento de sua produtividade, é subsidiado por esta colunista. O imposto que pagamos é gasto com vales refeição do governo federal e assistência médica na emergência de hospitais sustentados pela prefeitura. As corporações reduziram de tal forma o salário e os benefícios que o governo precisa ajudar a manter os trabalhadores alimentados e de pé para vender a camiseta.
O prêmio Nobel de Economia Joseph Stiglitz publicou ontem um artigo no New York Times argumentando que a desigualdade gera desconfiança no sistema, enfraquece a economia e acaba por erodir a democracia.
Vista a sua camiseta mas não deixe de vestir também a ideia de que algo pode mudar.
Nova York se tornou o laboratório do diálogo, impulsionado pela campanha improvável do homem que toma posse na prefeitura no dia 1o de janeiro. O tabu quebrado por Bill de Blasio está se espalhando, de eleições municipais a discursos presidenciais. A nova prefeita da cidade de Rochester se elegeu plagiando o refrão de campanha do nova-iorquino, o Conto das Duas Cidades, que, por sua vez toma emprestado o título homônimo de Charles Dickens. Progressistas começam a sair do armário e a debater distribuição de renda.
Recebi uma carta-convocação da atriz Cinthia Nixon, de, ó ironia, Sex and the City. Ela não propõe que todos os nova-iorquinos possam comprar sapatos Manolo Blahnik. Está pedindo adesões à iniciativa UPK, a plataforma que ajudou a eleger de Blasio, para estender acesso à educação pré-escolar a todas as crianças de Nova York. O programa precisa ser financiado com um aumento de 4% no imposto de quem ganha mais de meio milhão de dólares por ano e, há uma década, teria sido ridicularizado por estas bandas.
Barack Obama escolheu o tema desigualdade para o seu mais importante discurso de fim de ano. Mas 30 anos de estigma do termo tratado como bastardo ainda se fazem sentir. Dois autores, auto-investidos com a tarefa de manter o Partido Democrata difícil de distinguir da oposição republicana, publicaram um manifesto no Wall Street Journal alertando que o debate sobre a desigualdade será um beco sem saída para o futuro político do partido.
Bill de Blasio é acusado de ingênuo e seus críticos lembram que, na economia globalizada, uma cidade, ainda que seja Nova York, não pode combater a disparidade social. É difícil imaginar que ele seja obtuso a ponto de pensar que pode fazer desta metrópole uma bolha na contramão da economia internacional.
Mas a economia, global ou local, é produto de um conjunto de regras e regulamentos, do salário mínimo regional aos impostos sobre ganhos de capital. Um argumento favorito da direita é de que combater a desigualdade é populismo, promoção de igualdade de resultados. Mas o debate é sobre a diferença de oportunidades. Ninguém há de contestar que uma família americana pobre ou de classe média baixa hoje tem muito mais chances de colocar seus filhos numa dilapidada escola pública e assim selar a sorte deles num futuro radicalmente transformado pela tecnologia.
Um novo documentário, Inequality for All (Desigualdade para Todos), que recomendo e vai estar disponível em DVD no começo de janeiro, traça a marcha da tendência com a clareza típica de seu narrador, o renomado economista Robert Reich, ex-Secretário do Trabalho do governo de Bill Clinton e professor da Universidade da California, em Berkeley. Reich é autor de 13 livros. O título do último, Beyond Outrage (Além da Indignação) não deixa dúvidas sobre o que pensa do fato de que a disparidade de renda nos Estados Unidos chegou ao auge em duas datas historicamente relacionadas: 1928 e 2007, vésperas das duas maiores recessões do último século.
O documentário dirigido por Jacob Kornbluth não é uma cantilena de vítimas e demonização. Argumenta que as duas origens mais citadas da desigualdade, a globalização e a tecnologia, não precisam ser uma sentença de morte para a classe média. Sem classe média, não teria havido a prosperidade americana do pós-guerra da qual o mundo também se beneficiou. Reich diz que a elite americana cruzou os braços e passou a se concentrar em evitar perdas com a globalização, o que facilitou a emergência da indústria financeira fora de controle.
A mídia aqui saiu da torcida incondicional e passou a divulgar com mais frequência fatos como este: nos três anos em que os Estados Unidos começaram a sair da grande recessão, 95% dos ganhos de renda foram para 1% da população.
Se o caro leitor estiver em Manhattan comprando uma camiseta de US $ 5 neste Natal, faça uma pausa para pensar o seguinte: o salário do vendedor, que continua a cair, apesar do aumento de sua produtividade, é subsidiado por esta colunista. O imposto que pagamos é gasto com vales refeição do governo federal e assistência médica na emergência de hospitais sustentados pela prefeitura. As corporações reduziram de tal forma o salário e os benefícios que o governo precisa ajudar a manter os trabalhadores alimentados e de pé para vender a camiseta.
O prêmio Nobel de Economia Joseph Stiglitz publicou ontem um artigo no New York Times argumentando que a desigualdade gera desconfiança no sistema, enfraquece a economia e acaba por erodir a democracia.
Vista a sua camiseta mas não deixe de vestir também a ideia de que algo pode mudar.
23 de dezembro de 2013
Lúcia Guimarães, O Estado de S. Paulo
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