Depoimentos, conversas e planilhas em poder da PF apontam que esquema de corrupção da multinacional também atingiu estatais de energia elétrica
A CONSULTORIA - O ex-presidente da Alstom José Luiz Alquéres disse que não pagava comissões para obter contratos. Porém, em depoimento à PF, Osvalso Panzarini, ex-diretor da empresa, confirmou ter acertado com um grupo de lobistas o pagamento de 3% sobre o valor dos recursos liberados pela Eletronorte. (Fernando Cavalcanti/Andre Valentim)
No vocabulário dos diretores da Alstom, a multinacional francesa investigada por corrupção em vários países, a palavra acerto pode ter significados bem diferentes. Para José Luiz Alquéres, ex-presidente da empresa, ela nada tem a ver com suborno ou pagamento de comissões, práticas que, segundo ele, sempre foram proibidas.
Em 2006, o engenheiro Osvaldo Panzarini, um graduado funcionário da Alstom, foi flagrado em conversas telefônicas tratando de “acertos” que visavam a resolver litígios financeiros da companhia: “O pessoal ‘tá’ recebendo uma série de regras aqui, de acertos. E os caras ‘tão’ fixando em 3%, chegando no limite dos 5, mas esse 5 já é com... se tiver que pagar impostos”. E completa: “O porcentual a ser pago é sempre sobre o valor líquido e não sobre o valor contratual, entendeu?”. A Alstom cobrava uma dívida milionária da Eletronorte.
A estatal, porém, não reconhecia a dívida com a empresa. Nos diálogos interceptados, Panzarini explica a interlocutores que resolveu o impasse com a Eletronorte contratando um grupo de lobistas com bom trânsito em órgãos federais e acesso privilegiado a graduados funcionários públicos.
VEJA teve acesso a um depoimento prestado à polícia pelo ex-diretor da Alstom no qual ele detalha o acordo — e deixa claro que a regra de não pagar a propina estabelecida pela multinacional, se é que existiu de fato, pode não ter sido respeitada.
Panzarini contou que, no fim de 2005, logo depois de chegar a um acordo com a estatal sobre o pagamento da dívida, foi procurado por um grupo de lobistas que lhe pediu uma comissão de 10%, “a título de auxílio para recebimento de valores” da Eletronorte. A comissão, segundo ele, tinha por objetivo remunerar a “influência” junto a “funcionários públicos” para a liberação do dinheiro.
Diante da recusa da Alstom, por considerar o porcentual muito elevado, o grupo reduziu a comissão para 5%. A empresa ainda julgou a taxa muito alta.
“A negociação final ficou em torno de 3%”, contou o ex-diretor.
Acordo fechado, mas não sem antes consultar o alto-comando da multinacional, que, conforme seu ex-presidente, proibia a prática de corrupção. Ao que parece, abriu-se uma exceção. O depoimento, por si só, já seria suficiente para causar um estrago.
Afinal, não é todo dia que se vê um executivo de uma grande empresa admitir que negociou pagamento para obter vantagens no serviço público. Os indícios de que funcionava um esquema de corrupção envolvendo empresas estatais de energia ganhariam provas ainda mais robustas.
26 de outubro de 2013
Hugo Marques - Veja
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