Artigos - Movimento Revolucionário
As fontes românticas e pré-românticas do nacional-socialismo: Sturm und Drang
A Beleza é uma manifestação de leis naturais secretas que de outro modo teriam permanecido escondidas de nós para sempre. (...) Mágica é acreditar em você mesmo, se você conseguir fazer isto poderá fazer qualquer coisa acontecer.
Johann Wolfgang von Goethe
O romantismo alemão caracteriza-se pela recusa do racionalismo imposto pelo Iluminismo e a elevação da subjetividade como bem maior. Já o movimento pré-romântico na música e literatura alemãs (1760-1780) se baseava na livre expressão da subjetividade, particularmente de extremos de emoção, como reação às amarras do racionalismo imposto pelo Aufklärung. Este período recebeu o nome da peça de Friedrich Maximilian Klinger primeiramente apresentada pela companhia teatral de Abel Seyler em Leipzig em 1º de abril de 1777: Sturm und Drang. Este movimento representava o irromper do indivíduo contra a sociedade e da intuição, dos sentimentos e da emoção contra a fria razão e, paralelamente, a nostalgia do estado feudal medieval. A Idade Média era vista por estes românticos precoces como um período mais simples e integrado e tentaram, em seu tempo, uma nova síntese de arte, filosofia e ciência medievais.
Sturm und Drang, que podemos traduzir para o português por tempestade e ímpeto ou tempestade e paixão abominava o "desencanto" que o Iluminismo do século XVIII trouxera ao mundo cultural europeu.
O Iluminismo enfatizava a ciência, o racionalismo, a tecnologia e o progresso. Os românticos alemães preferem exaltar a natureza e o sentimento.
O Iluminismo trouxera a descrença na Igreja e a secularização. Como na fórmula de Kant: "Sapere Aude", ousa saber por ti mesmo. O Romantismo, em contrapartida valoriza a religião, mas também toda sorte de crenças populares, mitologias gregas, germânicas, nórdicas, bruxarias, ocultismos. Goethe e Schiller foram os líderes mais proeminentes deste movimento, que teria uma enorme influência em todos os setores culturais na Alemanha.
Romantismo (1783-1815)
Por que os rios e montanhas alemãs não podem ter um espírito (como o dos índios americanos)? ... defendamos o espírito nacional e mostremos através de exemplos que a Alemanha possui, desde tempos imemoriais, um espírito nacional fixo em todas as classes. E este espírito existirá para sempre. Quem escrever esta história, mais do que uma coroa cívica, uma grinalda de carvalho enfeitada de faias e ramos de tília.
Johann Gottfried Herder
Johann Georg Hamman, ardente patriota e francófobo, seguidor do místico Jacob Böhme, defendia as emoções contra a razão, produzia ditados e oráculos obscuros que lhe renderam o título de “mago do norte”. Seu discípulo Johann Gottfried Herder (estudante de Kant em Königsberg, Prússia Oriental), exerceu grande influência entre seus contemporâneos (7). Deu aos alemães um novo orgulho: adorava a tradição gótica desejando ter nascido na Idade Média e confundia germânicos com góticos. Sua coletânea de poesia folclórica inaugurou a grande voga por este tipo de literatura até então negligenciado.
Em 1772 publicou Über den Unsprung der Sprache (Sobre as Origens da Linguagem) que fundou o estudo de filologia comparada. Seus estudos culminaram em seu maior trabalho, iniciado em 1783: Ideen zur Philosophie der Geschichte der Menschkeit (Idéias sobre a Filosofia da História da Humanidade), onde sublinhou a influência do ambiente físico e histórico sobre o desenvolvimento humano. Herder substituiu o tradicional conceito de Estado político-jurídico pelo de nação-volk (Volksdeutsch) [8]: não é somente uma associação de cidadãos, mas se aproxima mais de uma comunidade tribal considerada como nação.
A palavra tem a conotação de homogeneidade racial e nada tem a ver com populacho, commons ou classes sociais inferiores. Cada nação é uma totalidade orgânica. Herder sublinhava principalmente um crescimento histórico orgânico: uma nacionalidade era como uma planta, e Herder falavam de “animal social” e da “fisiologia da totalidade do grupo nacional”.
Este organismo era completado pelo “espírito nacional”, a “alma da nação” sem limites geográficos definidos: a Providência, sabiamente, separou as nacionalidades não somente pelas florestas, montanhas, rios e desertos, mas particularmente pela língua, inclinação e caráter. Cada nação se distingue por seu clima, educação, relações com o exterior, tradição e hereditariedade.
Encontram-se aqui os rudimentos da divinização do sangue e do solo germânico, de uma nova religião que prescindisse da Bíblia: Blut und Boden (Sangue e Solo): “as plantas e animais alemães não são desprovidos de alma, como os servos do Deus judaico [9]. Este tema foi retomado por Walther Darré, ministro da Alimentação e Agricultura do III Reich. Herder glorificava o ponto de vista tribal: “o selvagem que ama a si mesmo, sua mulher e filhos com serena felicidade e se anima com o trabalho limitado por sua tribo e pela sua própria vida é, em minha opinião, um ser mais real de que o (homem) culto e cultivado entusiasmado pela sombra de toda a espécie”. “Os ingleses são germânicos e até os últimos tempos os alemães abriram o caminho para os ingleses em todas as grandes coisas”. Num desafio formal aos iluministas, celebra o Volks-Gedanke (pensamento popular) e adverte que este se encontra frente a um abismo: “A luz do assim chamado Aufklärung consome-o como um câncer. No último século vivemos envergonhados de tudo que se refere à Vaterland (pátria, no sentido de nação-volk). O caráter orgânico do volk era levado a extremos: só existe uma classe, o volk (excluindo a ralé ou populacho), e pertencem a ela tanto o rei como o servo da gleba.
Embora considerasse os judeus como asiáticos e estrangeiros vivendo na Europa, Herder recusou-se a se comprometer com uma teoria racial rígida.
Pode parecer exagero voltar atrás tantos anos – e voltaremos mais ainda – mas é aí que começam a se delinear o que Hitler tinha como objetivo: criar uma comunidade tribal – Volksgemeinshaft – uma rígida nação auto-confiante, “nosso Partido”, na verdade uma Nova Ordem, a Germanennorden.
Para avançarmos em nossa pesquisa falta anda mencionar outro autor desta mesma época em cuja obra já se esboça o futuro estado nazi-fascista [10].
Johann Gottlieb Fichte pode ser considerado, depois de Herder, como um legítimo formulador do pensamento nacional alemão. Fichte, o precursor metafísico de Hegel foi, inicialmente, outro opositor do Aufklärung e defendeu o obscurantismo prussiano, mas, sob a influência de Kant e da Revolução Francesa, dedicou-se ao estudo da liberdade individual, a lei natural e o cosmopolitismo. Gradualmente formou uma visão do Estado em seu Der geschlossene Handelstaat (O Estado Comercial Fechado) em oposição direta ao que Adam Smith defendera vinte anos antes na Riqueza das Nações. Sua tese inicial era de que “apenas o estado consegue unir uma multidão indeterminada de seres humanos numa totalidade delimitada (Allheit)”.
“A mais importante função do estado tem sido negligenciada: instalar cada cidadão no local apropriado para ele. (para isto) a anarquia comercial e a política devem se gradualmente removidas e o estado se fechar em si mesmo em suas funções legislativas e judiciárias.
Segundo Butler (loc. cit.) a tendência romântica de retornar à Idade Média está aparente na visão da economia: Fichte ressalta as garantias de seguridade social, sendo dever do estado que cada homem viva convenientemente em seu próprio benefício.
Como toda idealização da Idade Média, isto é uma falácia: a divisão fixa e hereditária de uma minoria de “senhores” e uma maioria de servos da gleba, nada tinha de conveniente para os últimos, embora tenha sido muito conveniente para os primeiros. Todos, sem exceção, que idealizam aqueles tempos, se imaginam como senhores, e não como servos. Caso contrário, jamais idealizariam este passado de horror.
Há nesta falácia entre os românticos antigos e atuais, uma hipocrisia idêntica a dos comunistas e nazi-fascistas: cada indivíduo no seu lugar, desde que eu fique por cima, que ninguém é de ferro! Por isto relacionei na primeira parte revolução como “volta ao passado” só que com os revolucionários no lugar da aristocracia. Os reacionários que se consideram conservadores não o são, pois cabe conservar o que de progresso já tivemos e aperfeiçoá-lo, nunca voltar aos tempos aristocráticos.
Retornando a Fichte, seu estado era um que instituiria um rígido corporativismo controlado, tornando impossíveis as empresas individuais, isto é, o direito de propriedade que deve ser absoluto para “a busca da felicidade”.
“... cada pessoa que deseja se devotar exclusivamente a uma ocupação deve, segundo a lei estabelecida, comunicar ao governo que, em nome de todos possui o direito exclusivo de conceder ou negar licença (de acordo com o bem comum pode obrigar o indivíduo a renunciar a seus desejos). (por exemplo): Se alguém quiser ocupar um determinado ramo de atividades que já está legalmente preenchida, seu direito será negado e ele será encaminhado para outros ramos de atividade nos quais seu empenho seja necessário”.
Estamos falando aqui no estado autárquico, raiz dos futuros estados totalitários do século XX, auto-suficiente, de economia fechada, no qual o governo tudo controla, e isola a nação do resto do mundo. Compare-se com o lema fascista: “Tudo no Estado, nada contra o Estado, e nada fora do Estado”.
Os alemães, derrotados na I Guerra não foram capazes de se ajustar à vida burguesa e às instituições democráticas e liberais, princípios forçados sobre eles pelos aliados e necessitavam de um novo sistema de crenças que tinham perdido com a derrota do Império invencível. Rejeitaram Weimar e
“ansiavam por uma ordem política fundada num sistema de crenças. Ao invés de reconstruir a nação, abraçaram uma ordem quase religiosa, uma weltanschauung que satisfizesse seus conceitos e valores adequados a seus anseios e que, adicionalmente, prometessem recompensa material e segurança para o futuro” [11].
Exatamente o Estado Autárquico. Esta ordem, geralmente obedecida ao longo da história das SS dava a impressão de que estes possuíam algo simples, a verdade absoluta. Hitler concebeu seus SS não apenas como seguidores, mas como crentes incondicionais. Eles descobriram que “se” e “mas” não existiam, apenas disciplina partidária. (Steiner, loc. cit.)
Fichte, além disso, acreditava que a criação de estados comercialmente fechados promoveria a paz internacional: ao abandonar uma economia de maximização e revertendo ao conceito medieval de suficiência, a principal causa da guerra seria removida (Butler, loc. cit.).
Outros conceitos nazistas estão expressos na obra de Fichte Der geschlossene Handelstaat: ocupação territorial sem resistência com transferência de populações (Lebensraum – espaço vital), e cultivo do nacionalismo com coordenação de todas as instituições nacionais (Gleichshaltung).
Notas:
[7] Rohan D’O. Butler, The Roots of National Socialism, E. P. Dutton & Co., Inc., 1942: New York
[8] Volk deve ser traduzido para o inglês por folk, não people (Butler (op.cit., p. 25n). Em português não temos uma palavra que coincida com ela, a não ser no significado de folklore, que escrevemos folclore, por isto não a traduzirei no texto.
[9] Matilde Ludendorff, Deutscher Gottglaube, cit. por Richard Steigmann-Gall, O Santo Reich: concepções nazistas do Cristianismo 1919-1945, Imago, 2004: Rio.
[10] Depois de examinar alguns aspetos da obra de Nietzsche e Herder, este é o momento para esclarecer que meus conhecimentos filosóficos são modestos. Por esta razão pincei na obras dos autores aquilo que entendo e interessa ao assunto em questão.
[11] John Steiner, Power Politics and Social Change in National Socialist Germany: a process of escalation into mass destruction, Mouton Publishers/Humanities Press, 1976: The Hague/Paris
27 de outubro de 2013
Heitor De Paola
Publicado no jornal Visão Judaica, de Curitiba.
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