"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

domingo, 27 de outubro de 2013

NOVOS MUNICÍPIOS: RISCOS SÃO MAIORES DO QUE OS BENEFÍCIOS


Balneário Rincão, em Santa Catarina
         Balneário Rincão (SC): 60% do orçamento são dos cofres da União (Divulgação)          


Descentralização do poder facilita gestão de cidades e aproxima eleitor de seus representantes. Mas a falta de autonomia fiscal torna prefeituras dependentes


Com o aval do Congresso, 188 municípios podem ser criados nos próximos meses. O projeto que retoma a autorização para a emancipação de novas cidades passou pela Câmara e pelo Senado e agora depende apenas da sanção presidencial. A decisão dos parlamentares trouxe à tona um debate relevante que envolve, de um lado, a importância da descentralização dos poderes e, do outro, a necessidade de parcimônia nos gastos públicos. Mas, na prática, os riscos são maiores do que os benefícios.

O primeiro e alarmante problema surge logo de cara: os gastos com a implementação da máquina administrativa das novas prefeituras podem chegar a 9 bilhões de reais mensais. Em tese, as novas prefeituras não devem onerar a União porque a divisão de municípios leva a uma redistribuição automática do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) - hoje, de 60 bilhões de reais por ano. Mas a verdade é que, junto com as novas cidades, abrem-se novas oportunidades para desvios de recursos públicos. É uma questão matemática: quanto mais gente põe a mão no dinheiro, maiores as chances de desperdício.

Além disso, no médio prazo, o aumento no número de municípios acaba levando o governo federal a ampliar a carga tributária para cobrir perdas das cidades que forem desmembradas. "O bolo é um só. Para bancar os novos municípios sem tirar dinheiro das prefeituras é preciso aumentar o bolo, que é a carga tributária", diz Guilherme Mercês, gerente de Economia e Estatística da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan). 

Anualmente, a entidade faz um minucioso estudo sobre a situação fiscal dos municípios. A pesquisa publicada neste ano, com base nos dados de 2011, mostrou que 4.328 prefeituras (83,8% do total) não conseguiram produzir nem 20% dos recursos que gastaram. O resto da conta foi paga pela União, especialmente por meio do FPM - que, por sua vez, tem como fonte o Imposto de Renda e o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).

No levantamento da Firjan, apenas 205 dos 5.570 municípios atingiram o patamar de boa gestão - quando pelo menos 60% dos recursos do orçamento são oriundos da arrecadação municipal. "A descentralização das políticas públicas está longe de ser o problema. É a solução para que a gente possa entender os problemas daquela localidade. A questão é se é necessária uma estrutura administrativa e burocrática em cada cidade", diz Guilherme Mercês.

Na década de 1990, as Assembleias Legislativas tinham poder para votar pela criação de cidades sem qualquer critério. Resultado: a chamada farra dos municípios multiplicou prefeituras parasitas, que serviram para aumentar o número de currais eleitorais no país.

Entre 1984 e 2000, 1.405 municípios ganharam autonomia no Brasil. Em 1996, a falta de controle levou o Congresso a suspender os processos de emancipação até que o processo fosse regulamentado por uma lei complementar - o que acontecerá agora, com a proposta aprovada no parlamento. 

Do ponto de vista territorial, a expansão do número de prefeituras não seria essencialmente ruim: a fragmentação do poder mantém o eleitor próximo de seu representante e permite ao governante achar soluções apropriadas para cada comunidade. O problema é que o peso da administração pública e a falta de autonomia na arrecadação acabam por sufocar as frágeis finanças municipais.

Plebiscito - O projeto aprovado pelo Congresso dá passos importantes para evitar abusos porque cria exigências que dão mais rigor ao processo de criação de municípios: para ganhar autonomia, as cidades precisam cumprir algumas exigências - inclusive populacionais. O número mínimo de habitantes varia de acordo com a região.

No Norte, onde a exigência é menor, é preciso ter pelo menos 5.000 moradores para pleitear a emancipação. Em todo o Brasil, essa norma adiou os planos de quase 900 cidades que buscavam a emancipação.

Também será preciso demonstrar viabilidade financeira para pagar ao menos uma parte significativa das próprias contas. "Esse projeto é uma vacina contra a proliferação de municípios inviáveis", diz o senador Mozarildo Cavalcanti (PTB-RO), autor da proposta. 

A lei estabelece ainda que a criação de municípios só ocorrerá após um plebiscito que inclua também a população da cidade a ser desmembrada.
Por isso, o presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), Paulo Ziukolski, não vê riscos de uma multiplicação de novas cidades como consequência da lei aprovada pelo Congresso.
Para ele, a regra é impeditiva: “Na verdade, isso inviabiliza a criação de municípios, com algumas exceções”, avalia ele.

Primeiros passos - Apesar da decisão de 1996 que paralisou a criação de municípios, algumas cidades que já tinham iniciado o processo de emancipação conseguiram sua autonomia nos últimos anos - na maior parte dos casos, após batalhas judiciais. Uma delas foi a de Balneário Rincão (SC).

O município ganhou vida própria em janeiro deste ano. Com seus 12 mil habitantes, a cidade ainda tenta se desprender das cidades mais importantes da vizinhança. "Balneário Rincão estava se tornando cidade-dormitório de Criciúma e Içara. A gente quer romper essa tendência e focar no turismo", diz o prefeito da cidade, Décio Góes (PT).  Hoje, cerca de 60% do orçamento anual são bancados pelos recursos federais. 

Góes, que é ex-prefeito de Criciúma e foi cassado em 2004, admite as dificuldades de fazer as finanças da cidade sustentáveis e diz que tem se esforçado para manter a máquina administrativa enxuta: "Tenho experiência e estou fazendo as coisas de modo que possamos dar passos seguros, que não tenham consequências ruins adiante", afirma.

A descentralização administrativa trazida pela criação de municípios é positiva porque o cidadão fica mais próximo de seus representantes. O Brasil tem exemplos evidentes de como o poder local é mal distribuído. A cidade de Altamira (PA), que tem um território maior do que o da Grécia e o da Suíça juntos, possui um distrito que fica 950 quilômetros distante da prefeitura, o que inviabiliza uma gestão municipal eficiente. 


Mesmo áreas exclusivamente urbanas parecem extensas demais no Brasil.
Goiânia, por exemplo, tem cerca de 780 quilômetros quadrados - tanto quanto Nova York e duas vezes mais do que a cidade da Filadélfia, que tem uma população equivalente.

Os Estados Unidos, com um território de dimensões semelhantes ao do Brasil e uma população menos de duas vezes maior, tem cerca de 36.000 administrações locais, equivalentes a prefeituras. Mas, em muitas cidades pequenas, o poder é exercido por cidadãos não remunerados - ao contrário do Brasil, em que a estrutura mínima envolve prefeito e vice, secretários municipais e pelo menos nove vereadores.

O modelo americano é fruto dos princípios federalistas de descentralização do poder. E funciona. Mais uma prova de que o maior problema do Brasil não é o número de cidades, e sim o excesso de burocracia e a mão pesada da União, que pega para si a maior parte dos tributos e deixa as prefeituras dependentes dos repasses federais.



27 de outubro de 2013



Gabriel Castro, de Brasília
 

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